Teoria de Mudança para Mudarmos a Prática
Por Murilo Casagrande (Instituto AroMeiazero)
Uma das coisas que mais me atraiu para trabalhar com bicicleta foi a possibilidade de falar e fazer quase tudo sobre duas rodas. Ao mesmo tempo, não preciso detalhar o quanto falta ser feito em nossas cidades, o quanto as pessoas sentem medo ao sair de casa pedalando, mesmo antes da pandemia. Ao pedalar as pessoas correm risco de vida e o assédio é certo para nossas amigas, companheiras, mães. Se são várias as possibilidades de trabalho, parecem infinitos os problemas. Fica fácil perder o foco e desanimar. É aquele dia que eu acordo e penso: “O que é que eu fui fazer da vida?” Ao tentar explicar para os outros, principalmente, para os financiadores, além daquela prestação de contas linda, os nossos resultados bem explicadinhos?
Uma Teoria de Mudança nessas horas salva o rolê. Fazendo uma breve comparação, é como aquele mapa pra sua cicloviagem, não precisa pedalar olhando para ele o tempo todo, senão, você perde tudo o que está a sua volta. O quê não significa que nada vai dar errado. Até porque vai dar ruim em algum momento, pois falhar é humano, faz parte. Mas, é uma ferramenta que dá aquela segurança, quando não há ninguém para perguntar.
Apesar de ter teoria até no nome, (aqui apelidada de TDM), é um guia bem pragmático. Traz coerência para as decisões, ajuda a nos comunicar e mostrar melhor tudo de incrível que fazemos. Trata-se de um esquema em uma página, bem resumido (a escolha das palavras – chaves dá um trabalhão, mas vale a pena) e é dividido em cerca de meia dúzia de partes, que mudam de nome de acordo com a tradução feita ou como funciona melhor para você. A ideia é : ter um ponto de partida, um destino e como chegar lá. São essas as etapas:
1º – problema/necessidade;
2º – públicos;
3º – atividades;
4º – resultados;
5º – objetivos
6º – impactos.
Para as duas primeiras etapas, a dica é formular boas perguntas: Qual o problema nossa organização quer resolver? E com quem vamos resolver esses problemas? Atividades são as estratégias e ações que se propõe a enfrentarem os desafios propostos. Resultados são alcançados, quando o público participa das nossas atividades. Os objetivos aparecem se os resultados forem atingidos. E os impactos são gerados a longo prazo, com resultados e objetivos obtidos. Bem, resumindo, essa é a receita básica, mas você pode adaptar e temperar para sua necessidade.
Infográfico da Teoria da Mudança
Na TDM do Aro, começamos pelos públicos (crianças, jovens e adultos) e princípios (atuação descentralizada e foco na diversidade). O público amplo foi uma decisão tomada para manter o potencial intergeracional da bicicleta e dos nossos projetos. Falamos em princípios, como forma de sintetizar o que é oportunidade e problema ao mesmo tempo. Somos uma organização fundada por quatro amigos brancos, héteros e paulistanos. Conscientes de nossos privilégios, nosso comprometimento em mudar isso, buscamos diversidade e descentralização. Uma melhora contínua. Sobre as nossas atividades, que fizemos bem e queremos fazer ainda melhor, listamos:
Articulação, Formação, Participação social, Festivais e eventos culturais; Apresentações e artigos; Apoio consultivo; Ampliação de pautas e Doações de bike. Sempre que aparece uma nova ideia, edital ou pedido de empresa parceira, damos uma olhada no nosso cardápio de atividades.
Por exemplo: o Aro não tem um programa de voluntariado próprio. Desde a fundação decidimos pela profissionalização, logo, todas as pessoas que trabalham no Aro são remuneradas. Podem ter diferentes tipos de combinados, com carga horária variadas, mas sempre pagas. Pessoas talentosas, comprometidas e divertidas de se trabalhar (mau humor já chega o meu). Temos um programa de voluntariado, desenhado para empresas, que incluem: palestras, aulas de mecânicas, pedais em grupo, festivais comunitários, o Desafio 60 e o que mais a nossa imaginação quiser. Uma decisão tomada em uma reunião de duas horas, depois de semanas mapeando tudo o que já fizemos, o que deu certo e o que deu errado. Voluntariado, só para fomentar outro tipo de pensamento nas empresas, que pagam por isso. Essa foi uma decisão tomada ao longo dos meses do processo que fizemos com a Move Social, com horas de reuniões e litros de café.
Equipe do Instituto AroMeiazero na elaboração do TDM
Voltando aos resultados, dividimos os nossos em curto (Mais negócios de bicicleta nas e das periferias), médio (Empresas de bicicleta, principalmente as Compartilhadas, com visão de impacto social) e longo prazo (pessoas menos privilegiadas e crianças com mais acesso à bicicleta). Trouxe alguns de um total de 18 resultados, sendo 3 de longo prazo, 8 de médio prazo e 7 de curto prazo. Cada um desses resultados gera uma Matriz de Avaliação, onde entram os indicadores, dados quantitativos e qualitativos para medirmos se estamos no caminho certo.
E chegamos ao impacto (ou impactos) que queremos gerar: Menos desigualdade social e Cidades mais resilientes. Essa é a nossa proposta para enfrentar as crises gêmeas da emergência climática e privação social.
TDM do Instituto AroMeiazero
Depois da TDM feita, montamos uma matriz de avaliação. Cada resultado precisa ter dados que sejam fáceis de mensurar, tenham prazo para acontecer e o responsável pela entrega. Quando falamos em “Mais negócios de bicicleta nas e das periferias”, precisamos contar quantas pessoas passaram pelas atividades do Viver de Bike, no espaço de um ano, seguem pedalando e trabalhando, em condições dignas. É com base nisso, que podemos dizer como estamos colaborando com os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável para 2030. Com o pior presidente e o pior ministro do meio ambiente da história brasileira, os ODSs ficaram ainda mais distantes. Mas, é contando quantas crianças aprenderam a pedalar sem rodinhas no Rodinha Zero, que podemos dizer que o Aro colabora com as meta 3.4 (reduzir em um terço a mortalidade prematura por doenças não transmissíveis) e 3.6 (reduzir pela metade as mortes e os ferimentos em estradas).
Para detalhar melhor quais os problemas que enfrentamos, estamos construindo a TDM dos nossos principais projetos: Bike Arte, Rodinha Zero e Viver de Bike.
Esse último, tivemos várias facilitações externas, tem uma TDM mais trabalhada. Com os dois primeiros projetos, estamos fazendo sozinhos, dá trabalho, mas vale a pena. Por isso, é importante falar de patrocínios que viabilizam todo esse processo. Como o Itaú, que investiu na Teoria de Mudança do Aro (e em um curso do Instituto Amani para 30 organizações, no segundo semestre de 2019) ou a Fundação Grupo Volkswagen, que tem investido no Yunus Center para acompanhar por um ano o Viver de Bike e mais 2 projetos relacionados à mobilidade. Ambos os casos, ainda são raros, infelizmente. Patrocinadores, editais, leis de incentivo e muitos doadores querem resultados, mas não querem ajudar a pagar a conta de luz, nem o salário de quem rala pela causa. Mas quem investe de verdade também quer ter uma melhor mensuração de impacto. Com isso publicam melhores relatórios e ajudam a trazer mais recursos. É o ganha-ganha, o que é ótimo e gera mais recursos, para mais projetos de mais organizações que também podem se desenvolver melhor.
Um bônus, literalmente: o Antonio, nosso parceiro da Move, gostou tanto do trabalho do Aro (ha, o poder de sedução da bicicleta) que topou facilitar outra metodologia com a gente. Ainda em janeiro de 2020, nos apresentou o Modelo Trevo, para transformamos os indicadores da TDM, ao misturar com a uma análise FOFA (nem um pouco carinhosa, sobre nossas Fraquezas, Oportunidade, Forças e Ameaças), saímos com uma lista de 4 grandes objetivos em: Governança, Administração, Captação de recursos e Comunicação; com 20 submetas no total. Um letramento da equipe, em questões de gênero e raça, tem prazo e indicadores para alcançar, com a mesma importância das metas para captação de recursos, por exemplo.
O mais importante é que você pode fazer isso na sua própria organização. Tem muito informação boa por aí, modelos para preencher e podemos conversar mais por email.
Outras metodologias, como o Modelo C, que mistura a TDM com canvas de negócios, uma coisa muito necessária, quanto temos que gerar o próprio recurso, uma tendência no terceiro setor, para os próximos anos de recessão.
Com a pandemia, pode ser a oportunidade para essa reflexão. Uma parada meio forçada, mas sempre boa. E todo planejamento estratégico, com qualquer metodologia (Planejamento Anual, TDM, Trevo, FOFA, Modelo C) não é estático. É preciso planejar avaliações, ajustes e aquele breque para ver se estamos indo no caminho certo. As pessoas que começaram o Aro evoluíram, mudaram. E precisamos mudar muita coisa, mais do que nunca.
Seguem links indicativos: