Bicicleta dobrável: a qualidade de vida urbana a tiracolo
Se alguém lhe perguntar se existe algo mais perfeito do que uma bicicleta, você pode responder: sim, uma bicicleta dobrável! Dois exageros à parte, as bicicletas dobráveis são um aperfeiçoamento supimpa para uma série de situações em que a bicicleta comum apresenta limitações.
Pra começar, são poucos os lugares confiáveis, nas cidades brasileiras, onde se pode deixar estacionada uma bicicleta. Mesmo quando bem acorrentada a um irremovível poste, não podemos nos sentir seguros deixando a cabrita sozinha por mais do que alguns minutos: podem nos levar o selim, ou mesmo as rodas! O melhor mesmo é ter a bicicleta à vista, principalmente quando por um turno ou um dia inteiro. Ali na garagem do prédio, escondidinha num canto ou até mesmo atrás da mesa de trabalho!
Para aquelas tarefas curtas, bate e volta, como ir ao cabeleireiro, pagar uma conta, visitar um amigo, a bicicletinha é uma mão na roda: ela vai junto até o exato destino final. Quer um exemplo quase extremo?: em um supermercado ela pode até mesmo ser carregada dentro do carrinho de compras!
Outro dilema comum do ciclista urbano, pelo menos das cidades grandes, diz respeito à lonjura. Quando é fora de mão pra ir bicicleta, ou se não tá a fim de pedalar tanto, mas também não topa fazer todo o trajeto de metrô (em grandes cidades), o vivente pode sentir a satisfação da integração modal. Ter esta experiência com os ônibus já não é tão fácil, pois mesmo dobradas as bicicletas (pelo menos as versões mais comuns, de aro de 20 polegadas) são grandes para os corredores dos ônibus e tendem a atrapalhar os demais convivas. Entretanto, em linhas ou horários com baixa lotação, e desde que o motorista permita o acesso antes da roleta, pode-se transportar a bicicleta dobrada sem maiores aborrecimentos.
Essa dificuldade, imposta pelos ônibus, pode ser facilmente resolvida pela caneta da prefeitura ou dos empresários, com a criação de espaços dentro dos ônibus para as bicicletas – reivindicação comum de ciclistas brasileiros, modelando-se em experiências bem sucedidas do exterior.
Outra forma de intermodalidade é, obviamente, aquela que usa o automóvel. Por exemplo, no meio da cotidiana viagem casa-trabalho do motorista, um passageiro pode saltar e retirar a bicicleta do bagageiro do possante, de onde pode continuar o trajeto pelas próprias forças até seu próprio destino – seu trabalho, sua escola… É bom para todos: este conjunto gasta menos combustível, desperdiça menos tempo no trânsito e causa menos congestionamento. E, na volta pra casa, o esquema pode se repetir.
A bicicleta diminuta também é uma grande companheira em viagens intermunicipais. Ela é muito mais fácil de ser transportada em bagageiros de ônibus e aviões. Nenhum guichê vai lhe fazer cara feia, pedir nota fiscal ou cobrar excesso de bagagem. A bicicleta dobrável facilita a vida e dá autonomia de deslocamento em outras cidades fora da nossa “sede”, onde a intermodalidade local também pode ser acionada.
Mas, é claro, para ser transportada em veículos coletivos ¬– e, às vezes, para entrar em prédios ou elevadores –, é defensável que a bicicleta esteja devidamente embalada, para não sujar as bagagens ou pernas alheias e para romper com todas as resistências de porteiros e motoristas.
A bicicleta dobrável também tem outra característica, que seus proprietários vivenciam tanto quando estão pedalando, quanto, principalmente, quando estão em operação de dobra ou de desdobra. Por ser ainda incomum no nosso país, fazer isso em público é quase um show: provavelmente alguém vai parar para olhar e, sem raridade, lhe dirigir algumas expressões de admiração ou perguntas.
A pergunta mais comum dos expectadores é: quanto custa um troço desses? E a resposta nunca agrada. Uma bicicleta dobrável não custa menos de R$ 1.200,00 – é, portanto, um artigo praticamente elitizado. Aqui cairia muito bem a já antiga demanda pela redução da carga tributária. Mas, mesmo assim, deve ser encarada como um investimento com retorno garantido de economia e satisfação.
Seja como única, seja como segunda bicicleta, a dobrável é muito prática. Os modelos com bagageiros e paralamas são ainda mais oportunos. Leve para pedalar, rende bastante na pista. Para ser carregada ela não chega a ser leve (a maioria tem em torno de 12 kg) para determinadas pessoas, principalmente quando a caminhada é mais comprida, mas essa situação não é regra.
Talvez no futuro, quando a sociedade for mais cicloacolhedora – com fartos e bem distribuídos bicicletários adequados ¬–, a bicicleta dobrável não se faça tão necessária. Mas nesta nossa atual configuração urbana ela ajuda um tanto. E, se se tornar mais comum e abundar em elevadores e corredores, será mais um incentivo para que o poder público se mexa mais rapidamente para tornar as cidades espaços cicloinclusivos.
Por fim, mas não menos importante, a bicicleta dobrável também desmonta um monte de desculpas dos carrodependentes: com ela não se pode alegar falta de espaço em casa nem falta de lugar para estacionar. Para estes resistentes, a dobrável funciona como uma cunha: vai abrindo e mantendo espaço no modo de vida e, aos poucos, se tornando hábito.
Texto: André Geraldo Soares
Originalmente publicado na Revista Bicicleta, Ano 5, nº 47, Out/2014, p. 22-23,
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