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30 de junho de 2013

52 – COLISÃO ENTRE AUTOMÓVEL E BICICLETA. CONTRAMÃO. VIA URBANA. CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA.

70040674913
Comarca de Porto Alegre
23-05-2013
Umberto Guaspari Sudbrack

PODER JUDICIÁRIO

———- RS ———-

ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA

UGS

Nº 70040674913

2011/Cível

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL EM ACIDENTE DE TRÂNSITO. COLISÃO ENTRE AUTOMÓVEL E BICICLETA. CONTRAMÃO. VIA URBANA. CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA.

Incorre em culpa para o acidente o ciclista que trafega em sentido contrário ao da via em que se encontra vindo a colidir contra automóvel a cujo condutor não se pode imputar qualquer parcela de culpa pelo sinistro. Inobservância, pelo ciclista, da regra inserta no art. 58 do CTB. Mantida a sentença de improcedência, com base no fato exclusivo da vítima.

Negado provimento ao apelo.

Apelação Cível Décima Segunda Câmara Cível
Nº  70040674913 Comarca de Porto Alegre
LEONEL BRIZOLA VENEROZO PERES APELANTE
RODRIGO KOWAL APELADO
CONFIANÇA COMPANHIA DE SEGUROS APELADA

ACÓRDÃO

           Vistos, relatados e discutidos os autos.

           Acordam os Desembargadores integrantes da Décima Segunda Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento ao apelo.

           Custas na forma da lei.

           Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des. José Aquino Flôres de Camargo (Presidente) e Des. Mário Crespo Brum.

           Porto Alegre, 23 de maio de 2013.

DES. UMBERTO GUASPARI SUDBRACK,

Relator.

RELATÓRIO

Des. Umberto Guaspari Sudbrack (RELATOR)

           De início, adoto o relatório da sentença, a fim de evitar desnecessária tautologia:

LEONEL BRIZOLA VENEROZO PERES ajuizou ação de indenização contra RODRIGO KOWAL, partes devidamente qualificada.

Relata que, no dia 02.06.2008, às 18h15min, aproximadamente, trafegava em sua bicicleta pela Rua João Ferreira Jardim, nº. 447, quando foi violentamente abalroado pelo veículo marca GM ASTRA SEDAN CONFORT, cor prata, placa HDJ 6115, de propriedade da parte ora demandada, que trafegava na mesa rua. Diz ter sofrido lesões corporais. Aduz ter sido encaminhado ao Hospital de Pronto Socorro, sendo imobilizado o membro fraturado (perna direita). Diz ter sido encaminhado, posteriormente, para o Hospital Cristo Redentor, fins de realização de cirurgia, lá permanecendo até 13.06.2008. Aduz estar em tratamento com acompanhamento médico. Discorre acerca do instituto da responsabilidade civil, bem como da conduta culposa do demandado. Alega que o demandado infringiu as disposições constantes no artigo 26, § 2º, do Código de Trânsito Brasileiro. Menciona as dificuldades enfrentadas após o evento danoso, e os custos que está suportando em virtude das lesões sofridas no acidente. Diz estar incapacitado para o labor. Alega que os fatos relatados prejudicaram o pagamento da pensão alimentar devida à filha, judicialmente fixada. Pede, em antecipação de tutela, a fixação de alimentos provisórios, haja vista a incapacidade laboral advinda do evento danoso. Alega que teve um dano material de R$ 200,00, condizente ao valor da bicicleta envolvida no acidente. Advoga pela presença dos requisitos autorizadores do dever de indenizar. Afirma que não consegue executar nem mesmo as mais simples tarefas diárias, sem contar as dores enfrentadas. Requer a procedência dos pedidos para o fim de: a) condenar o demandado ao pagamento de R$ 200,00 a título de dano material; b) condenar o requerido no pagamento de indenização moral, a ser arbitrado pelo juízo. Litiga sob o amparo da A.J.G.. Junta documentos.

Indeferida a antecipação de tutela às fls. 27-28.

Citado (fls. 40-1), contestou às fls. 42-63. Discorre acerca dos fatos elencados na inicial. Preliminarmente, requer a denunciação da lide da empresa Confiança Companhia de Seguros. Informa que, no dia 02.06.2008, por volta das 18h30min, retornava do seu trabalho em baixa velocidade, na esquina da Rua Carolina Von Koseritz e Avenida João Ferreira Jardim, próximo ao número 447, quando, de forma imprevista, surgiu o autor lançando sua bicicleta contra o veículo conduzido pelo réu. Ressalta que estava praticamente parado, haja vista que a colisão ocorreu na esquina supra referida, próxima a sua residência. Alega que o demandante trafegava na contra-mão, rente ao meio fio e, além de não parar, sequer teve a cautela de passar por traz do automóvel do réu. Informa que era noite e chovia no momento do evento danoso, fato que agrava a culpa do requerente. Alega que, mesmo sem possuir culpa no acidente, prestou o devido socorro ao demandante. Ressalta que estava em uma esquina, pronto para ingressar a esquerda na Avenida João Ferreira Jardim, via de grande movimento. Põe em relevo que o autor trafegava na contra mão e embriagado, dando causa ao acidente. Afirma que o demandante exagera nos relatos iniciais, e que as graves lesões alegadas não passaram de um fratura na tíbia. Aduz que jamais poderia colidir de forma violenta se estava parado em determinada esquina. Afirma que o Boletim de Ocorrência descreveu que o autor apresentava hálito etílico. Menciona que o requerido está sem trabalhar porque não efetuou o tratamento médico recomendado. Posiciona-se pela culpa exclusiva da vítima. Discorre acerca do instituto da responsabilidade civil e sobre os pressupostos de configuração do dever de indenizar. Advoga pela inexistência de nexo causal. Pede o oficiamento do Hospital de Pronto Socorro e Cristo Redentor, fins de juntada dos prontuários do autor. Requer a improcedência dos pedidos. Junta documentos.

Sobreveio réplica à contestação às fls. 70-72.

Deferida a denunciação à lide à  fl. 73, bem como determinados os oficiamentos requeridos em contestação.

Citada, contestou a denunciada à lide às fls. 80-90. Faz breve relato dos fatos. Aceita a denunciação à lide, porém, dentro dos limites da apólice contratual. Discorre acerca dos valores e termos constantes na apólice. Diz que a indenização por danos corporais pela qual responde é a que excede os limites vigentes para a cobertura do seguro DPVAT. Diz que não houve a contratação de seguro para danos morais. Subscreve de forma integral as razões defensivas lançadas na contestação das fls. 42-63, ressaltando que o denunciante não agiu com culpa no acidente, impondo-se a improcedência dos pedidos. Aduz que o autor não cumpriu os termos do artigo 333, inciso I, do Código de Processo Civil. Advoga pela falta de comprovação da propriedade dabicicleta (nota fiscal), bem como de documento que comprove o valor comercial do bem em questão. Diz inexistir nos autos comprovação de renda do demandante, o que impede o pensionamento requerido. Aduz indevido o dano moral pleiteado, uma vez que não demonstrada a culpa do réu/denunciante. Requer a improcedência dos pedidos. Junta documentos.

À fl. 143, o Hospital de Pronto Socorro informou não possuir registro de atendimento do demandante, juntando, o Hospital Cristo Redentor, prontuário completo do requerente – fls. 144-88 e verso.

Colhida a prova oral conjunta às fls. 217-224.

Memoriais pela parte autora às fls. 230-235 e, pela parte ré  Rodrigo Kowal, às fls. 236-241. A parte denunciada, por sua vez, acostou memoriais às fls. 242-245.

           Sobreveio sentença, com o seguinte dispositivo:

Isso posto, forte no art. 269, I (segunda hipótese) do Código de Processo Civil, JULGO IMPROCEDENTE OS PEDIDOS.

Condeno o autor sucumbente ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em R$ 1.020,00, em favor do patrono da parte adversa, conforme art. 20, § 4º, do CPC, devendo ser corrigido monetariamente pelo IGP-M desde o ajuizamento da ação até o efetivo pagamento, dispensada a parte, porém, do efetivo adimplemento, face à gratuidade de justiça que lhe foi concedida, observado o disposto no art. 12 da Lei nº 1.060/50.

Julgo IMPROCEDENTE a denunciação à  lide, e condeno a denunciante ao pagamento das custas processuais relativas à denunciação e honorários advocatícios ao patrono da denunciada, os quais arbitro em R$ 510,00, conforme art. 20, § 4º, do CPC, devendo ser corrigida monetariamente pelo IGP-M desde a citação da denunciada até o efetivo pagamento. 

           Irresignado, apela o autor. Em suas razões (fls. 252/260), imputa ao réu RODRIGO a culpa pelo sinistro, sob o argumento de que este, conduzindo um automóvel, deveria ter zelado pela segurança do ora apelante, ciclista, com base no art. 29, § 2º, do Código de Processo Civil. Aduz a legalidade do modo como conduzia a bicicleta (no contrafluxo, junto ao meio-fio, para poder visualizar o tráfego de veículos de maior porte), bem como nega que estivesse alcoolizado no momento do sinistro. Argumenta que, na hipótese de não ser reconhecida a culpa exclusiva do réu para o evento danoso, deve ser declarada a culpa concorrente dos envolvidos. Impugna o teor da prova oral, aduzindo que as testemunhas ouvidas têm laços (…) de amizade ou de afinidade com o réu. Requer seja provido o apelo, julgando-se procedentes os pedidos formulados na inicial.

           Contra-razões pelo réu, nas fls. 263/276, e pela seguradora, nas fls. 277/281.

           Registro que foi observado o disposto nos artigos 549, 551 e 552, do Código de Processo Civil, tendo em vista a adoção do sistema informatizado.

           É o relatório.

VOTOS

Des. Umberto Guaspari Sudbrack (RELATOR)

           Cuida-se de apelação cível interposta por LEONEL BRIZOLA VENEROZO PERES contra a sentença que julgou improcedentes os pedidos formulados em face de RODRIGO KOWAL e de CONFIANÇA COMPANHIA DE SEGUROS, nos autos de ação indenizatória relativa a acidente de trânsito.

           O Juízo de origem, ao julgar improcedente o pedido, declarou que o acidente foi causado por culpa exclusiva da vítima, o ora apelante. Verbis:

A instrução processual demonstrou, forma límpida, que a parte ora requerida não possuiu qualquer grau de culpa pelo evento danoso estabelecido. Ao que consta, o demandante, condutor da bicicleta envolvida no acidente, foi, no mínimo, imprudente ao atravessar a Rua Carolina Von Korsertiz, no contra fluxo, sem cuidar o trafego de veículos existente no local, intenso, vale o destaque, haja vista o horário do infortúnio – 18h30min, aproximadamente (fato incontroverso, consoante alegações das partes litigantes).

Outrossim, a falta de cautela do demandante resta potencializada pelas circunstâncias em que ocorreu o acidente. Era noite e garoava na hora do evento danoso, afirmações estas lançadas pelo demandado na peça defensiva e confirmado pela testemunha Rafael da Silva Alves (fls. 220-223), e, ainda, pelo fato de o autor conduzir sua bicicleta no sentido contrário ao fluxo de veículos da Avenida João Ferreira Jardim.

Com efeito, diante dos fatos, não há  falar em infringência às disposições constantes no artigo 29, § 2º, CTB, nos termos como requerido na vestibular. Por certo que os veículos de maior porte são responsáveis pela segurança dos menores, porém, desde que haja prudência dos condutores, o que não ocorreu por parte do demandante.

(…)

A embriaguez, vale o destaque, não obstante presentes os indícios, não restou clinicamente comprovada. Todavia, os indícios de embriaguez da vítima somado ao seu comportamento imprudente, consistente na ausência de cautela na condução de suabicicleta no contra fluxo de via de grande movimento de veículos, durante a noite e com chuvisco, é fato demonstrado e caracterizador da culpa, direcionando a demanda, necessariamente, à improcedência.

Dessa forma, em que pese lamentável o evento, está  comprovado que o comportamento da vítima foi decisivo para a ocorrência do infortúnio e, assim, evidentemente não há  falar em obrigação de indenizar, ante a excludente da responsabilidade reparatória.

           Não merece reparos a sentença.

           Com efeito, demandas como a presente devem ser apreciadas à luz da responsabilidade civil subjetiva, a qual tem como elemento central o exame da culpa daquele a quem se imputa a autoria do evento danoso.

           Referido ônus incumbia ao autor, por força do art. 333, I, do Código de Processo Civil, não tendo dele se desincumbido minimamente.

           O fato de o réu estar conduzindo um automóvel, e o autor, uma bicicleta não torna prescindível o exame da culpa e do nexo causal.

           Não há testemunhas presenciais do evento danoso.

           Os depoimentos das testemunhas Rodrigo e Andressa não merecem reprimenda. Rodrigo foi ouvido sob compromisso, sem que tivesse o autor contraditado o depoente. Andressa, por sua vez, foi ouvida como informante, uma vez que esposa do réu. Formalmente, portanto, não há vício em seus depoimentos.

           Ademais, o teor das narrativas apresentadas não destoa das demais colhidas nos autos.

           A regra do art. 29, § 2º, do Código de Trânsito Brasileiro não autoriza que o condutor de bicicletas descuide dos seus deveres de obediência às regras de trânsito, em especial, para o causo em pauta, à do art. 58 da norma em comento:

Art. 58. Nas vias urbanas e nas rurais de pista dupla, a circulação de bicicletas deverá ocorrer, quando não houver ciclovia, ciclofaixa, ou acostamento, ou quando não for possível a utilização destes, nos bordos da pista de rolamento, no mesmo sentido de circulação regulamentado para a via, com preferência sobre os veículos automotores. (grifei)

           Consoante se extrai do conjunto fático-probatório, o ora apelante – confessadamente – trafegava com sua bicicleta na contramão (ou, em seu dizer, no contrafluxo), em uma noite chuvosa, no que reside a sua culpa, como já decidido, aliás, por esta Corte, em casos análogos:

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL EM ACIDENTE DE TRÂNSITO. CHOQUE ENTRE BICICLETA E ÔNIBUS. VIA URBANA. CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA. 1- Preliminar. Cerceamento de defesa inocorrente: não há  falar em cerceamento de defesa, pois foi oportunizado à parte autora acostar o atestado médico de uma das testemunhas e informar o endereço atual das demais, providencias estas não efetuadas. Ademais, ocorreu a preclusão da matéria, uma vez que o autor, devidamente intimado da decisão que interpretou a sua inércia como desistência da prova oral, mais uma vez quedou silente. 2- Responsabilidade pelo evento danoso: as provas carreadas aos autos demonstram que o atropelamento ocorreu por culpa exclusiva do ciclista. No caso em exame, o autor estava andando em sua bicicleta, na contramão da avenida, à noite, sem qualquer sinalização luminosa, correndo o risco de ser atropelado. Em virtude da culpa exclusiva da vítima, resta elidida a responsabilidade da ré. Preliminar rejeitada e apelo desprovido. (Apelação Cível Nº 70033364092, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Umberto Guaspari Sudbrack, Julgado em 19/05/2011)

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL EM ACIDENTE DE TRÂNSITO. CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. Hipótese na qual a autora conduzia sua bicicleta na contramão e, mesmo ciente de que a ré, condutora do automóvel, estava parada e sinalizando para ingressar na pista preferencial, preferiu prosseguir na contramão, vindo a ser abalroada pelo veículo da ré. Culpa que deve ser atribuída, de forma exclusiva, à condutora da bicicleta. Sentença mantida na íntegra. NEGARAM PROVIMENTO. (Apelação Cível Nº 70048853154, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Aquino Flôres de Camargo, Julgado em 31/05/2012)

           Por outro lado, reitero que não há prova de qualquer parcela de culpa do réu, não observado o teor do art. 333, I, do Código de Processo Civil, não havendo falar, nem mesmo, em culpa concorrente.

           Ante tais comemorativos, nego provimento ao apelo.

            No que se refere aos artigos invocados pelas partes, dou-os por prequestionados, com a finalidade de evitar eventual oposição de embargos declaratórios tão-somente para este fim. 

Des. Mário Crespo Brum (REVISOR) – De acordo com o(a) Relator(a).

Des. José  Aquino Flôres de Camargo (PRESIDENTE) – De acordo com o(a) Relator(a).

DES. JOSÉ  AQUINO FLÔRES DE CAMARGO – Presidente – Apelação Cível nº 70040674913, Comarca de Porto Alegre: “NEGARAM PROVIMENTO AO APELO. UNÂNIME.”

Julgador(a) de 1º Grau: PATRICIA HOCHHEIM THOME