66 – Dirigir sem habilitação, por si só, não é crime
Por Tadeu Rover
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais rejeitou denúncia contra um homem que conduzia sem habilitação uma motocicleta. De acordo com o desembargador Duarte de Paula, da 7ª Câmara Criminal, a conduta de dirigir sem habilitação, por si só, não constitui crime. É preciso provar o risco concreto do comportamento do motorista.
O Ministério Público estadual havia denunciado o motociclista para condená-lo de acordo com o previsto no artigo 309 do Código de Trânsito Brasileiro. O dispositivo considera crime de trânsito a condução de veículos automotores sem habilitação. De acordo com o MP, a Polícia Militar flagrou Luiz conduzindo a motocicleta de maneira perigosa, equilibrando-se apenas em uma das rodas. Segundo a PM, ao ser abordado, o condutor assumiu que tinha bebido uma lata de cerveja e que não tinha habilitação. Além disso, a moto não estava devidamente licenciada.
Na primeira instância, o juiz da Vara Criminal de Araguari rejeitou a denúncia alegando falta de justa causa para a ação penal e que o fato narrado não constitui crime. Contrariado, o Ministério Público recorreu ao TJ-MG.
A ação foi julgada pela 7ª Câmara Criminal, que manteve a decisão de primeira instância. De acordo com o relator, desembargado Duarte de Paula o crime previsto no artigo 309 do CTB só se configura caso o condutor esteja efetivamente causando perigo de dano.
Ele explica que o simples fato de conduzir o veículo sem ser habilitado em local público, de forma anormal, em desconformidade com as leis de trânsito, colocando em risco a sua integridade física e a de outrem, já é suficiente para a condenação do motorista. Mas observa que no caso concreto não houve prova acerca do dano concreto. Segundo consta nos autos, o motorista negou estar conduzindo a motocicleta equilibrando-se apenas em uma das rodas e não foram apresentados quaisquer depoimentos de testemunhas que possam corroborar as palavras dos policiais militares.
“Inexistindo provas acerca da existência do dano concreto, a conduta de dirigir sem habilitação não constitui crime, uma vez que, para que seja considerada como fato típico, exige a comprovação de que o agente teria colocado em risco, de forma concreta, a segurança própria ou alheia, não constituindo ilícito penal – mas, mera infração de trânsito – a condução de veículo por motorista inabilitado que não ocasione nenhum risco ou lesão a qualquer bem jurídico. Tanto é assim que no XXI Encontro do FONAJE foi aprovado o Enunciado 98, segundo o qual ‘os crimes previstos nos artigos 309 e 310 da Lei 9.503/1997 são de perigo concreto'”, explicou.
Diante disso, o desembargador concluiu que a conduta de Luiz, de dirigir normalmente sem habilitação sem expor sua vida e a dos outros em nenhum perigo concreto trata-se de fato atípico. Com isso, o Duarte de Paula votou por confirmar a decisão em primeira instância. O voto do relator foi seguido por unanimidade.
Fonte: Revista Consultor Jurídico.
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Processo
Relator(a)
Órgão Julgador / Câmara
Súmula
Comarca de Origem
Data de Julgamento
Data da publicação da súmula
Ementa
EMENTA: CONDUZIR VEÍCULO, EM VIA PÚBLICA, SEM HABILITAÇÃO. CRIME DE PERIGO CONCRETO. PERIGO DE DANO NÃO COMPROVADO. ATIPICIDADE DA CONDUTA. DENÚNCIA REJEITADA. MANUTENÇÃO.- Nos termos do Enunciado 98 do FONAJE o ato de conduzir veículo automotor, em via pública, sem a posse da devida habilitação, somente constitui crime se desse ato resultar efetivo perigo de dano ao bem jurídico tutelado.
EMENTA: CONDUZIR VEÍCULO, EM VIA PÚBLICA, SEM HABILITAÇÃO. CRIME DE PERIGO CONCRETO. PERIGO DE DANO NÃO COMPROVADO. ATIPICIDADE DA CONDUTA. DENÚNCIA REJEITADA. MANUTENÇÃO.
– Nos termos do Enunciado 98 do FONAJE o ato de conduzir veículo automotor, em via pública, sem a posse da devida habilitação, somente constitui crime se desse ato resultar efetivo perigo de dano ao bem jurídico tutelado.
REC EM SENTIDO ESTRITO Nº 1.0035.10.012613-1/001 – COMARCA DE ARAGUARI – RECORRENTE(S): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS – RECORRIDO(A)(S): LUIZ SÉRGIO DE OLIVEIRA
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 7ª CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, à unanimidade, em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.
DES. DUARTE DE PAULA
RELATOR.
DES. DUARTE DE PAULA (RELATOR)
V O T O
Ofereceu o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS, perante o Juízo de Direito da Vara Criminal e da Infância e Juventude da Comarca de Araguari, denúncia contra LUIZ SÉRGIO DE OLIVEIRA, visando sua condenação pela imputada prática do crime previsto no art. 309 do CTB.
Consta da denúncia que, no dia 15 de agosto de 2010, por volta das 18h15min, na Rua Nossa Senhora Aparecida, em frente ao nº 289, no distrito de Amanhece, a Polícia Militar realizava um policiamento, quando em frente ao “Bar do Zanga”, depararam-se com o acusado realizando direção perigosa com sua motocicleta (equilibrando-se apenas com uma das rodas).
Na abordagem realizada no denunciado constatou-se que o mesmo estava com sinais de embriaguez e indagado se havia ingerido bebida alcoólica, disse que havia bebido uma lata no bar acima citado. Constatou-se também que o denunciado não possui habilitação para dirigir e a motocicleta que ele utilizava não possuía placa e não estava devidamente licenciada.
Proposta de suspensão condicional do processo às f. 02C. Termo circunstanciado de ocorrência às f.02/12. Termo de audiência preliminar às f. 24 com certidão que atesta a aceitação da transação penal pelo acusado às f. 25.
Não demonstrada a quitação das parcelas referentes ao pagamento de prestação pecuniária, foi recebida a denúncia às f. 65. Posteriormente, não sendo encontrado o acusado para apresentar resposta à acusação, entendeu por bem o MM. Juiz a quo, por rejeitar a denúncia (f. 69/69v), na forma do art. 395, inciso III e, por analogia, art. 397, III, ambos do Código de Processo Penal.
Inconformado com esta r. sentença, recorreu o parquet pelas razões de f. 72/76.
Contrarrazões do acusado às f. 79/81.
Em exercício do previsto no art. 589 do Código de Processo Penal, entendeu por bem o magistrado em manter a decisão recorrida.
Instada a se manifestar, às f. 87/92 a douta Procuradoria-Geral de Justiça opinou pelo provimento do recurso.
É o relatório.
Conheço do recurso, pois presentes os pressupostos de sua admissibilidade.
Consiste a irresignação do recorrente, no fato de que teria incorrido em erro o douto Juiz sentenciante, uma vez que restaria patente a caracterização do perigo concreto constante do art. 309 do CTB. Desse modo, deve a decisão ser reformada para, com conseqüente recebimento da denúncia, seja determinado o prosseguimento do feito.
Ab initio, salienta-se que nos termos do art. 309 do CTB, configura crime de trânsito dirigir veículo automotor, em via pública, sem a devida permissão para dirigir ou habilitação ou, ainda, se cassado o direito de dirigir gerando perigo de dano.
Segundo se extrai da redação do referido artigo, o delito de dirigir sem habilitação exige, para sua configuração, que esteja o condutor efetivamente causando perigo de dano. O crime é, pois, de perigo concreto, haja vista reclamar, na análise do caso concreto, a demonstração do perigo de dano gerado pela conduta do motorista. Isso não significa que se deva identificar, pontualmente, a vítima ou as vítimas que suportaram o perigo. O simples fato de conduzir o veículo, sem ser habilitado, em local público, de forma anormal, em desconformidade com as leis de trânsito, colocando em risco a sua integridade física e a de outrem, já é suficiente para a condenação do motorista.
No presente caso, porém, conforme se extrai do termo circunstanciado de ocorrência de f. 03, o acusado foi abordado na condução de determinada motocicleta, realizando direção perigosa, uma vez que estaria equilibrando-se apenas com uma das rodas. Contudo, aos prestar suas declarações, o acusado (f. 09) nega veementemente a conduta que lhe foi previamente imputada, afirmando que apenas conduzia a motocicleta normalmente no momento da abordagem. Os autos não apresentam maiores afirmações sobre o caso, nem mesmo traz quaisquer depoimentos de testemunhas que possam corroborar as palavras dos policiais militares, assim, pendendo de prova concreta que demonstre a ocorrência do crime.
Inexistindo provas acerca da existência do dano concreto, a conduta de dirigir sem habilitação não constitui crime, uma vez que, para que seja considerada como fato típico, exige a comprovação de que o agente teria colocado em risco, de forma concreta, a segurança própria ou alheia, não constituindo ilícito penal – mas, mera infração de trânsito – a condução de veículo por motorista inabilitado que não ocasione nenhum risco ou lesão a qualquer bem jurídico. Tanto é assim que no XXI Encontro do FONAJE foi aprovado o Enunciado 98, segundo o qual “os crimes previstos nos artigos 309 e 310 da Lei 9503/1997 são de perigo concreto”.
Então, não tendo sido comprovado, in casu, o perigo concreto gerado pela conduta do acusado que, em que pese à ausência de habilitação, foi flagrado dirigindo normalmente, sem expor a sua vida e a de outrem a nenhum perigo concreto, trata-se de fato atípico, devendo a denúncia ser rejeitada, com fulcro no art. 395, III, do CPP.
Nesse sentido, já decidiu este egrégio TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS:
“CRIMES DE TRÂNSITO – EMBRIAGUEZ AO VOLANTE E DIREÇÃO DE VEÍCULOSEM HABILITAÇÃO – AUSÊNCIA DE EXAME DE COMPROVAÇÃO DO NÍVEL DE ÁLCOOL NO SANGUE E DE DANO POTENCIAL À INCOLUMIDADE DE OUTREM – ABSOLVIÇÃO (…).2. O Código de Trânsito Brasileiro colocou o crime de dirigir sem a devida habilitação (art. 309 do CTB), assim como o delito de conduzir veículo sob a influência de álcool (art. 306 do CTB), entre os crimes de perigo concreto indeterminado, exigindo não apenas a comprovação de que o motorista dirigia sem habilitação ou sob o efeito de álcool, mas que, concretamente, essas condutas se revelem perigosas à incolumidade de outrem, gerando um efetivo perigo de dano. (…)” (Apelação Criminal 1.0095.07.000827-1/001; Relator: Des. Antônio Armando dos Anjos; J. 17/03/2009).
“AUSÊNCIA DE PERMISSÃO OU HABILITAÇÃO – AUSÊNCIA PERIGO DE DANO- ABSOLVIÇÃO – (…). Para a caracterização do delito do art. 309 do CTB, não basta ausência de permissão ou habilitação para conduzir o veículo, mas é imprescindível, para a caracterização de infração penal, que seja demonstrado o perigo de dano. (…)” (Apelação Criminal 1.0313.10.005411-0/001; Relator: Des. Ediwal José de Morais; J. 31/05/2011).
Nesse mesmo sentido decidiu o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
“RECURSO ESPECIAL. CONDUZIR VEÍCULO AUTOMOTOR SEM HABILITAÇÃO. CONTRAVENÇÃO. ATIPICIDADE. INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA. 1. A partir da vigência do novo Código de Trânsito Brasileiro (Lei nº 9.503/97), o ato voluntário de dirigir veículo automotor sem possuir habilitação consubstancia fato de mera infração administrativa, sendo definido como crime somente se demonstrado o perigo de dano concreto, hipótese alheia à versada na espécie. Precedentes. 2. Recurso provido. (REsp 331.304/SP, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, SEXTA TURMA, julgado em 05/03/2002, DJ 25/03/2002, p. 316).”
Diante de tais fundamentos, deve-se confirmar a r. decisão fustigada, por seus próprios e jurídicos fundamentos, mas impor ao Executivo estadual o ônus de ressarcir ao Judiciário os valores das custas processuais, posto constituir a isenção do seu pagamento aqui verificada, por força de lei, uma evidente perda de receita orçamentária.
É que ao buscar a prestação jurisdicional, e gozando de isenção do pagamento de custas e taxa judiciária e outras despesas, o Ministério Público, como dominus litis, e ainda os entes públicos e outras entidades públicas, da administração direta e indireta, em nível estadual e municipal, padece de invulgar injustiça impor ao Poder Judiciário o ônus exclusivo do prejuízo pela perda volumosa dessa receita orçamentária, dentre os poucos recursos que lhes são destinados e autorizados para sua manutenção e funcionamento, quando ocorre a absolvição do acusado ou vê-se declarada extinta a punibilidade, em virtude de prescrição ou do cumprimento da pena e o processo.
Assim, por império de lógica, se as custas processuais constituem a mais significativa receita, específica e exclusiva, do Poder Judiciário, com que sustenta seu orçamento de custeio, deve haver a justa compensação pelo prejuízo haurido em virtude da não percepção de seus valores, pela isenção, garantida pelas Constituições Federal e Estadual, aos entes públicos e assemelhados, e sendo da competência exclusiva do Poder Executivo do Estado administrar o erário, necessário se faz, por um dever de justiça, arcar o Executivo estadual com o ônus de ressarcir ao Judiciário, com rubrica em orçamento, os valores despendidos com a prestação jurisdicional exigida, posto constituir uma evidente e manifesta perda de expressiva receita orçamentária.
É que, em face a observância dos princípios da harmonia e, especialmente, da autonomia e da independência dos poderes, o Executivo, Legislativo e Judiciário apresentam, com suporte em lei de diretrizes orçamentárias, os seus próprios orçamentos anuais, em separado, e por competir ao Poder Executivo, a administração do erário público no Estado de Minas Gerais, por força de suas próprias atribuições executivas e administrativas, e ser a ele atribuído o exclusivo patrocínio não só das despesas com a gratuidade de justiça, deve também se lhe imposto o ônus de compensar o Poder Judiciário pelas perdas de receita, visando cobrir as despesas inerentes aos processos em que seja concedido o benefício.
E em ocorrendo isenção do pagamento das custas, como legalmente permitida, a perda de receita orçamentária de nosso Tribunal de Justiça de Minas Gerais, constitui notória transferência ao Poder Judiciário do ônus exclusivo de seu prejuízo, em detrimento da sua cara manutenção, dos sérios e graves encargos e despesas decorrentes do exercício de suas funções, especialmente, com a sua indispensável e precípua prestação jurisdicional.
Ademais, o entendimento que tenho defendido, em boa hora, foi acolhido pelo Tribunal pleno, quando da votação e aprovação do novo Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, em vigor desde 25 de setembro último, prevendo expressamente:
“Art. 574 – As despesas relativas à gratuidade de justiça e aos programas sociais, cuja responsabilidade seja do Poder Executivo, mas forem instituídos ou executados pelo Poder Judiciário, terão seus custos repassados ao Poder Executivo, conforme constar de lei orçamentária e mediante convênio.”
Por tais fundamentos, nego provimento ao recurso, mas, determino que sejam os valores das custas processuais apurados no presente processo, na fase de execução, com comunicação à Comissão de Orçamento, Planejamento e Finanças do Tribunal, para que integre rubrica do projeto de Orçamento a ser remetido, no respectivo exercício, à Assembléia Legislativa de Minas Gerais, visando que o Executivo venha ressarcir ao Judiciário, pela evidente perda de receita e pelos prejuízos suportados pela efetivação da prestação jurisdicional.
DES. MARCÍLIO EUSTÁQUIO SANTOS – De acordo com o Relator.
DES. CÁSSIO SALOMÉ – De acordo com o Relator.
SÚMULA: “NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO”