Os crimes que eles cometem
Embora não se trate propriamente de uma decisão judicial, reproduzimos parecer jurídico elaborado pelo Dr. Celso Sakuraba, elencando vários dispositivos legais configurando o crime associado a certas atitudes, infelizmente mais comuns do que seria desejável.
Todos nós sabemos que o desrespeito à distância de segurança de 1,5m ao ultrapassar o ciclista é uma infração média com pena de multa, prevista no art. 201 do Código de Trânsito brasileiro. Felizmente, aos poucos os cidadãos não-ciclistas também estão tomando conhecimento desta previsão no CTB, apesar de que o respeito por parte dos motoristas ainda está longe do ideal.
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Além de infração, o desrespeito no trânsito também pode constituir crime. Este post tem o intuito de citar alguns crimes cometidos rotineiramente em nossas ruas, a fim de armar nossos ciclistas com algum conhecimento legal se necessário. Naturalmente, não se trata de um rol exaustivo, tampouco torna prescindível o aconselhamento de um advogado.
Da próxima vez em que se envolver em um acidente ou quase-acidente, arranje testemunhas, vá à delegacia fazer um Boletim de Ocorrência e esteja munido das informações abaixo para caso lhe perguntem os crimes que deseja denunciar. Além disso, contrate um advogado para acompanhar a apuração criminal e para entrar com uma ação de reparação de danos morais e/ou materiais contra o agressor, se for o caso.
Tentativa de homicídio
Código Penal. Art 121. “Matar alguem: Pena – reclusão, de seis a vinte anos.”
Devido ao estado de calamidade pública em que se encontra nosso trânsito, ocasionando diariamente inúmeras mortes, alguns tribunais têm começado a considerar dolo eventual em caso de homicídio ocasionado por atitudes temerárias no trânsito. Dolo eventual é aquele em que o agente assume o risco de produzir o resultado. Ou seja, a pessoa prevê que pode passar o carro por cima de você, mas não está nem aí.
Se o homicídio é doloso, é possível que se configure a tentativa, que também é punível. Portanto, se você não morreu porque conseguiu se esquivar a tempo, temos uma tentativa de homicídio.
A pena é maior se a conduta tiver sido ocasionada por motivo torpe, ou seja, moralmente reprovável. Também é maior se o motivo for fútil, como a pressa para chegar mais cedo ao destino (correr o risco de matar alguém por isso, convenhamos, é extremamente fútil).
Lesão corporal
Código Penal. Art. 129. “Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem: Pena – detenção, de três meses a um ano.”
Se o cidadão o derrubou intencionalmente, temos um claro crime de lesão corporal. A pena aumenta conforme as consequências do dano, como, por exemplo, incapacidade para o trabalho ou perigo de vida.
O crime admite a tentativa, como no caso de você conseguir escapar da lesão. Também admite a forma culposa, portanto o agressor também será punido no caso em que a lesão tenha ocorrido por imprudência, imperícia ou negligência.
Perigo para a vida ou saúde de outrem
Código Penal. Art. 132. “Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente: Pena – detenção, de três meses a um ano, se o fato não constitui crime mais grave.”
Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente é crime. As famosas “finas” colocam a vida do outro em risco, assim como a maioria das infrações de trânsito. Não se configurando crime mais grave, como homicídio ou lesão corporal, temos um caso de aplicação do art. 132 do Código Penal.
Injúria
Código Penal. Art. 140. “Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro: Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.”
Não satisfeitos em quase nos matar, há aqueles que aproveitam estar em um veículo mais veloz (muitos não percebem que nós vamos encontrá-los no próximo sinal vermelho, mas enfim…) para, através de insultos, jogar em nós todo o estresse que o carro acumula neles. Além de ser infantil, tal atitude consiste no crime de injúria, prevista no art. 140 do Código Penal. A pena é maior caso a injúria é cometida através de violência, somando-se à pena prevista para a violência em si.
Ato osbceno
Código Penal. Art. 233. “Praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou exposto ao público: Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa.”
Ato obsceno é aquele que fere a moralidade pública. Sim, isso é muito subjetivo. Aquele dedo do meio levantado e outros gestos que se referem a atos sexuais podem se configurar aí, dependendo do entendimento do juiz.
Ameaça
Código Penal. Art. 147. “Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave: Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.”
A ameaça pode se constituir por palavra, como quando o motorista diz ao ciclista: “se você passar na minha frente, eu passo o carro por cima”. Também pode se constituir por gesto. Aqueles momentos em que o motorista joga o carro para cima do ciclista para assustá-lo, além de colocar em risco a vida de um inocente, também consistem em uma ameaça, pois deixa clara a mensagem de que, se você não obedecer o motorista, ele pode muito bem atropelá-lo.
Dano
Código Penal. Art. 163. “Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia: Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.”
Se danificarem sua bicicleta propositadamente, temos o crime de dano. Geralmente, o intuito dos motoristas agressores é de nos ferir, mas fica aí o crime para caso aconteça de alguém, com raiva, esperar você sair da bicicleta para poder danificá-la.
Exercício arbitrário das próprias razões
Código Penal. Art. 345. “Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite: Pena – detenção, de quinze dias a um mês, ou multa, além da pena correspondente à violência.”
Muitos motoristas decidem nos punir por considerar que estamos errados. Muitas vezes, são eles que estão errados, por considerarem que a bicicleta deve dar espaço para o carro passar na mesma faixa, ou que a bicicleta deve andar na calçada, chegando alguns a alegar que lugar de bicicleta é na praça (eu bem que gostaria que houvesse uma enorme praça em todo o espaço entre minha residência e meu local de trabalho). Mesmo quando eles estão certos, porém, a ninguém é permitido fazer justiça pelas próprias mãos, sob pena de se enquadrar no art. 345 do Código Penal.
(Leia também: Em 2014, a cidade continuará regredindo)
Trafegar em velocidade incompatível com a segurança
Códito de Trânsito Brasileiro. Art. 311. Trafegar em velocidade incompatível com a segurança nas proximidades de escolas, hospitais, estações de embarque e desembarque de passageiros, logradouros estreitos, ou onde haja grande movimentação ou concentração de pessoas, gerando perigo de dano: Penas – detenção, de seis meses a um ano, ou multa.
Este é um dos poucos crimes previstos no Código de Trânsito. Independentemente da velocidade máxima permitida nas vias, é obrigação do motorista reduzir a velocidade quando se encontrar alguma das circunstâncias previstas no art. 311 do CTB. Naturalmente, podemos encontrar “grande movimentação ou concentração de pessoas” no caso da massa crítica ou dos passeios noturnos. Se o motorista não frear para garantir a nossa segurança, ainda que não ocasione nenhum acidente, estará cometendo o crime acima.
Celso Sakuraba, Advogado. (85) 9181-3887
Esta postagem integra a seção “Decisões Judiciais” da Biblioteca da UCB.