Canal Aberto Nº 06
Política cicloviária e as posturas controversas de vereadores de São Paulo
Por Rogério Viduedo
Ciclistas no Viaduto do Chá: Cidade gastou R$266 mil para uma pedalada de duas horas (Foto: Rogério Viduedo)
A vereadora Sandra Tadeu (DEM)) dá expediente na Câmara dos Vereadores de São Paulo desde 2008 e conseguiu se eleger graças ao eleitorado que o marido dela, o deputado federal Jorge Tadeu Mudalen, possui em Itaquera, Zona Leste da cidade. Ela, no entanto, é moradora do Paraíso, bairro com alto IDH nos altos do Espigão da Paulista, onde dá gosto de ver a quantidade de estações de bicicletas compartilhadas do Bike Sampa.
Para a vossa excelência, no entanto, elas atrapalham a vida do cidadão de bem, a classe média local. “Ninguém quer uma estação de 12 metros na sua porta”, disse ela, que resolveu protocolar um projeto de lei que bateu de frente com a Tembici, que opera o sistema de bikes compartilhadas Bike Sampa, e os cicloativistas da Capital.
Ela já recuou e tirou esse PL da pauta, já que ele simplesmente inviabilizaria o sistema de aluguel de bicicletas, pois iria proibir a permanência das atuais e a instalação de novas estações defronte a prédios comerciais e residenciais.
Em uma audiência pública realizada na Comissão de Política Urbana da Câmara em novembro, afirmou que não era contra ciclistas. Disse que até queria levar essas estações para a periferia. E se enrolou em outras justificativas.
Vereadora Sandra Tadeu: moradora do Paraíso – (Foto do perfil do Facebook)
Para a doutora, estação de bicicleta compartilhada é que nem feira livre: “todo mundo quer perto mas ninguém quer em frente da sua casa”. Consta dentre as justificativas para o projeto que as estações atrapalham o embarque e desembarque de pessoas com mobilidade reduzida, bem como impedem que carros de entrega do comércio eletrônico consigam desempenhar o trabalho, pois não podem estacionar perto do destinatário.
Estação Bike SP na Rua Monsenhor Passaláqua, Bela Vista – Foto: Rogério Viduedo
Para ativistas, há um interesse velado de vossa excelência, que seria o de afastar rapazes da periferia que buscam os bairros de classe média para trabalhar com os aplicativos de entrega de comida. É comum eles ficarem aguardando pedidos em cima de uma bicicleta de aluguel, marcando lugar até que chegue um chamado no celular. Sandra Tadeu nega, claro, e disse que vai reformular o projeto.
Rolê separado
Já o colega de Sandra na Câmara, o vereador André Santos se elegeu no partido-satélite da Igreja Universal, o Republicanos. Diz que foi incumbido pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB) de tornar a cidade como a capital do ciclismo e protocolou um projeto de resolução na casa criando uma frente parlamentar em defesa da mobilidade cicloviária da bicicleta. Ela vai “trabalhar para estimular o uso da bicicleta como meio de transporte e garantir efetivas condições de segurança aos usuários deste modal em suas relações no trânsito com veículos automotores”.
Ele tem colado nos rolês dos ativistas com o mantra de se tornar o vereador das bicicletas e chegou a conversar com Renata Falzoni (vereadora suplente de Ricardo Trípoli do PV) e Daniel Guth (diretor da Aliança Bike) para pedir conselhos e ajuda. No entanto, apurei que a intenção é fazer um rolê só dele.
Vereador André Santos – Instagram
Com o expediente da emenda parlamentar, ele destinou R$ 266 mil do erário municipal para a desconhecida Associação de Ginástica Esporte e Cultura São Vicente produzir uma pedalada com dois mil ciclistas pelo Centro de São Paulo no começo de novembro. O dinheiro tramitou via Secretaria Municipal de Esportes.
O custo per capita foi de R$ 133,00 por ciclista. Bancou o kit básico de eventos esportivos com camiseta, número de peito, medalha, sacola, lanche, água, bem como a estrutura de apoio como CET, palco, sistema som, marketing e assessoria de imprensa e recursos humanos.
Ninguém duvida que o evento foi produzido de forma profissional e seguindo o que mandam as leis. A questão é que o dinheiro público não trará resultado eficiente para a política de mobilidade da cidade que, em 2021, ainda não começou nenhuma nova obra de ciclovia ou ciclofaixa e sequer consegue fazer manutenção nas existentes, ainda que o caixa da prefeitura tenha dinheiro reservado para isso.
Com tal verba, entidades consagradas no incentivo ao uso da bicicleta poderiam ampliar os esforços para tornar a mobilidade ativa mais humana. A Escola Bike Anjo poderia repor o que foi roubado do seu container em 2020 e ainda estender a atividade para mais bairros de São Paulo e não só no Largo da Batata. Já o Instituto Aromeiazero, que tem projetos aprovados no Promac e na Lei de Incentivo ao Esporte, poderia produzir mais Bike Arte nas periferias, bem como oferecer o Rodinha Zero para ensinar a cultura da bicicleta para mais alunes da rede municipal de ensino. Tal iniciativa foi objeto da reportagem Cultura da Bicicleta se Aprende na Escola, vencedora do Prêmio Abraciclo de Jornalismo 2021, escrita por este autor.
A Tradicional Descida a Santos, por exemplo, que levou mais ou menos 40 mil pessoas para o Litoral Paulista via Rodovia Anchieta e Imigrantes em 2018 e 2019, não recebeu dinheiro de emenda parlamentar nem do governo, exceto pela mobilização de Polícia Rodoviária, funcionários da Artesp e da Ecovias e prontidão dos Bombeiros e Samu. Os custos de divulgação, marketing e apoio foram bancados pela comunidade de ciclistas que organizou a descida depois de muita luta e articulações, tudo de forma voluntária.
Por causa da pandemia, este ano a descida também não vai acontecer, pois envolve muita gente. Mas se houvesse R$ 266 mil em caixa me arrisco a dizer que ela com certeza aconteceria.