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17 de julho de 2025

Nota Pública sobre Violência Política e de Gênero na UCB

“Uma campanha sistemática e misógina ocorreu de desvalorização do meu trabalho”, foi uma das frases ditas em discurso por Nísia Trindade, em fevereiro de 2025, após sua demissão do Ministério da Saúde. Nos solidarizamos a ela e nos reconhecemos nesta frase-denúncia. No mesmo mês, a diretoria da UCB convocou uma reunião com seu Conselho Deliberativo para expor as sistemáticas violências, que vêm sofrendo desde a sua eleição em novembro de 2023. Trazemos o exemplo de Nísia para contextualizar que não importa onde nem quando, a misoginia, assim como o racismo, classicismo, xenofobia, capacitismo, etarismo, lgbtfobia, fazem parte de todos os espaços de poder que partilhamos. Nós, enquanto diretoria da UCB também viemos nesta nota denunciar uma campanha sistemática e misógina de desvalorização do nosso trabalho na organização.

É sabido por todes que nosso país se constitui e se estrutura através da violência. E que, apesar de lutarmos por segurança viária para pedalar, a UCB, nestes 17 anos, também interseccionaliza essa luta combatendo não só a violência no trânsito, mas a violência que atravessa todos os corpos que pedalam ou não na cidade e organizações cicloativistas.

Infelizmente, a diretoria atual da UCB não escapou de também ser vítima de campanhas sistemáticas e misóginas dentro dela. Sofremos violência de gênero, raça e política, assédio moral e difamação desde o princípio da nossa gestão, o que impossibilitou de realizarmos nosso trabalho do modo como projetamos, sobretudo um trabalho criativo, tendo em vista a constante vigília em nos defendermos nesse combate. 

A diretoria que hoje ocupa a UCB, gestão 2024-2025, são mulheres que atuam há tempos em seus territórios em defesa da mobilidade ativa, por dignidade e justiça social e ambiental, contra o racismo, a misoginia e as opressões sociais. Tão importante quanto atuar de modo macro é também atuar nos microterritórios. É por nossa atuação nesses territórios que também ocupamos a UCB, pois além de representar nossas associações locais, somos parte da história do cicloativismo nos nossos territórios. E por todos os lugares que passamos sofremos com manifestações misóginas, racistas, lgbtfóbicas, e demais opressões. Mas não esperávamos também sermos vítimas ocupando a UCB, um território tido como progressista e combativo. 

Sofremos tentativas de silenciamento e deslegitimação do nosso trabalho, bem como da nossa história dentro do cicloativismo. Movimentos destrutivos, sem propostas concretas de resolução de conflitos, apoio ou construção, só prejudicam o trabalho coletivo na e da UCB e entre nós. Movimentos que prejudicam inclusive a imagem institucional da UCB e que enfraquecem nossa luta coletiva em todo nosso território e as organizações pelas quais representamos. Há, desde 2023, falta de respeito pelas mulheres que hoje ocupam este espaço, e também pelas outras que estiveram aqui e as que ainda virão. É evidente e escuro que essas tentativas fazem parte de movimentos misóginos-racistas por mais uma vez a diversidade ocupar este espaço de poder e destaque. Desqualificar uma gestão feita por mulheres, negres, LGBTQIAPN+, anticapacitista, é parte de um projeto conservador que circula inclusive entre os ditos progressistas.

Há que estarmos vigilantes e atentas a toda e qualquer queixa sobre violência em nossas organizações para que nossa luta não perca forças e sentido. Logo, é fundamental que numa perspectiva progressista – que se propõe a construir uma sociedade mais digna, justa, inclusiva e democrática – assumamos a linha de frente no enfrentamento à violência política, de gênero e raça. Esse enfrentamento não pode ser delegado exclusivamente às mulheres e pessoas negras. Homens e pessoas brancas precisam reconhecer seus privilégios e criar rupturas para transformar estruturas, apoiar lideranças femininas, não brancas, e denunciar práticas de discriminação e violência, garantindo que mulheres, pessoas negras, dissidentes de gênero, tenham escuta e segurança para exercer suas posições (caso existam) e ou suas existências com dignidade.

Da mesma forma, é fundamental valorizar, apoiar e fortalecer redes de solidariedade entre mulheres, pessoas negras, dissidentes de gênero, corpos periféricos nos espaços institucionais. A troca de experiências, o apoio mútuo e a construção coletiva de estratégias de combate às violências são modos potentes de resistência. Que essas redes não apenas acolham, mas também reconstruam a confiança e impulsionem a ocupação dos espaços institucionais.

Pessoas progressistas precisam caminhar juntas, com coragem e compromisso, para construir espaços que não apenas aceitem a presença das mulheres, pessoas negras, dissidentes de gênero, indígenas, pessoas com deficiência, mas que as valorizem, protejam e promovam a presença efetiva da diversidade. O combate às violências na política não é opcional: é um dever democrático e ético de quem acredita em um futuro mais igualitário e equânime.

Importante destacar que, desde 2024, o GT Gênero da UCB, com participação e apoio da atual diretoria, tem feito encontros periódicos e escutas de forma sistematizada para elaborar o levantamento de violências de gênero na UCB, objetivando o desenvolvimento de um protocolo interno de registro e apoio às pessoas associadas que sofreram este tipo de violência. 

Simone de Beauvoir nos alerta que basta uma crise política, econômica e religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados. Assim como o direito de todas as minorias majoritárias: pessoas não brancas, corpos periféricos, dissidentes de gênero, povos tradicionais e originários, pessoas com deficiência, crianças e idosas. Pessoas que pedalam e caminham. Essa nota é uma denúncia, mas também um anúncio de que estamos atentas e nos manteremos fortes, mesmo porque, parafraseando Audre Lorde, não seremos livres enquanto outras mulheres forem prisioneiras, mesmo que suas correntes sejam diferentes das nossas.

Jô Pereira
Jaana Pinheiro
Sheila Hempkemeyer

Diretoria da União de Ciclistas do Brasil – Gestão 2024/2025