Impostos e outras imposturas contra a bicicleta
O argumento comum de que não compensa investir no ciclismo porque ele é uma modalidade pouco usual esconde, no fundo, uma má vontade. A verdade é que o ciclismo só não se expande porque está retido cultural, político e economicamente.
Do ponto de vista econômico, o aumento do uso da bicicleta representa vantagem para a sociedade, já que provoca a diminuição dos gastos com infraestrutura, com acidentes de trânsito e com o tratamento de doenças causadas pelo sedentarismo e pela poluição.
Entretanto, são também econômicos muitos argumentos que impedem que a bicicleta possa oferecer todo o seu potencial.
Motoristas afirmam que a bicicleta atrapalha o trânsito, deixando-o mais lento e, portanto, aumentando os seus custos de permanência no trânsito. E eles sentem isso não somente quando a bicicleta é obrigada a trafegar no leito da avenida, mas também quando as ciclovias ou ciclofaixas, no seu tramo com o sistema viário, obriga a instalação de faixas de travessia, semáforos ou redutores de velocidade.
E os cofres públicos também se valem da economia para frear a expansão da bicicleta. União, estados e municípios interpretam que instalar vias ciclísticas exclusivas na rede viária representa custos adicionais excessivos e, quando decidem instalá-la, o fazem sempre visando o menor gasto, o que significa fraca qualidade técnica, menor segurança e baixa atratividade.
E os cofres públicos também reprimem o uso da bicicleta antes dela rodar, ou seja, na sua chegada ao mercado. Trata-se da sua altíssima carga tributária, que, no total, chega a atingir 72% do custo (35 % de II – Imposto de Importação; 1,65 % de PIS – Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público; 8,6 % de Cofins – Contribuição para Financiamento da Seguridade Social; 18 % de ICMS – Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação; 10 % de IPI – Imposto sobre Produtos Industrializados).
Esta fórmula é injusta, principalmente quando comparada com a política fiscal adotada recentemente para outros produtos que também são importantes para a qualidade de vida dos brasileiros, tais como fogões e geladeiras, política esta que beneficiou as famílias brasileiras com uma significativa redução de IPI.
E esta fórmula torna-se cruel quando comparada com a política fiscal adotada recentemente para os veículos automotores, que reduziu o IPI a até 2 %, no caso dos automóveis com motor de 1.000 cm3. Neste caso, o aparente conforto alcançado pela aquisição de tais ferramentas significa elevados efeitos colaterais danosos para a sociedade e para a natureza.
É por entender assim que diversas iniciativas têm proposto políticas de redução de impostos para as bicicletas, concentrando-se, sobretudo, no IPI. No Congresso Nacional, quatro Projetos de Lei propõem a redução de impostos para as bicicletas. Nos relacionamentos eletrônicos, pipocam campanhas favoráveis à redução tributária.
Uma iniciativa recente tem se destacado pela importância política e institucional a favor da desoneração dos veículos a pedal. Trata-se da rede Bicicleta para Todos, congregada, atualmente, por 184 empresas privadas, organizações civis e lideranças políticas ¬– dentre as quais a União de Ciclistas do Brasil e algumas de suas entidades Associadas.
A Rede Bicicleta para Todos, dentre outras ações, mantém um abaixo-assinado requerendo, ao Congresso Nacional, a aprovação de matérias que determinem IPI zero para as bicicletas. A petição, que conta hoje com 94.901 assinantes (105.893 assinantes na data da publicação neste sítio), pode ser acessada e subscrita em www.change.org/pt-BR/petições/ipi-zero-para-bicicletas.
Para os que não veem vantagens na bicicleta e que se insurgem contra a renúncia fiscal, os defensores da redução dos impostos oferecem um estudo, publicado no final de 2013, demonstrando que os 10 % de IPI perdidos resultariam, ainda assim, em um aumento de 1,2 % na arrecadação total – considerando aumento das vendas com a consequente maior arrecadação dos demais impostos ainda incidentes.
Além disso, outros impactos economicamente positivos são fáceis de se identificar: aumento dos empregos em toda a cadeia produtiva, aumento da formalização da produção (a informalidade hoje é estimada em 40 %), incentivo à aquisição de bicicletas de melhor qualidade e aumento da demanda por políticas públicas locais cicloinclusivas. E isto vale para todas as modalidades – transporte, esporte, lazer, turismo etc. – com seus respectivos equipamentos, acessórios e vestimentas.
A redução de impostos é uma medida pontual, mas com alto poder de efeito em cadeia e com grande capacidade de promover a inclusão social – mais de um quarto dos ciclistas estão em famílias com renda mensal de um salário mínimo. Além de tudo, é uma causa capaz de unir, em torno da mesma mesa, tanto os interesses do capital, quanto da sociedade civil e de setores da administração pública – uma oportunidade que não pode ser perdida.
Texto: André Geraldo Soares (Diretor Presidente da UCB)
Artigo originalmente publicado a Revista Bicicleta, Ano 4, nº 39, Abr/2014, p. 40.