48 – Descaracterizada a Receptação
Comarca de Osório (Vara Integrada Terra de Areia)
19-06-2013
Genacéia da Silva Alberton
PODER JUDICIÁRIO
———- RS ———-
ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
GSA
Nº 70049453129
2012/Crime
APELAÇÃO CRIME.
RECEPTAÇÃO DOLOSA.
princípio da insIgnifiCaNCia. ABSOLVIÇÃO.
O valor da bicicleta receptada, avaliada em R$ 200,00, a restituição do bem à vítima e a pouca repercussão social do delito, frente à consequência para a vida do acusado da condenação, conduzem à convicção que deve ser acolhida a insignificância como suporte à absolvição do réu, com base no art. 386, inciso III, do Código de Processo Penal. Sentença de absolvição mantida.
APELO MINISTERIAL IMPROVIDO, POR MAIORIA.
Apelação Crime | Quinta Câmara Criminal |
Nº 70049453129 | Comarca de Osório (Vara Integrada Terra de Areia) |
MINISTÉRIO PÚBLICO | APELANTE |
SIDEMAR RODRIGUES FRANCA | APELADO |
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores integrantes da Quinta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado, por maioria, em negar provimento ao recurso ministerial, vencido o Desembargador Ivan Leomar Bruxel que dava provimento ao recurso.
Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, além da signatária, os eminentes Senhores Des. Ivan Leomar Bruxel (Presidente) e Des. Francesco Conti.
Porto Alegre, 19 de junho de 2013.
DES.ª GENACÉIA DA SILVA ALBERTON,
Relatora.
RELATÓRIO
Des.ª Genacéia da Silva Alberton (RELATORA)
O MINISTÉRIO PÚBLICO ofereceu denúncia contra SIDEMAR RODRIGUES FRANCA e RAFAEL DA ROSA, qualificados na inicial acusatória, pela prática do seguinte fato delituoso:
“No dia 10 de março de 2.007, na Rua Osmani Veras, n.º 1.070, Centro, em Terra de Areia/RS, os denunciados SIDEMAR RODRIGUES FRANÇA e RAFAEL DA ROSA, em comunhão de esforços e acordo de vontades, transportaram, em proveito próprio, 01 (uma) bicicleta, marca Beach, aro 26, conforme Auto de Apreensão (fl. 05), sabendo ser produto de crime, pois subtraída da residência das vítimas Fernanda da Silva e Gelson da Silva Ramos.
Na ocasião os denunciados procuraram José Gustavo Mauer Rosner, proprietário do estabelecimento comercial “Zé das Bicicletas”, para que fosse alterada a cor da bicicleta.
A bicicleta encontrada pela Brigada Militar (fl. 15), avaliada e restituída à vitima (fl. 19 a 21).
Assim agindo, SIDEMAR RODRIGUES FRANÇA e RAFAEL DA ROSA, incorreram nas sanções do artigo 180, “Caput” do Código Penal.
A denúncia foi recebida em 06 de abril de 2.009 (fl. 58).
O réu Sidemar foi citado em 22 de outubro de 2.009 (fl. 75-verso). Ofereceu resposta à acusação às fls. 77/81.
O réu Rafael da Rosa foi citado por edital (fls. 102 e 132). Não se manifestou nem apresentou resposta à acusação, sendo, diante de sua não localização, cindido o feito em relação a ele (fl. 108).
Na instrução, foram ouvidas duas vítimas (fls. 157/159) e duas testemunhas arroladas pela acusação (fls. 128/131). Após, o réu foi interrogado (fls. 173-verso/176).
Foram certificados os antecedentes do réu (fls. 178/181).
Em memoriais (fls. 187/191), o Ministério Público requereu a condenação de Sidemar Rodrigues França nas sanções do artigo 180, caput, do Código Penal.
A defesa, em memoriais (fls. 192/197), postulou a absolvição do réu com o reconhecimento da atipicidade da conduta em razão do valor da res, por ausência de dolo na conduta do réu e por insuficiência de provas aptas a ensejar o juízo condenatório.
Sobreveio sentença (fls. 198/200) que julgou improcedente a denúncia para absolver o réu SIDEMAR RODRIGUES FRANÇA da imputação delitiva, com fundamento no artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal.
Inconformado com a sentença apelou o Ministério Público.
Em razões de recurso (fls. 205/219), postulou o órgão ministerial a condenação do réu, nos termos da denúncia, eis que a conduta é típica e estão devidamente comprovadas a autoria e materialidade do delito.
Com contrarrazões (fls. 221/225), subiram os autos a esta Corte, sendo distribuídos a esta Relatora.
Neste grau, opinou o Procurador de Justiça, Dr. José Pedro M. Keunecke (fls. 229/232), pelo provimento do apelo ministerial.
É o relatório.
VOTOS
Des.ª Genacéia da Silva Alberton (RELATORA)
Em que pesem as alegações ministeriais, mantenho a sentença apelada.
Aplicável à espécie o princípio da insignificância.
A ausência de previsão legal acerca do crime bagatelar quando presente a insignificância motiva a dificuldade na sua aplicação, o que impõe o estabelecimento de alguns critérios que possam nortear o seu reconhecimento.
Historicamente, a origem do delineamento do princípio da insignificância remonta ao século XIX. Von Liszt na época criticava a legislação que usava de forma excessiva a pena1. Pugnava, então, sanções diferenciadas para crimes e contravenções. É possível também afirmar que o princípio da insignificância esteve presente com o princípio da legalidade durante o período do Iluminismo como forma de limitação do poder absolutista do Estado. Dispunha a Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, no art. 5º, que a lei não proíbe senão as ações nocivas à sociedade, sendo possível se inferir o caráter seletivo do Direito Penal com desprezo às ações insignificantes2.
Mas foi com a Segunda Guerra Mundial que se percebeu, em razão da devastação da guerra, a ocorrência do número excessivo de delitos patrimoniais de pequena monta, fazendo ressurgir a criminalidade de bagatela.
Sua base era econômica, vindo o princípio da insignificância a servir para a interpretação restritiva do tipo penal. Mesmo assim, apenas em 1964, foi cunhado, doutrinariamente, o princípio da insignificância por Claus Roxin3.
Alguns aspectos têm sido considerados como relevantes para o reconhecimento da insignificância tais como: a) escassa reprovabilidade; b) ofensa a bem jurídico de menor relevância; c) habitualidade; d) maior incidência nos crimes contra o patrimônio; e) dispensabilidade de aplicação da pena do ponto de vista da prevenção geral e a inconveniência do ponto de vista da prevenção especial4.
Atente-se que o princípio da insignificância apresenta distinção da mera irrelevância penal do fato. Bem coloca Flávio Gomes: “A diferença fundamental entre os dois princípios é a seguinte: uma linha jurisprudencial (a mais tradicional) reconhece o princípio da insignificância levando em conta (unicamente) o desvalor do resultado, é dizer (para a atipicidade) que o nível de lesão (ao bem jurídico) ou do perigo concreto verificado seja ínfimo. Cuidando, ao contrário, de ataque intolerável, o fato é típico (e punível).
Uma outra linha jurisprudencial (cada vez mais evidente) para o reconhecimento da infração bagatelar não se contenta só com o desvalor do resultado e acentua a imprescindibilidade de outras exigências: o fato é penalmente irrelevante quando insignificantes (cumulativamente) são não só o desvalor do resultado, senão também o desvalor da ação, bem como o desvalor da culpabilidade do agente (isto é, quando todas as circunstâncias judiciais – culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade, motivos do crime, consequências, circunstâncias, etc. – são favoráveis). … O princípio da Insignificância é causa de exclusão da tipicidade do fato; princípio da irrelevância penal do fato é causa de dispensa da pena (em razão da sua desnecessidade no caso concreto)”5.
Exatamente, pela falta de lesividade, o reconhecimento da insignificância ocorre com maior frequência nos crimes tentados, quando, aliando ao pouco valor do bem pretendido, se alia a circunstância de não ter havido prejuízo à vítima porque o crime não se consumou:
Nesse sentido:
“APELAÇÃO-CRIME. FURTO TENTADO. INSIGNIFICÂNCIA. OCORRÊNCIA. BEM SUBTRAÍDO DE ÍNFIMO VALOR ALIADO AO DESVALOR DA CONDUTA. O princípio da insignificância, idealizado por Claus Roxin, preconiza que a tipicidade penal demanda uma ofensa grave aos bens jurídicos tutelados, sob pena de não caracterização do injusto típico. Na hipótese, como a ‘res furtivae’ foi avaliada em R$ 19,90, ficou dentro do patamar sob o qual pode incidir o princípio da insignificância que, consoante se observa da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, aplica-se à lesão patrimonial inferior a 10% do salário mínimo. Ademais, também se encontra presente o desvalor da conduta, pois se trata de tentativa de furto simples e o acusado não possui outros envolvimentos na seara criminal. Apelo desprovidO” (Apelação Crime Nº 70011942893, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Antônio Ribeiro de Oliveira, Julgado em 18/04/2007).
“Furto tentado. Crime impossível: não configurado quando o meio de execução do crime, próprio a lesionar o bem jurídico protegido, apenas não teve prosseguimento em razão da pronta intervenção policial. Atipicidade da conduta: lesão de cerca de 10,96% do mísero salário-mínimo nacional não justifica a movimentação de uma máquina cara, cansativa, abarrotada e cruel, como o Judiciário. Desatendido o princípio da ofensividade, resta afastada a tipicidade da conduta delitiva. Lições de Eugênio Raul Zaffaroni e Luiz Flávio Gomes. Apelo ministerial improvido. Unânime” (Apelação Crime Nº 70029043668, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Amilton Bueno de Carvalho, Julgado em 29/04/2009).
“CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO. Tentativa de furto de 07 camisetas e 03 pares de meia, bens avaliados conjuntamente em R$ 85,00. Ausência de potencialidade ofensiva à ordem social ou econômica. Fato penalmente irrelevante. Aplicação do princípio da insignificância. Decisão que rejeitou a denúncia confirmada. Apelo ministerial desprovido. Unânime” (Apelação Crime Nº 70029834348, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luís Gonzaga da Silva Moura, Julgado em 27/05/2009).
“TENTATIVA DE FURTO DE CHOCOLATES, DEVOLVIDOS À VÍTIMA. DENÚNCIA REJEITADA. CRIME DE BAGATELA. PRINCÍPIO DA OFENSIVIDADE. RECONHECIMENTO. No caso concreto, o valor dos objetos subtraídos, a restituição destes à vítima, bem como as condições desta, um estabelecimento comercial, indicam a ocorrência da insignificância, de tal maneira a afastar a necessidade da intervenção penal do Estado, pois a infração penal não é mera violação da norma, mas há de ser concebida numa perspectiva de resultado e de relevância à ofensa ao bem jurídico protegido. APELO MINISTERIAL DESPROVIDO. PRELIMINAR PREJUDICADA” (Apelação Crime Nº 70029939410, Sexta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nereu José Giacomolli, Julgado em 28/05/2009).
Note-se que para o Superior Tribunal de Justiça, a insignificância não está relacionada à ausência de prejuízo ou de lesão, mas à relação da conduta com a circunstância em que a mesma ocorreu.
Nesse sentido:
“HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. USO DE VERBA DE CONSELHO TUTELAR PARA RESSARCIR GASTOS COM VEÍCULO PARTICULAR. DEVOLUÇÃO DA QUANTIA. PEDIDO DE EXONERAÇÃO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.POSSIBILIDADE. ORDEM CONCEDIDA.
1. Incide o princípio da insignificância, por se verificar mínima a ofensividade da conduta, na hipótese em que a Paciente, para se ressarcir de gastos anteriormente feitos no exercício de suas atribuições como Conselheira Tutelar, utilizou crédito do Município para abastecer seu veículo particular com 30 litros de gasolina (R$ 67,47), tendo, antes do oferecimento da denúncia, restituído a quantia aos cofres municipais e pedido exoneração do cargo.
2. Ordem concedida para, anulando a sentença e o acórdão condenatórios, afastar a tipicidade da conduta e absolver a Paciente”(HC 59830/RS, Ministra LAURITA VAZ, 5ª TURMA, STJ, data do julgamento 10/06/2008, data da publicação DJE 04/08/2008).
“PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TENTATIVA DE FURTO. 1. EXCESSO DE PRAZO E FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO PARA A PRISÃO PREVENTIVA. PACIENTE EM LIBERDADE. PEDIDOS PREJUDICADOS. 2. VALOR ÍNFIMODA COISA FURTADA. OBJETO DE COBRE AVALIADO EM SESSENTA REAIS. VÍTIMA USINA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA.AUSÊNCIA DE LESÃO SIGNIFICATIVA AO BEM JURÍDICO TUTELADO. ATIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA. 3. ORDEM CONCEDIDA.
1. Com a notícia de que o paciente encontra-se atualmente em liberdade, fica automaticamente prejudicado o pedido relativo à soltura do paciente, seja em razão do excesso de prazo para a formação da culpa, seja em razão da alegada falta de fundamentação válida para a manutenção da custódia cautelar.
2. É de se reconhecer a atipicidade material da conduta de tentativa de furto de bem de valor ínfimo de usina (objeto de cobre avaliado em sessenta reais), pelo princípio da insignificância, já que não houve lesão significativa do bem jurídico.
3. Ordem concedida para trancar a ação penal por falta de justa Causa” (HC 5847/PE, Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, 6ª TURMA, STJ, data do julgamento 23/04/2009, data da publicação DJE 18/05/2009).
“RECURSO ESPECIAL. PENAL. FURTO SIMPLES. SUBTRAÇÃO DE UMA CORRENTE DE PRATA. CRIME DE BAGATELA. CONDIÇÕES PESSOAIS DESFAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA. APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. IRRESIGNAÇÃO MINISTERIAL IMPROVIDA.
1. Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o princípio da insignificância tem como vetores a mínima ofensividade da conduta do agente, a nenhuma periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada.
2. Hipótese de furto de uma corrente de prata, avaliada infimamente, a qual foi imediatamente restituída à vítima.
3. O fato de existirem circunstâncias de caráter pessoal desfavoráveis, tais como a existência de antecedentes criminais ou reincidência, não são óbices, por si sós, ao reconhecimento do princípio da insignificância.
4. Recurso especial improvido” (RESP 1084540/RS, 5ª TURMA, STJ, Ministro Jorge Mussi, data do julgamento 07/05/2009, data da publicação DJe 1/06/2009).
No caso de descaminho (art. 334 do CPB), observa-se que com o advento da Lei 11.033/04, que alterou o valor mínimo exigido para a propositura da ação fiscal para R$ 10.000,00, o STJ passou a considerar penalmente irrelevantes os tributos sonegados inferiores a R$ 10.000,00. Nesse sentido: (HC 110404/PR, 5ª TURMA, STJ, DATA DO JULGAMENTO 07/10/2008; HC 116293/TO, 5ª TURMA, STJ, DATA DO JULGAMENTO 18/12/2008 e AGRAVO REGIMENTAL NO RESP 1068522/PR, 6ª TURMA, STJ, DATA DO JULGAMENTO 03/03/2009).
Portanto, o valor do prejuízo para conduzir ou não ao reconhecimento da insignificância vai depender da natureza do delito e da repercussão da conduta para o lesado. Assim, os valores que na ótica do Estado são irrisórios porque não poderiam ensejar sequer um lançamento tributário, em se tratando de particular, são relevantes.
Por isso é preciso cuidado em agregar elementos objetivos capazes de conduzir ou afastar o reconhecimento da insignificância, v.g.:
“APELAÇÃO-CRIME. FURTO QUALIFICADO PELO ROMPIMENTO DE OBSTÁCULO. CONDENAÇÃO IMPOSITIVA. A existência do fato restou demonstrada pelos autos de restituição (fl. 22) e avaliação (fl. 78), assim como pela prova oral colhida. A autoria emergiu especialmente da confissão extrajudicial do condenado, corroborada pela prova testemunhal. Condenação que se impõe. ROUBO. ÉDITO CONDENATÓRIO. MANUTENÇÃO. A materialidade ficou comprovada pelos autos de restituição (fl. 21) e avaliação (fl. 78), bem como pela prova oral colhida. A autoria, por sua vez, delineou-se pela prova oral carreada aos autos, peculiarmente, pela palavra da vítima, que goza de particular valor em delitos desta espécie. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. A atipicidade material não pode ser aferida apenas por critérios de ordem econômica, devendo ser levados em consideração, ao lado do desvalor do resultado, também o desvalor da ação e a reprovabilidade da conduta imputada […..]”(Apelação Crime Nº 70015051667, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Antônio Ribeiro de Oliveira, Julgado em 21/12/2006).
“APELAÇÃO-CRIME. FURTO QUALIFICADO. ABUSO DE CONFIANÇA. CHEQUE. AUTORIA. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. INOCORRÊNCIA. ABSOLVIÇÃO. INVIABILIDADE. Restando a confissão da apelante confortada pelo depoimento da vítima e amparada pelos demais elementos colhidos durante a fase investigativa e judicial, a prova da autoria do delito pela acusada é conclusiva, sendo a manutenção da condenação impositiva. ATIPICIDADE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. A aplicação do princípio da insignificância somente deve ocorrer em casos especiais. Não é exclusivamente pelo valor dos bens subtraídos que se afere ser o delito de bagatela. No caso, em se tratando de furto qualificado com abuso de confiança, tendo sido subtraído o cheque da vítima para quem a ré trabalhava, inviável excluir-se a tipicidade, pois o desvalor desta conduta possui aptidão a ensejar a reprimenda estatal. Ademais, a importância de trezentos reais, à época em que o salário-mínimo era de duzentos e sessenta reais não se afigura pequeno, a ponto de desmerecer a atenção do Estado [….]” (Apelação Crime Nº 70021584743, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Roque Miguel Fank, Julgado em 14/11/2007).
“FURTO. FATO DE BAGATELA OU AÇÃO INSIGNIFICANTE. CONCEITO. O que distingue uma ação considerada de bagatela ou insignificante, de outra penalmente relevante e que merece a persecução criminal, é a soma de três fatores: o valor irrisório da coisa, ou coisas, atingidas; a irrelevância da ação do agente; a ausência de ambição de sua parte em atacar algo mais valioso ou que aparenta ser. Só com a somatória destas condições pode-se dizer que o ato se reveste de ínfima gravidade, não justificando a necessidade de invocar proteção penal. Na hipótese em julgamento, existiu fato de bagatela, porque o valor do dinheiro subtraído foi irrisório, R$ 8,00, a ação foi de parca relevância, pois adentrou no veículo que estava com a porta, e a ambição idem, uma vez que, abrindo a bolsa da vítima escolheu apenas o dinheiro para furtar. Por último, a presença de maus antecedentes, na visão do Superior Tribunal de Justiça, não impediria a concessão do benefício, como se vê do exemplo: As circunstâncias de caráter pessoal, tais como reincidência e maus antecedentes, não devem impedir a aplicação do princípio da insignificância, pois este está diretamente ligado ao bem jurídico tutelado, que na espécie, devido ao seu pequeno valor econômico, está excluído do campo de incidência do direito penal. DECISÃO: Apelo defensivo provido, por maioria de votos” (Apelação Crime Nº 70023288830, Sétima Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sylvio Baptista Neto, Julgado em 03/04/2008).
“APELAÇÃO CRIME. ART. 155, § 4º, IV, DO CP. FURTO QUALIFICADO. CONCURSO DE PESSOAS. EXISTÊNCIA DO FATO E AUTORIA. As provas nos autos apontam os réus como autores do delito. Não há dúvidas que os réus, em conjunto, subtraíram objetos da farmácia Capilé, sendo que minutos depois foram detidos saindo da farmácia Americana, portando outras mercadorias escondidas em suas roupas. Assim, imperativa a condenação. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA (OU BAGATELA). NÃO INCIDÊNCIA. Não pode ser aplicado se ofensivo à ordem social ou econômica. Veja-se que o crime foi praticado em concurso de agentes e o valor total da ‘res furtiva’ é de R$ 230,00 …. ” (Apelação Crime Nº 70025087537, Terceira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ivan Leomar Bruxel, Julgado em 18/06/2009).
A lesividade social da conduta, a irrelevância do resultado, assim como a proporção do agir em relação à pena imposta não podem ser vistos isoladamente, mas no contexto do Estado.
No Estado Democrático de Direito, observados os princípios constitucionais, entre eles o da proporcionalidade da sanção penal, o princípio da humanidade e da dignidade da pessoa humana, afirma-se a posição do Estado como ente que ‘não apenas pune, mas pune de forma justa”6. Por isso, é possível não punir quando a pena se apresentar desproporcional ao atuar do agente. Portanto, o fato pode ser atípico porque não preenche os requisitos formais ou porque não causou resultado jurídico relevante e só considera-se a relevância na proporcionalidade entre o agir e a pena a ser imposta. Afasta-se, pois a tipicidade da conduta pela aplicação do princípio da insignificância não apenas pelo valor patrimonial atingido, mas pela conjunção de circunstâncias objetivas ou seja, desvalor social da conduta praticada, o desvalor do resultado e a desproporção entre o fato e a pena aplicável.
Logo, quando tratamos de insignificância será fundamental o questionamento acerca do valor do bem jurídico tutelado, a lesão resultante da conduta (princípio da ofensividade) na perspectiva da vítima, assim como a proporcionalidade entre o agir punível e a pena a ser imposta, aspectos que não podem ser vistos isoladamente, mas examinados à luz das circunstâncias do caso sob análise.
No caso, foi receptada uma bicicleta, avaliada em R$ 200,00, conforme evidencia o auto da fl. 25.
A bicicleta foi restituída à vítima, conforme demonstra o auto de restituição (fl. 23), que não suportou qualquer prejuízo.
É certo que o réu possui condenações e processos em curso por delitos contra o patrimônio, conforme se verifica da certidão de antecedentes das fls. 178/181. Porém, não obsta a aplicação do princípio da insignificância o fato de o réu possuir antecedentes.
Nesse sentido, v.g.:
“FURTO QUALIFICADO. ROMPIMENTO DE OBSTÁCULO E CONCURSO DE AGENTES. SUBTRAÇÃO DE 2 (DOIS) METROS DE FIO DE COBRE AVALIADOS EM R$ 6,00 (SEIS REAIS). PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. ABSOLVIÇÃO. APLICABILIDADE. IRRELEVÂNCIA DA CONDUTA CRIMINOSA. CONDIÇÕES PESSOAIS DESFAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA. COAÇÃO ILEGAL EVIDENCIADA. HABEAS CORPUS CONCEDIDO.
1. Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o princípio da insignificância tem como vetores a mínima ofensividade da conduta do agente, a nenhuma periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada.
2. Hipótese de furto com rompimento de obstáculo e em concurso de agentes de dois metros de fio de cobre, avaliados em R$ 6,00 (seis reais), que não ensejou prejuízo algum à vítima, seja com a conduta dos recorridos, seja com a consequência dela, mostrando-se desproporcional a aplicação da sanção penal no caso, pois o resultado jurídico, ou seja, a lesão produzida, mostra-se absolutamente irrelevante.
3. O fato de o crime ser qualificado ou mesmo a existência de circunstâncias de caráter pessoal desfavoráveis, tais como o registro de antecedentes criminais ou reincidência, não são óbices, por si sós, ao reconhecimento do princípio da insignificância.
3. Ordem concedida para, aplicando-se o princípio da insignificância, absolver os pacientes com fulcro no artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal” (Habeas Corpus nº 106.176/SP, STJ, 5ª Turma, Relator Ministro Jorge Mussi, j. em 03.03.2.009).
Não há que se incentivar a prática delitiva, porém, no caso, o valor do bem receptado – uma bicicleta avaliada em R$ 200,00 -, a restituição do bem à vítima e a pouca repercussão social do delito, frente à consequência para a vida do acusado da condenação, conduzem à convicção que deve ser acolhida a insignificância como suporte à absolvição do réu, com base no art. 386, inciso III, do Código de Processo Penal.
Voto, por isso, no sentido de negar provimento ao recurso ministerial, mantendo a sentença, nos seus termos.
Des. Francesco Conti (REVISOR) – De acordo com o(a) Relator(a).
Des. Ivan Leomar Bruxel (PRESIDENTE)
Voto por dar provimento ao apelo do Ministério Público.
DES. IVAN LEOMAR BRUXEL – Presidente – Apelação Crime nº 70049453129, Comarca de Osório (Vara Integrada Terra de Areia): “Por maioria, negaram provimento ao recurso ministerial, mantendo a sentença, nos seus termos, vencido o Desembargador Ivan Leomar Bruxel que dava provimento ao recurso.”
Julgador(a) de 1º Grau: UDA ROBERTA DOEDERLEIN SCHWARTZ
1 GOMES, Luiz Flávio. Delito de bagatela: princípio da insignificância e da irrelevância penal do fato. Revista dos Tribunais, São Paulo: RT, n.789.
2 PRESTES, Cássio. O princípio da insignificância como causa excludente da tipicidade no direito penal. São Paulo:Memória Jurídica, 2003, p.36
3 O termo apareceu na obra Política Criminal e Sistema do Direito Penal. A expressão princípio de bagatela, por sua vez, segundo a doutrina, foi elaborado por Klaus Tiedmann.
4 GOMES, Luiz Flávio. Tendências político-criminais quanto à criminalidade de bagatela. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo.
5 Gomes, Flávio. Delito de bagatela: princípio da insignificância e da irrelevância penal do fato. Revista dos Tribunais, São Paulo, p. 339-340. Em sentido contrário, entendendo que para o reconhecimento da insignificância não se devem levar em consideração elementos subjetivos pertencentes à culpabilidade do agente, especificamente a primariedade, escreve Vinicius Toledo Piza Peluso: “…determinando que o fato ‘penalmente irrelevante’ (atípico), pouco importa, para o deslinde da questão, a personalidade do réu, inclusive porque, no momento da tipicidade, o Direito Penal é um direito do fato e não do autor, sendo assim, indevida qualquer análise da personalidade do acusado,” a objetividade do princípio da insignificância. In: Cadernos Jurídicos da Escola Paulista da Magistratura. São Paulo, V. 2, mai/jun. 2001, p. 156/157
6 Sobre o tema do princípio da insignificância na relação des-valor da conduta e a busca do justo v. ALBERTON, Cláudia Marlise da Silva. Justa causa-elemento necessário à proposição da ação penal. Estudos Jurídicos. V. 34, 2001, p. 151-178.