Dia Nacional do Ciclista: co-memorar?

Em 19 de agosto de 2006 Pedro Davison, 25 anos, é atropelado e morre no Eixo Sul em Brasília. O motorista que o matou foi Leonardo Luiz da Costa. Dirigia bêbado, em alta velocidade e fugiu sem prestar socorro. Raul Aragão, 23 anos, foi assassinado do mesmo modo, em 21 de outubro de 2017, também em Brasília, por Johann Homonnai. Marina Harkot, 28 anos, em 08 de novembro de 2020, foi assassinada igualmente por José Maria da Costa Junior, em São Paulo. Uma juventude sendo dilacerada pedalando. Há que se ater em todos esses, e demais casos, para questões de raça, gênero, classe, idade e território. A juventude negra é ainda a que mais morre em crimes de trânsito e a branquitude é a que mais mata. E nós, ativistas pela bicicleta, precisamos transversalizar nosso pedalar para estas questões, pois o cruzamento dessas histórias nos levam para questões mais amplas do que apenas a bicicleta. Marina é inclusive referência sobre estudos de gênero e bicicleta entre nós cicloativistas.

É a partir da vida de Pedro que esta data existe oficialmente, com a Lei 13.508 de 22 de novembro de 2017, um mês após o assassinato de Raul, no mesmo mês do assassinato de Marina, “celebramos” em todo território o Dia Nacional do Ciclista.

Para quem pedala, todo dia pode ser uma festa. “Pedalar é suave”, já dizia Raul. Do mesmo modo Pedro e Marina se divertiam muito pedalando. Ela, eles e nós fazemos dessa diversão também um ativismo. Somos pessoas ativas pedalando pelo direito de ocupar as ruas de modo seguro e alegre. Somos ativistas pelo direito à vida, pelo direito de sair de casa e voltarmos felizes para construirmos cidades responsivas, cuidadosas, justas e acolhedoras. Apesar de sentirmos no corpo a ameaça e violência cotidiana, e também a dor que ceifou a vida daquelas pessoas que amamos (#RaulVive #MarinaVive), permanecemos ativistas por nenhuma vida a menos, acreditando que é possível sim continuarmos sendo felizes pedalando.

Livro em homenagem a Raul Aragão – Publicado pela Rodas da Paz

Dia 19 de Agosto é uma data para memorarmos aquelas e aqueles que fizeram de seus movimentos uma luta. Que pedalaram suave sendo ativistas por uma causa coletiva. Neste dia nós, com aquelas pessoas que já não estão mais fisicamente entre nós, mas permanecem em nossas memórias, co-memoramos suas vidas, nossos sonhos e a possibilidade de outros futuros possíveis.

Dia 19 de Agosto é Dia Nacional do Ciclista. Que hoje e sempre possamos promover a bicicleta como um veículo de transporte possível e como uma ferramenta de emancipação para pessoas e seus territórios. Que através dela possamos ampliar nossas lutas pedalando por justiça social e ambiental, na construção de territórios sem violência de trânsito, de raça, de gênero, classe, idade. Só assim poderemos, além de memorar, comemorar o 19 de agosto.

Dia Nacional do Ciclista: comemorar nossa história!

É oficialmente a partir dos anos 2000 que a sociedade ciclística organizada inicia processos de institucionalizar suas lutas, com a criação das primeiras associações de ciclistas: em 2011 em Florianópolis/SC (ViaCiclo), em 2003 no Rio de Janeiro/RJ e Brasília/DF (Transporte Ativo e Rodas da Paz, respectivamente) e em 2004 em Blumenau/SC (ABCiclovias). Em 2007 fundamos a União de Ciclistas do Brasil e hoje reunimos aproximadamente 78 organizações da sociedade civil, 30 empresas privadas e mais de 2.000 associados individuais.Com a missão de impactar as pautas relativas à mobilidade por bicicleta, por meio de influência nas políticas públicas, articulação e mobilização social, nos tornamos referência nacional como organização representativa da sociedade civil.

A UCB tem representações de todas as regiões do Brasil através do nosso Conselho Regional, além de diversos Grupos de Trabalho (GT), entre eles: GT Comunicação, GT Infraestrutura, GT Jurídico, GT Pesquisa, GT Políticas Públicas e o GT Gênero, criado em 2015. É também a partir desse movimento que em 2016 conseguimos garantir a paridade de gênero, tanto na Diretoria quanto nos Conselhos Regionais, através de alteração no nosso Estatuto. Hoje 68% do nosso Conselho Deliberativo é formado por mulheres e 45% de pessoas não brancas. O Conselho Deliberativo é onde tomamos as decisões de modo coletivo e democrático na UCB, composto pela Diretoria, Conselho Fiscal, Conselhos Regionais e Coordenações de GTs, 

Desde 2008 é realizado o Bicicultura, um Encontro Nacional de Mobilidade por Bicicleta e Cicloativismo, para celebrarmos e impulsionarmos a cultura da bicicleta como meio de mobilidade nas cidades. O Bicicultura é um espaço para o convívio, compartilhamento e formação de redes entre ciclistas, cicloativistas e entusiastas, de todos os setores sociais, na democratização urbana, sustentabilidade ambiental, justiça social e ambiental e buscando sempre equidade e a qualidade de vida que a bicicleta pode proporcionar. Neste ano nos encontraremos em Brasília, no 11º Bicicultura, entre os dias 04 e 08 de setembro, juntamente com o 13º Fórum Mundial da Bicicleta, realizado na mesma data e cidade.

A UCB, em 2023, foi selecionada através de um edital público a participar da Comissão Nacional dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, para, ao lado de todas as discussões sobre os desafios e oportunidades para o desenvolvimentos social do país, estar junto na elaboração de mais um objetivo, o 18º, relacionado à Igualdade Etnico-Racial. Nossa participação se dá também pelo fato de desde 2017 nos envolvemos nessa discussão, a partir da construção do documento “A bicicleta como promotora dos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável” no contexto brasileiro, contextualizado ao cenário do uso da bicicleta nos municípios e cidades brasileiras, compreendendo e incluindo as inúmeras e múltiplas realidades do nosso país. Também em 2019, através do GT Infraestrutura, lançamos o Guia de Boas Práticas para Instalação de Estacionamentos de Bicicletas: paraciclos e bicicletários.

Entre os anos de 2015 e 2019, a UCB junto com a rede Bike Anjo e Transporte Ativo  engajamos e assessoramos as cidades brasileira no desenvolvimento de seus Planos de Mobilidade Urbana (UMPs – PlanMobs) por meio do projeto Bicicleta nos Planos.  Foram realizadas cinco oficinas de formação pela bicicleta, sendo uma em cada região do país. O público alvo eram da gestão pública, técnicos e a sociedade civil. As oficinas foram um espaço de compartilhamento de conhecimento e experiências práticas de planejamento e implementação para promoção da bicicleta nas cidades, com momentos de formação e experimentação prática.

Entre os anos de 2017 e 2018, a UCB e a rede Bike Anjo realizaram um conjunto de ações e atividades que culminaram na aprovação e sanção da lei que criou o Programa Bicicleta Brasil (Lei 13.724/2018), tendo firmado Acordo de Cooperação Técnica com a Secretaria Nacional de Mobilidade. Após a aprovação dessa Lei, entre os anos de 2019 e 2022 demos início a construção da da Estratégia Nacional de Promoção da Mobilidade por Bicicleta, a ENABICI. Essa iniciativa permanece como uma das frentes da UCB até hoje, sendo um projeto permanente na associação.

Desde 2019 temos vaga na Câmara Temática de Saúde e Meio Ambiente do Conselho Nacional de Trânsito – CONTRAN. Neste ano a campanha “De Olho nos PlanMobs” foi lançada para inspirar, monitorar, engajar e fornecer orientações e modelos aos municípios nesse processo. Ainda este ano lançamos o livro “O BRASIL QUE PEDALA – A CULTURA DE BICICLETAS EM PEQUENAS CIDADES”, uma homenagem às cidades pequenas e suas populações que nos oferecem modelos de desenvolvimento compatíveis com a escala humana e com a sustentabilidade. O livro foi produzido coletivamente em parceria com a Aliança Bike, Bicicleta para Todos, Bike Anjo e União de Ciclistas do Brasil, publicado pela Editora Jaguatirica com apoio do Itaú. Também lançamos o Manual de Incidência Legislativa: Promovendo a Bicicleta no Legislativo, que orienta a sociedade civil organizada das cidades e estados brasileiros na atuação local – Câmaras de Vereadores e Assembléias Legislativas Estaduais, contendo conceitos e escurecimentos sobre processos legislativos e orientações sobre como obter os bons resultados. 

Ainda em 2019 lançamos o CicloMapa, que surgiu do esforço conjunto da União dos Ciclistas do Brasil (UCB) e do Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP Brasil) para criar um mapa cicloviário padronizado.

O Observatório da Bicicleta é outra importante iniciativa da UCB, sendo estruturado e construído em 2019, e lançado em fevereiro de 2020. O Observatório da Bicicleta é um centro de referência que traz informações, monitora políticas públicas e experiências sobre o uso da bicicleta como meio de transporte no Brasil. Uma plataforma colaborativa que visa construir e partilhar conhecimentos e apoiar o desenvolvimento de ações referentes à ciclomobilidade. Informações sobre a data de hoje podem ser obtidas na página “Eventos e notícias do Dia Nacional do/a Ciclista 2024. Desde 2020 o ObservaBici divulga a data, monitora e publica repercussões no universo da ciclomobilidade e da bicicleta.

A UCB também faz parte da Coalizão Respirar, grupo de organizações e pessoas que defendem políticas pela qualidade do ar. Nos últimos anos, o setor de transporte tem aumentado expressivamente seu percentual de emissões de poluentes. Investir em modais sustentáveis pode ter impacto importante na redução de GEEs e na qualidade do ar.

Desde 2022 temos o Projeto Vias-Seguras, pela readequação de velocidades nas vias, que tem como objetivo principal reduzir os limites de velocidade nas cidades brasileiras, tornando os perímetros urbanos compatíveis com a vida humana, trazendo segurança e conforto para quem pedala e caminha, estimulando o uso de modos ativos.

Em 2023 foi protocolado, na Câmara dos Deputados, o projeto de Lei 2.789/23, que altera o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) – Lei 9.503/97. A iniciativa foi idealizada e articulada pela UCB – União dos Ciclistas do Brasil, e Ciclocidade, com apoio da Fundação Thiago Gonzaga e Instituto Alana.

Desde 2014 a UCB desenvolve, realiza, integra campanhas nas eleiçõe, iniciando como Bicicleta nas Eleições e hoje nomeamos de Mobilidade Sustentável nas Eleições, com a participação de outras organizações civis sobre mobilidade ativa e sustentável, O principal objetivo dessa iniciativa é assessorar as organizações locais na realização das campanhas eleitorais de 2 em 2 anos.

Desde 2021, incorporamos no nosso calendário de datas importantes o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, interseccionalizando o debate da bicicleta com pautas de gênero, raça e território. Nesta encruzilhada, em 2022 trouxemos o debate da Luta Antirracista na Mobilidade Urbana.

Em 2024, em um processo iniciado no em 2023, a UCB aprovou tornar o Dia Nacional do Ciclista como uma “Data Nacional Unificada de Luta pela Ciclomobilidade”.

Nossa luta é permanente e nestes quase 17 anos sabemos que muito foi realizado e construído e ainda há muito por fazer e pedalar. Deste modo, entendemos que nossa história enquanto movimento cicloativista e enquanto união de ciclistas merece ser celebrada, hoje e sempre.