Mobilizando pelo Plano de Mobilidade
Em 13 de abril de 2012 entrou em vigor a Política Nacional da Mobilidade Urbana (Lei nº 12.587/12). Para os ciclistas, este documento é de tal importância que sua aplicação local deveria ser colocada no topo da agenda de suas organizações.
É de dupla importância. Primeiramente porque ela foi o resultado de muitos anos de atuação da sociedade civil organizada, destacando-se os movimentos pela Reforma Urbana, o que serve para demonstrar que intervenções qualificadas e persistentes produzem resultado. Bem, não precisaria ser assim, com tanto trabalho e perda de tempo, mas ainda funciona assim em todo o mundo. Sem luta, nem adianta reclamar. Os direitos sempre foram conquistas, nunca foram concedidos espontaneamente.
Esta Lei demonstra, então, para o cicloativismo, que seus anseios são possíveis de ser contemplados através da intervenção legislativa. Assim ocorreu em Santa Catarina com a Lei Promulgada 15.168/2010 (que “Dispõe sobre a infraestrutura e equipamentos de segurança e acessibilidade para as formas de mobilidade não motorizadas”), proposta por ciclistas e apresentada em duas legislaturas, com lobby e corpo-a-corpo, tendo sido vetada pelo governador e recuperada pela Assembleia Legislativa antes de ser, finalmente, promulgada.
E, não menos importante, porque a Política Nacional da Mobilidade Urbana aperfeiçoa, complementa e especifica o Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001), que já apontava elementos em favor da democratização da mobilidade urbana.
Se antes um “plano de transporte urbano integrado” era obrigatório apenas para cidades com mais de quinhentos mil habitantes, agora torna-se obrigatório para cidades a partir de vinte mil habitantes! Os ciclistas e demais interessados moradores de pequenas e médias cidades têm agora um instrumento que não tiveram outrora os moradores das cidades que agora são grandes. Com isso, as pequenas e médias cidades brasileiras podem planejar a vida urbana sem incorrer nos mesmos erros das cidades onde o caos já está instalado.
No que nos toca, a principal diretriz da Política é estabelecer a “prioridade dos modos de transportes não motorizados sobre os motorizados e dos serviços de transporte público coletivo sobre o transporte individual motorizado”. Desta forma, o mesmo princípio que deve prevalecer no comportamento humano no dia-a-dia do trânsito, regulado pelo Código de Trânsito Brasileiro (“os veículos de maior porte serão sempre responsáveis pela segurança dos menores, os motorizados pelos não motorizados e, juntos, pela incolumidade dos pedestres”), é o que deve orientar as políticas públicas, os investimentos e a infraestrutura para as pessoas se moverem na cidade.
Atrelada a essa diretriz, está a exigência de que todos os municípios arrolados elaborem seus Planos de Mobilidade até o dia 13 de abril de 2015, sob a pena de não poderem mais receber recursos orçamentários federais destinados à mobilidade urbana.
O primeiro passo, portanto, é informar a prefeitura sobre isso, caso ela não saiba ou se faça de desentendida. Copiar essa informação para a imprensa, em estilo jornalístico, ajudará a criar o ambiente de esclarecimento. Se o município não se mexer, então o Ministério Público deverá ser informado e, a partir daí, é necessário monitorar os projetos locais de requisição de verbas federais. Toda vez que um projeto for apresentado, a fonte financiadora deverá ser informada de que a prefeitura não atendeu a Lei em questão – o município não receberá os recursos, mas como eles seriam destinados quase que fatalmente a algum mimo rodoviarista, não restará prejuízo para a cidade que queremos sustentável.
Se o município se mexer, então é preciso cuidar para fazer valer, para os usuários, o principal direito listado na Lei: “participar do planejamento, da fiscalização e da avaliação da política local de mobilidade urbana” e, exercendo esse direito, não deixar que ocorram desvirtuamentos no processo de elaboração do plano.
Um Plano de Mobilidade Urbana não é apenas um desenho da expansão viária da cidade feito pelo engenheiro da prefeitura. Integração entre as modalidades de transporte, política tarifária do transporte público, participação social em conselhos de mobilidade, diminuição da poluição, capacitação social e do quadro técnico e criação de mecanismos de avaliação e de monitoramento da eficiência do sistema, tudo isso com identificação clara e transparente dos objetivos de curto, médio e longo prazos: é disto, no mínimo, que tem que tratar a peça. É isso que tem que ser feito, se a intenção for mesmo de melhorar a qualidade de vida e de construir a equidade para os vivem em uma cidade.
Estou ouvindo que “ah, mas isso é muito complicado e trabalhoso!”? Mas o caminho fácil é o de deixar por conta da tradição política brasileira: o espaço público a serviço do interesse privado. Não adianta uma parte da sociedade se desgastar para criar direitos de participação se eles não forem usufruídos. Para todos moverem-se na cidade sem privilégios nem riscos, o Plano de Mobilidade tem que ser feito com a mobilização da sociedade.
Para saber mais sobre como elaborar o Plano de Mobilidade Urbana e como mobilizar sua prefeitura:
– Campanha “Cadê o Plano de Mobilidade Urbana?”, do Greenpeace: www.greenpeace.com.br/cade
– “Programa Nacional de Capacitação das Cidades”, do Ministério das Cidades: www.capacidades.gov.br
Texto: André Geraldo Soares
Originalmente publicado na Revista Bicicleta, Ano 4, nº 42, p. 38, Jul/2014