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28 de junho de 2013

18 – Negligência na Realização e Sinalização de Obras Resulta em Indenização por Responsabilidade Subjetiva do Órgão Responsável

APELAÇÃO CÍVEL Nº 5000275-36.2011.404.7207/SC
RELATOR
:
CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR
APELANTE
:
DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRA-ESTRUTURA DE TRANSPORTES – DNIT
APELANTE
:
VILMAR VIEIRA
ADVOGADO
:
RAFAEL WRONSKI HENRIQUE
APELADO
:
OS MESMOS
EMENTA
ADMINISTRATIVO. DANO MORAL. DNIT. LEGITIMIDADE PASSIVA. ACIDENTE. BURACO. RODOVIA.
O DNIT detém legitimidade para figurar no polo passivo do presente feito, na medida em que o acidente se deu em razão de obras realizadas por construtora contratada pela autarquia ré e para a duplicação da rodovia federal BR-101.
A responsabilidade extracontratual do Estado – que emerge do preceito esculpido no artigo 37, § 6º, da Constituição Federal – nos casos em que os danos não são causados por atos comissivos dos agentes estatais, mas, sim, por deficiência nos serviços, cuja prestação o legislador atribuiu precipuamente à Administração Pública, é de ordem subjetiva.
No caso, restou caracterizada a omissão culposa do próprio DNIT, que foi negligente ao não fiscalizar devidamente a obra executada pela construtora contratada e não impedir que esta viesse a provocar danos a terceiros. A execução do serviço pela construtora se deu de forma faltosa e imperfeita.
A partir da vigência da Lei nº 11.960/09 (30/06/2009), devem incidir, uma única vez, até o efetivo pagamento, os índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, nos termos da nova redação do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 conferida pela Lei nº 11.960/09.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 4a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento aos recursos e dar parcial provimento à remessa oficial, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 19 de março de 2013.
Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR
Relator

 

APELAÇÃO CÍVEL Nº 5000275-36.2011.404.7207/SC

RELATOR
:
CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR
APELANTE
:
DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRA-ESTRUTURA DE TRANSPORTES – DNIT
APELANTE
:
VILMAR VIEIRA
ADVOGADO
:
RAFAEL WRONSKI HENRIQUE
APELADO
:
OS MESMOS
RELATÓRIO
Trata-se de ação de reparação de danos ajuizada por Vilmar Vieira em face do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes – DNIT, na qual requer a condenação do réu ao pagamento de indenização por danos morais e estéticos, em razão de acidente sofrido em obra rodoviária sob responsabilidade do réu.

 

Sentenciando, o MM magistrado julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais para condenar o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes – DNIT ao pagamento de indenização por dano moral ao autor no valor de R$ 10.000,00(dez mil reais ) .

 

O DNIT apresentou recurso de apelação. Sustenta: a) a ocorrência de culpa exclusiva do recorrido pelo próprio acidente uma vez que confessou em seu depoimento pessoal que sabia previamente da existência das valas abertas, inclusive o número delas (três) e a localização, tendo sido imprudente ao tentar fazer a travessia à noite. Portanto, a presença ou ausência de sinalização seria irrelevante, porque o autor já sabia da existência das valas; b) o recorrido agiu com imprudência ao transitar de bicicleta em local proibido ao tráfego de veículos; c) o acidente ocorreu no mesmo dia em que as valas foram abertas pela contratada, portanto não se pode exigir do DNIT fiscalização imediata ou poucas horas depois. Defende a aplicação do princípio da reserva do possível, porque não e pode exigir do Estado prestação imediata fora os limites da razoabilidade; d) que o valor fixado a título de indenização por dano moral é exacerbado e deve ser reduzido.

 

O autor também interpôs recurso de apelação. Sustenta: a) pela majoração do valor da condenação, que é ínfimo, uma vez que sofreu danos morais, materiais e estéticos irreparáveis com a atitude irresponsável do apelado que não sinalizou as obras da duplicação da BR 101. Defende a majoração da indenização porque ficou impossibilitado de trabalhar como vigilante noturno, e também impossibilitado de estudar, porque teve sua capacidade ocular diminuída, tanto que está desempregado; b) que deve receber pagamento de pensionamento alimentar em razão da debilidade funcional; c) pela reversão da Justiça Gratuita para a Assistência Judiciária Gratuita, porque o recorrente é pobre não podendo arcar com as custas e honorários no caso de não provimento do recurso.

 

Foram apresentadas as contrarrazões.

 

É o relatório.

 

Peço dia.

 

VOTO

Mantenho e adoto como razão de decidir a sentença da Juíza Federal Gysele Maria Segada da Cruz, que julgou parcialmente procedente a ação, transcrevendo os seguintes trechos:

 

II – FUNDAMENTAÇÃO

 

Trata-se de ação de reparação de danos ajuizada por Vilmar Vieira em face do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes – DNIT, na qual requer a condenação do réu ao pagamento de indenização por danos morais e estéticos, em razão de acidente sofrido em obra rodoviária sob responsabilidade do réu.

 

Da preliminar de ilegitimidade passiva ad causam

 

O réu Departamento Nacional de Infa-Estrutura de Transportes – DNIT, em sua contestação, arguiu preliminar de ilegitimidade passiva ad causam, porquanto o acidente em que o autor se envolveu não se deu em rodovia federal.

 

Entretanto, restou devidamente provado pelos esclarecimentos prestados pelo próprio réu no documento PROCADM2 do evento 33 (p. 1/2) e pelos depoimentos prestados pelas testemunhas que o buraco em que o autor caiu (o que teria causado os danos alegados) foi aberto pela construtora contratada pelo réu para realizar as obras de duplicação da BR-101. Inconteste que os fatos se deram em rua marginal à BR-101 e em razão das obras de duplicação daquela rodovia federal.

 

Assim, o DNIT detém legitimidade para figurar no polo passivo do presente feito, na medida em que o acidente se deu em razão de obras realizadas por construtora contratada pela autarquia ré e para a duplicação da rodovia federal BR-101. Possui, então, pertinência subjetiva com a relação material narrada na inicial.

 

Nestes termos, afasto a preliminar levantada.

 

Do mérito

 

Incontroverso, em razão das provas coligidas aos autos, que o autor, no dia 01.04.2008, sofreu acidente quando se dirigia ao seu trabalho, ao cair com sua bicicleta em vala aberta pela Construtora Triunfo S/A em rua marginal à rodovia federal BR-101, obra esta realizada em razão da duplicação daquela rodovia. Incontroverso também, como já dito, que a citada construtora foi contratada pelo DNIT, com o intuito de realizar as obras de duplicação da rodovia federal apontada.

 

O fato de a obra ter sido realizada por terceira pessoa (Construtora Triunfo S/A) não afasta a responsabilidade do DNIT pelo evento danoso, porquanto aquela atuou como um agente do réu e ele responde na qualidade de ‘dono da obra’. É o que se extrai do ensinamento de Hely Lopes Meirelles:

 

‘(…) se na abertura de um túnel ou de uma galeria de águas pluviais o só fato da obra causa danos aos particulares, por esses danos responde objetivamente a Administração que ordenou os serviços; se, porém, o dano é produzido pela imperícia, imprudência ou negligência do construtor na execução do projeto, a responsabilidade originária é da Administração, como dona da obra, mas pode ela haver do executor culpado tudo quanto pagou à vítima.’ (MEIRELLES, Hely Lopes. )

 

Na mesma linha leciona Sergio Cavalieri Filho:

 

‘Se a obra é do Estado e sempre deriva de um ato administrativo de quem ordena a sua execução, não faz sentido deixar de responsabilizá-lo simplesmente porque a mesma está sendo executada por um particular, mormente quando este, comprovadamente, agiu culposamente. À Administração Pública, e só a ela, competia executar as obras através dos seus órgãos competentes. Se preferiu cometer a uma empresa privada a realização dessas obras, não há de ser por isso que a sua responsabilidade deva ser desviada. Tenha-se em vista que o executor da obra é um agente do Estado, e, como tal, a Administração responde pelo dano que ele vier a causar, admitindo-se a responsabilidade solidária do executor da obra, o que, sem dúvida, torna a posição da vítima mais garantida.’ (CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 10ª ed. rev. e ampl. São Paulo: Atlas, 2012, p. 283)
Logo, assentada a premissa de que a Administração Pública responde por danos decorrentes de obras públicas, ainda que realizada por terceiro particular, cabe perscrutar se o executor agiu com culpa para a ocorrência do evento danoso.

 

Nesta senda, colhe-se das provas que compõem os autos que a vala aberta pela empresa contratada pelo réu, na qual o autor veio a cair com sua bicicleta quando se dirigia ao trabalho, não estava devidamente sinalizada e colocava em risco a integridade física e a vida das pessoas que pelo local transitavam.

 

Do depoimento prestado pelo autor se extrai que (evento 100):

 

Juiz: Senhor Vilmar, me conte como foi este acidente em 2008?
Depoente: Eu trabalhava ao lado do DNIT, numa empresa que trabalhava para o DNIT também, praticamente, eu trabalhava de segurança a noite e fazia bico de motorista de dia. O meu horário era nove horas da noite. Eu estava indo trabalhar e a Triunfo abriu três valas, duas eu passei porque estava iluminada a terceira estava tudo escuro.
(…)
Juiz: Tinha alguma sinalização?
Depoente: Não, nesse buraco que eu caí não..
Juiz: E nos outros?
Depoente: Nos outros tinham. O primeiro e o segundo tinham. Tinham uma claridade, tinha até luz do poste. E o terceiro que ficava perto do DNIT, onde eu trabalhava estava escuro.
Juiz: E tinha alguma placa?
Depoente: Não, não tinha nada. Porque se tivesse uma fita, eu trabalhei na CERTEPI, na época, uns três anos antes e até eu cuidava desses negócios aí, eu botava umas tochas luminosas e cercava toda a vala com uma fita vermelha e eles não fizeram isso aí.
Juiz: Não estava cercado?
Depoente: Não, não.
(…)

 

No mesmo sentido foi o depoimento da testemunha Vital Marçal (evento 100, TERMOTRANSCDEP2):

 

(…)
Juíza: Ah, e como é que era esse buraco?
Depoente: Era na tua paralela da BR, tava atravessada, não tinha sinalização e tava toda escura.
Juíza: Não tinha sinalização?
Depoente: Não tinha sinalização.
Juíza: E já tinha esse buraco aí antes ou ele foi aberto ali no dia?
Depoente: Não, não. Já tinha… não tinha, assim que ele pegou a trabalhar lá não tinha, foi feito no dia que ele pegou a trabalhar.
Juíza: Foi feito naquele dia então?
Depoente: Isso mesmo.
(…)

 

Por sua vez, a testemunha Jucelino Varella afirmou que (evento 100, TERMOTRANSCDEP3):

 

Juíza: E com relação ao local do acidente, o senhor chegou a ver essa vala
que ele caiu?
Depoente: (frase inaudível).
Juíza: Foram lá?
Depoente: Fizeram uma vala só que não botaram sinalização né, na marginal da BR ali né, do lado de cá né. Fizeram um buraco lá e não tinha sinalização nenhuma, ele veio de bicicleta já tava escuro, quando viu… (palavra inaudível) pra não quebrar o pescoço ali.

 

Por última, a testemunha Luiz Silvério Fernandes ratificou que (evento 100, TERMOTRANSCDEP4):

 

Juíza: O senhor pode me dizer o que aconteceu no acidente, como é que foi?
Depoente: O que aconteceu, um pegava, eu pegava às seis da tarde, os dois pegavam às sete, aí eu falei pro Vital: ‘Vital, o que que houve com o Vilmar que não apareceu… (Frase inaudível)’. Nós sabíamos que ele ia pegar nove horas, ele chegava dez pras nove, o Vilmar não apareceu, deu zebra. Daqui a pouco chegou todo ensangüentado, que ali eles fizeram o valo ali, e a sinal… o poste tava apagado, foi daqui pra lá, que só do valo pra lá que eles botaram a faixa, do valo pra cá não, ele veio daqui pra lá e caiu dentro do valo. (Frase inaudível) pra levar ele pro hospital: – Que que é isso aí rapaz, tudo arrebentado? – (Palavra inaudível) caí dentro do valo. Aí nós chamamos o SAMU, levaram pro hospital e aí nós pegamos, inda passamos a mão no (palavra inaudível) no materno e aí ele falou pra nós: – O Vital, depois tu vai lá pegar o celular pra nós que tá lá? Eu fui lá, peguei o celular dele e entreguei pra ele. Ah era um buraco enorme, cavaram, meteram a máquina e cavaram um buraco enorme, não via nada ali. Ia daqui pra lá e tinha a sinalização do poste, a luz apagada.
Juíza: Então não tinha sinalização nenhuma ali?
Depoente: Não tinha nenhuma abençoada.

 

Dos depoimentos testemunhais ainda é possível aferir que, em razão das obras e da vala aberta, a rua estava fechada para a circulação de automóveis e veículos de grande porte. Entretanto, o fechamento da rua e as sinalizações que alertavam sobre as obras estavam localizados em apenas um dos sentidos de tráfego naquela via. Consequentemente, as pessoas que nela transitavam no outro sentido, como o fez o autor, não eram cientificadas da existência de intervenções no local.

 

Diante deste quadro, indubitável que o buraco em que o autor caiu com sua bicicleta não estava sinalizado, não havendo qualquer marco ou baliza que servisse para alertar os que ali transitavam sobre a sua existência.

 

Caracterizada, portanto, a falha no serviço prestado pela construtora contratada pelo réu, que foi negligente ao executar a obra e não tomar as medidas básicas exigidas para que a empreitada não viesse a causar danos a terceiro.

 

Ao réu, por sua vez, cabia exercer a fiscalização da obra realizada, atuando para que esta fosse procedida de forma escorreita e inofensiva a terceiros.

 

Seu dever de fiscalização decorre do próprio contrato firmado com a construtora, como se extrai do inciso III da cláusula oitava do pacto (evento 33, PROCADM2, p. 7). Ao lado desta estipulação, o dever de fiscalização que recai sobre o réu decorre do disposto nos incisos IV e V art. 82 da Lei 10.233/01, que assim dispõem:

 

Art. 82. São atribuições do DNIT, em sua esfera de atuação:
(…)
IV – administrar, diretamente ou por meio de convênios de delegação ou cooperação, os programas de operação, manutenção, conservação, restauração e reposição de rodovias, ferrovias, vias navegáveis, terminais e instalações portuárias;
V – gerenciar, diretamente ou por meio de convênios de delegação ou cooperação, projetos e obras de construção e ampliação de rodovias (…)
(…)

 

Como se vê, é incumbência do DNIT administrar os programas de operação, manutenção, conservação, restauração e reparação de rodovias e gerenciar, diretamente ou por meio de convênios de delegação ou cooperação, projetos e obras de construção e ampliação de rodovias, cumprindo, assim, com seu objetivo institucional, previsto no art. 80 da Lei 10.233/2001, verbis:

 

Art. 80. Constitui objetivo do DNIT implementar, em sua esfera de atuação, a política formulada para a administração da infra-estrutura do Sistema Federal de Viação, compreendendo sua operação, manutenção, restauração ou reposição, adequação de capacidade, e ampliação mediante construção de novas vias e terminais, segundo os princípios e diretrizes estabelecidos nesta Lei.

 

Além disso, extrai-se do art. 83 da referida lei que na contratação de programas, projetos e obras decorrentes do exercício direto de suas atribuições, o DNIT fiscalizará o cumprimento das condições contratuais para o controle da qualidade, dos custos e do retorno econômico dos investimentos.
Por fim, o disposto no art. 70 da Lei 8.666/93 não exclui a responsabilidade da Administração Pública, acaso esta também tenha concorrido para o evento danoso.

 

É sabido que a doutrina e a jurisprudência mais recentes vêm entendendo que a responsabilidade extracontratual do Estado – que emerge do preceito esculpido no artigo 37, § 6º, da Constituição Federal – nos casos em que os danos não são causados por atos comissivos dos agentes estatais, mas, sim, por deficiência nos serviços, cuja prestação o legislador atribuiu precipuamente à Administração Pública, é de ordem subjetiva.

 

Cito:

 

DIREITO CIVIL E ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DE TRÂNSITO. PRECARIEDADE DA RODOVIA. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DO DNIT. AUSÊNCIA DE MANUTENÇÃO DA RODOVIA. CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA. NÃO-COMPROVAÇÃO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. 1. O pedido de indenização por danos materiais e morais sofridos em virtude de acidente na BR 153, do qual resultou a morte do filho dos apelantes, não pode ser analisado sob o prisma da responsabilidade objetiva do Estado, pois não imputada a prática de uma ação por parte dos entes estatais. 2. Tendo em vista a alegada omissão da União (DNIT) em promover a devida manutenção da rodovia, o feito deve ser julgado segundo a teoria da responsabilidade subjetiva, sendo imprescindível a comprovação da culpa no evento danoso. 3. Os requisitos para a comprovação da responsabilidade subjetiva são: a) a omissão do Estado; b) a comprovação da culpa do ente estatal; c) o dano; d) o nexo de causalidade entre a omissão e o dano ocorrido; e) a inexistência de causas excludentes da responsabilidade. (…) (TRF4, AC 2009.71.17.000046-8, Quarta Turma, Relatora Marga Inge Barth Tessler, D.E. 12/07/2010)

 

Trata-se da aplicação da doutrina civilista francesa faute du service.

 

O dever de indenizar, nesses casos, é qualificado como subjetivo, porque o ente estatal só será responsabilizado quando estiver legalmente obrigado a impedir o comportamento danoso ou evitar o resultado, ou seja, quando o prejuízo ao administrado decorrer de negligência ou imprudência imputável causalmente ao Estado.

 

Neste sentido:

 

‘Quando o dano foi possível em decorrência de uma omissão do Estado (o serviço não funcionou, funcionou tardia ou ineficientemente) é de aplicar-se a teoria da responsabilidade subjetiva. Com efeito, se o Estado não agiu, não pode, logicamente, ser ele o autor do dano. E se não foi o autor só cabe responsabilizá-lo caso esteja obrigado a impedir o dano. Isto é: só faz sentido responsabilizá-lo se descumpriu dever legal que lhe impunha obstar o evento lesivo. Deveras, caso o Poder Público não estivesse obrigado a impedir o acontecimento danoso, faltaria razão para impor-lhe o encargo de suportar patrimonialmente as conseqüências da lesão. Logo, a responsabilidade estatal por ato omissivo é sempre responsabilidade por comportamento ilícito. E sendo responsabilidade por ilícito é necessariamente responsabilidade subjetiva, pois não há conduta ilícita do Estado (embora do particular possa haver) que não seja proveniente de negligência, imprudência ou imperícia (culpa) ou, então deliberado propósito de violar a norma que o constituía em dada obrigação (dolo). Culpa e dolo são justamente as modalidades de responsabilidade subjetiva.’ (STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2001, p. 751).

 

A responsabilização do Estado com base na teoria da falta do serviço vem sendo largamente aplicada pelos nossos Tribunais, inclusive no âmbito do Supremo Tribunal Federal. A propósito:

 

Tratando-se de ato omissivo do poder público, a responsabilidade civil por tal ato é subjetiva, pelo que exige dolo ou culpa, numa de suas três vertentes, negligência, imperícia ou imprudência, não sendo, entretanto, necessário individualizá-la, dado que pode ser atribuída ao serviço público, de forma genérica, a faute de service dos franceses. IV. – Ação julgada procedente, condenado o Estado a indenizar a mãe do presidiário que foi morto por outro presidiário, por dano moral. Ocorrência da faute de service. (RE 179.147-1, rel. Min. Carlos Velloso, DJU de 27-2-98, p. 18)

 

Para esta teoria, caberá sempre à vítima provar que da ‘falta do serviço’ decorre diretamente seu dano (STF, RE 369.820, Rel. Min. Carlos Velloso, noticiado no Informativo de Jurisprudência nº 329).

 

No caso, restou caracterizada a omissão culposa do próprio DNIT, que foi negligente ao não fiscalizar devidamente a obra executada pela construtora contratada e não impedir que esta viesse a provocar danos a terceiros. Como visto, a execução do serviço pela construtora se deu de forma faltosa e imperfeita.

 

O ato ilícito praticado pelo réu não é afastado pelo argumento de que o autor era sabedor da existência do buraco, pois tal circunstância não exclui a obrigação de a construtora contratada pelo réu realizar a obra com lisura e este de fiscalizar devidamente a execução correta do ato.
Provada, portanto, a prática do ato ilícito culposo pelo réu, deve este responder pelos danos sofridos pelo autor em razão do acidente, se presentes os demais pressupostos da responsabilidade civil.

 

Os danos morais e estéticos apontados pelo autor consistem nos sentimentos negativos decorrentes do acidente em si e da perda parcial da visão, porquanto lhe restaram sequelas irreversíveis.

 

Tem-se que o dano moral consiste em lesão ao patrimônio psíquico ou ideal da pessoa, ou seja, resulta de agressão aos direitos da personalidade. É um desfalque não patrimonial, afetando valores de outra dimensão, que não se reduzem ao patrimônio da vítima. Antônio Jeová Santos brilhantemente expõe sobre o alcance do conceito de danos morais:

 

O dano moral ultrapassa aquele dado puro e simples do afetivo, dos sentimentos, projetando seus efeitos para outras áreas da personalidade, como a capacidade de querer e de entender. A modificação espiritual estende seus efeitos de forma ampla, pois essa alteração desfavorável pode atingir outros espaços da subjetividade do prejudicado. (Dano moral Indenizável. São Paulo: Lejus, 1997, p. 29).

 

O que se repara é a lesão à honra ou aos sentimentos da vítima, tentando-se compensar o sentimento de dor. Todavia, a alteração do bem-estar psíquico do indivíduo deve ter certa magnitude e não é qualquer mal-estar trivial, passageiro, de pequena importância, própria do risco cotidiano da conveniência, que dará ensejo à reparação.

 

Rui Stoco ensina:

 

De sorte que o mero incômodo, o enfado e desconforto de algumas circunstâncias que o homem médio tem de suportar em razão do cotidiano não servem para a concessão de indenização, ainda que o ofendido seja alguém em que a suscetibilidade aflore com facilidade (Antônio Jeová Santos, ob. cit., p. 36), ao contrário da mãe que perde o único filho, ainda, infante ou o seu marido, de forma trágica, cujo sofrimento, angústia, dor e desolação decorrem da natureza das coisas e dispensam comprovação, posto que presumíveis, caracterizando dano moral e impondo compensação. (Tratado da Responsabilidade Civil. Responsabilidade Civil e sua Interpretação Doutrinária e Jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 1381)

 

Na mesma linha, leciona Sérgio Cavalieri Filho:

 

(…) só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia-a-dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo. Se assim não se entender, acabaremos por banalizar o dano moral, ensejando ações judiciais em busca de indenizações pelos mais triviais aborrecimentos. (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 2ª ed., Malheiros Editores, 2000)

 

No presente caso, infere-se que a situação enfrentada pelo autor foi suficiente para lhes causar danos de ordem não patrimonial, pois presumíveis os sentimentos de dor, angústia e incerteza decorrentes do sinistro sofrido, dos danos que este lhe causou, da necessidade de ser encaminhado a hospital e de receber cuidados médicos, a fim de evitar que algo mais grave lhe adviesse.

 

Como se extrai dos depoimentos testemunhais, a profundidade da vala em que o demandante caiu e o risco que esta apresentava eram suficientes para colocar sua vida em perigo, sendo possível que algo pior que ocorresse além dos danos físicos provados.

 

Entretanto, os danos alegados pelo autor merecem limitação.

 

Isso porque não restou devidamente provado que o acidente lhe deixou com sequelas irreversíveis (danos estéticos) tampouco reduziu sua acuidade visual ou lhe impediu de obter novo emprego.

 

Conforme se extrai dos documentos anexados à contestação, o autor permaneceu trabalhando na empresa que laborava na ocasião do acidente até o dia 01.08.2008 (documento CNIS3 do evento 33). Extrai-se também que ele não logrou obter a concessão de benefício previdenciário em razão dos danos sofridos (documentos INF4, INF5, INF6 e INF7 do evento 33).

 

No mesmo passo, a perícia realizada atestou que o réu não sofreu alterações físicas em razão dos fatos. No mesmo passo, não estabeleceu cabalmente o nexo entre evento danoso e a perda de acuidade visual relatada pelo autor em sua inicial, tampouco entre aquele e os sintomas de fotofobia e lacrimejamento relatados pelo médico perito.

 

É o que se retira do laudo pericial anexado no evento 115:

 

1- A parte autora possui debilidade funcional permanente do
Olho esquerdo?Qual a origem?
R-Apresenta fotofobia e lacrimejamento
2- Tal debilidade acarretou redução da visão capaz de interferir
Nas atividades laborais e habituais?
R-.Prejudicado para as atividades em ambientes com muita
luminosidade.
3- O acidente alterou o aspecto físico da parte autora? Se sim,
Descrever as alterações.
R-Não.
1- Segundo a ficha de atendimento hospitalar que consta nos
autos, o autor deu entrada no ambulatório dia 01/04/2008
com histórico de ‘incisão na região superciliar’. Pergunta-se,
tal incisão afetou a capacidade visual do autor?É possível afastar
qualquer outro fator ( hereditário, por exemplo), como causa para
eventual diminuição na capacidade visual?
R-Não. Não há diminuição da acuidade visual, apenas há queixa
de fotofobia e lacrimejamento.
2- Caso positiva a resposta ao item anterior, em qual grau foi
afetada a capacidade visual do autor? Há prejuízo para
atividades laborais e habituais?
R-Há apenas fotofobia e lacrimejamento.
3- Caso a capacidade visual do autor tenha sido afetada, é possível
tratamento, intervenção cirúrgica reparadora, prótese ou
correção com uso de óculos?
R-Óculos para corrigir a ametropia normal pela idade.
4- Atualmente o autor encontra-se submetido a tratamentos
médicos, hospitalares,cirúrgicos ou medicamentos em
decorrência da lesão em questão?Favor especificar.
R-Não.
5- O autor apresenta alterações estéticas em virtude da lesão
mencionada? Quais?Favor juntar fotografias aos autos.
R-Não.
6-Pode-se afirmar que o atendimento médico feito ao autor por
Ocasião do acidente em 2008 foi perfeitamente adequado
Para a natureza da lesão? Os efeitos da lesão poderiam ser menores
caso o autor tivesse sofrido outro tipo de abordagem no atendimento
Médico como, por exemplo, por especialista em oftalmologia?
R-Sim. Não.
7-A idade do autor pode ter contribuído para a diminuição de sua
acuidade visual?
R-Sim.

 

Logo, provado que o autor não restou com sequelas físicas, deve ser julgado improcedente o pedido de indenização por danos estéticosNo mesmo sentido, comprovou-se que não ocorreu a perda da acuidade visual. Por outro lado, não restou definitivamente provado que a fotofobia e o lacrimejamento reclamados pelo autor tenham decorrido do evento danoso sofrido, sendo possível que tais sintomas sejam decorrentes de outras causas. Desta forma, deve-se limitar os danos morais sofridos pelo autor aos sentimentos negativos, aos riscos e inconvenientes decorrentes do acidente em si, conforme já relatado.
Em relação ao nexo causal, restou devidamente provado que os danos morais sofridos pelo autor decorreram direitamente do ato ilícito praticado pelo réu, conforme já exposto.

 

Destarte, verificada a responsabilidade civil do réu pelos fatos narrados na inicial, passa-se a abordar o valor devido ao autor a título de indenização por danos morais.

 

É cediço que a indenização por dano moral, além de prestar uma satisfação em relação à vítima, também tem caráter punitivo e pedagógico em relação ao autor da infração, no sentido de que a indenização deve ser uma forma de inibir novas práticas da espécie. Por outro lado, a indenização também não deve fomentar um enriquecimento indevido ao postulante, eis que se busca evitar a criação da chamada ‘indústria do dano moral’.

 

No presente caso, como visto, o autor sofreu acidente em razão da deficiência de serviço prestado por empresa contratada pelo réu e não fiscalizada por este, que não sinalizou devidamente vala aberta em função de obra pública. Tal circunstância é preponderante, inclusive sobre eventual responsabilidade concorrente do autor. Este não estava obrigado a fazer uso de capacete, conforme argumentado pelo réu, pois tal item de segurança não está entre os relacionados no inciso VI do art. 105 do Código de Trânsito Brasileiro. Tampouco a obrigação decorrente do art. 58 do CTB pode ser alegada para lhe imputar culpa concorrente, haja vista que a vala aberta atravessava toda a rua, restando apenas um pequeno espaço para que os transeuntes passassem. Assim, mesmo que o autor se portasse conforme o art. 58 do CTB, não há garantia de que estaria isento de sofrer o evento danoso.

 

Nesses termos, sopesados tais fatos, infere-se que a fixação do valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), a título de indenização por danos morais, atende de forma razoável e proporcional o pleito formulado.

 

Sobre o valor da condenação deverão incidir, a partir desta data, juros de mora, no percentual de 1% ao mês, e correção monetária, pelo IPCA-E.

 

III – DISPOSITIVO
Ante o exposto, com base no art. 269, I, do CPC, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos iniciais para CONDENAR o Departamento Nacional de Infra-estrutura de Transportes – DNIT ao pagamento de indenização por dano moral ao autor Vilmar Vieira, no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais). Sobre o valor haverá incidência, a partir desta data, de juros de mora, no percentual de 1% ao mês, e correção monetária, pelo IPCA-E.

 

Em face da sucumbência recíproca, uma vez que a parte autora é sucumbente em relação aos danos físicos e estéticos que não logrou comprovar, cada parte arcará com os honorários de seu patrono (artigo 21 do CPC). De ver-se que inexiste obstáculo à compensação em face do Estatuto da OAB, conforme decido pela 1ª Seção do nosso Regional nos EI nº 2000.72.07.004821-0/RS, Rel. Des. MENDES DE ALMEIDA. (Súmula 306 do STJ).

 

Sem custas processuais para o réu, nos termos do art. 4º, I, da Lei 9.289/96. Condeno o autor ao pagamento de metade das custas processuais. Entretanto, suspendo a exigibilidade desta verba, enquanto ele conservar a qualidade de beneficiário da justiça gratuita, observado o prazo previsto no art. 12 da Lei 1.060/50.

 

Portanto, quanto à apreciação dos fatos relacionados à responsabilidade do DNIT, ao nexo causal, à ocorrência dos danos e à quantificação dos danos morais, a sentença abordou apropriadamente as alegações das partes e as provas produzidas, não havendo reparo a ser feito.

 

A sentença merece ajustes apenas no que diz respeito à correção monetária e juros para se adequar à jurisprudência deste Tribunal.

 

Dos juros e correção monetária

 

Quanto a indenização por danos morais, o termo inicial da correção monetária é a data do arbitramento do valor, nos termos da Súmula 362 do STJ, pelo IPCA-E.

 

Os juros de mora, em se tratando de responsabilidade extracontratual, incidem a partir da data do evento, nos termos da Súmula nº 54 do STJ.

 

Assim, devem incidir no quantum indenizatório juros de mora de 1% ao mês desde a data do evento danoso e, a partir da vigência da Lei nº 11.960/09 (30/06/2009), devem incidir, uma única vez, até o efetivo pagamento, os índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, nos termos da nova redação do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 conferida pela Lei nº 11.960/09.

 

Ante o exposto, voto por negar provimento aos recursos e dar parcial provimento à remessa ofici

Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR

Relator

 


 


EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 19/03/2013
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5000275-36.2011.404.7207/SC
ORIGEM: SC 50002753620114047207
RELATOR
:
Des. Federal CANDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR
PRESIDENTE
:
Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle
PROCURADOR
:
Dr. Jorge Luiz Gasparini da Silva
APELANTE
:
DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRA-ESTRUTURA DE TRANSPORTES – DNIT
APELANTE
:
VILMAR VIEIRA
ADVOGADO
:
RAFAEL WRONSKI HENRIQUE
APELADO
:
OS MESMOS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 19/03/2013, na seqüência 265, disponibilizada no DE de 06/03/2013, da qual foi intimado(a) o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 4ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO AOS RECURSOS E DAR PARCIAL PROVIMENTO À REMESSA OFICIAL.
RELATOR ACÓRDÃO
:
Des. Federal CANDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR
VOTANTE(S)
:
Des. Federal CANDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR
:
Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
:
Des. Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE
Luiz Felipe Oliveira dos Santos
Diretor de Secretaria