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02 de fevereiro de 2014

74 – Prova testemunhal contrariando a perícia

Apelação cível 55114766200080600011 
Relator(a): ANTÔNIO ABELARDO BENEVIDES MORAES
Órgão julgador: 3ª Câmara Cível
Data de registro: 05/02/2007
Ementa: CIVIL. INDENIZAÇÃO. ACIDENTE DE TRÂNSITO COM MORTE DE CICLISTA. EMPRESA DE TRANSPORTE COLETIVO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA AFASTADA. FALTA DE PROVAS CONDENATÓRIAS. CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA. SENTENÇA MANTIDA. 1.A responsabilidade pelo risco administrativo da transportadora concessionária de serviço público restou afastada por conduta culposa exclusiva do guiador da bicicleta. 2.Prova pericial excluindo a responsabilidade da empresa apelada em indenizar. 3.Recurso conhecido e não provido. Sentença mantida.

 

Inteiro Teor:

APELAÇÃO CRIME Nº. 31990-21.2010.8.06.0000/0

JUÍZO DE ORIGEM: VARA ÚNICA DE TRÂNSITO COMARCA DE FORTALEZA

APELANTE: FRANCISCO ANTÔNIO MARTINS DE PAIVA

APELADO: A Justiça Pública

RELATORA: DESA. FRANCISCA ADELINEIDE VIANA

 

EMENTA: PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE TRÂNSITO. HOMICÍDIO CULPOSO. RECURSO DA DEFESA. 1) ABSOLVIÇÃO.

ALEGAÇÃO DE CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA. DESCABIMENTO. TESE NÃO PROVADA. CULPABILIDADE DO AGENTE EVIDENCIADA NO CONTEXTO FÁTICOPROBATÓRIO.

DESCONSIDERAÇÃO DO LAUDO PERICIAL. LIVRE CONVENCIMENTO DO JUIZ DEVIDAMENTE MOTIVADO. PROVA TESTEMUNHAL IDÔNEA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. PENA RESTRITIVA DE DIREITO DESPROPORCIONAL. REDUÇÃO EX OFFICIO.

1. Impossível a absolvição do apelante por alegação de culpa exclusiva da vítima, quando não restou comprovada de forma patente.

2. No caso concreto, não obstante o laudo pericial esteja em consonância com a tese esposada pela Defesa, uma testemunha presencial afirmou, tanto na fase policial, como judicial, que a vítima não efetuou manobra arriscada e que o agente dirigia em alta velocidade, motivo pelo qual não conseguiu frear a ponto de evitar o acidente. A conclusão do laudo pericial, rejeitada por essa testemunha, inclusive, e as pequenas contradições apontadas pela Defesa não servem a macular o teor do depoimento. A alta velocidade do réu também foi afirmada por outra testemunha inquirida apenas perante a autoridade policial, versão que restou corroborada por aquela ouvida na fase judicial.

3. Outrossim, ainda que demonstrado que a vítima houvesse contribuído para o resultado danoso, a simples comprovação da culpa concorrente do autor do delito é suficiente para que seja proferido decreto condenatório, pois não há, em nosso sistema penal, a chamada compensação de culpas

4. Por outro lado, a pena de suspensão da habilitação ou direito de obtê-la deve ser fixada nos mesmos parâmetros estabelecidos para a pena privativa de liberdade, observando-se os preceitos dos arts. 59 e 68 do Código Penal, partindo-se do mínimo legal previsto no art. 293 da Lei nº9.503/1997.

5.No caso, a pena acessória foi fixada no mesmo quantum da pena privativa de liberdade, esta dosada no mínimo legal. Isso porque o patamar mínimo do lapso de suspensão do direito de conduzir veículo automotor previsto no art. 293 do Código de Trânsito Brasileiro é de 02(dois) meses, demonstrando-se a pena fixada na decisão primeva, desproporcional em relação aos critérios utilizados na fixação da pena privativa de liberdade e, injustificada, pois estabelecida em patamar muito além do mínimo legal, sem que haja fundamentação para tanto.

6. Recurso conhecido, mas desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Crime nº 782-da Vara única de Trânsito da Comarca de Fortaleza, no qual é apelante Francisco Antônio Martins de Paiva.

ACORDAM os Desembargadores da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Ceará, à unanimidade, CONHECER DO APELO, contudo, para NEGAR-LHE PROVIMENTO, e redimensionar ex officio a pena restritiva de direito concernente à suspensão do direito de conduzir veículo automotor para 02(dois) meses, nos termos do voto da Relatora.

Fortaleza, 24 de Junho de 2013.

______________________________Presidente

______________________________Relatora

_________________________ Procurador(a) de Justiça

RELATÓRIO

Trata-se de recurso de apelação interposto pelo sentenciado Francisco Antônio Martins de Paiva contra decisão do Excelentíssimo Senhor Juiz de Direito da Vara Única de Trânsito da Comarca de Fortaleza, pela qual restou condenado à pena de dois anos de detenção, substituída por duas penas restritivas de direito, sendo uma de prestação de serviços à comunidade e uma pena pecuniária, concernente ao pagamento mensal, durante dois anos, da quantia de R$200,00 ao DESAFIO JOVEM DO CEARÁ, e ainda, à suspensão do direito de conduzir veículo automotor, pelo mesmo lapso temporal da condenação, pela prática do crime tipificado no art. 302 “caput “, da Lei nº 9.503/97, ou seja, Código de Trânsito Brasileiro.

Consta na exordial que:

“… que na data de 10.03.2005, por volta das 07:00, o ora denunciado trafegava pela Av. Presidente Castelo Branco(Leste-Oeste) no sentido sertão-praia, na faixa da direita, guiando o veículo Vectra, de placas HWH 7361-CE, quando colheu o ciclista, denominado Francisco Josimar Pontes Vieira, ocasionando o seu falecimento, confirme laudo cadavérico de fls.16.

Narra o caderno inquisitorial que a vítima estava realizando a travessia da citada avenida da esquerda para a direitas, quando foi violentamente colhida pelo veículo conduzido pelo acusado, que trafegava em alta velocidade na faixa da direita, lançando a vítima a uma distância de aproximadamente 02(dois metros).

Consta ainda da peça anexa que o denunciado ainda tentou frear o veículo, entretanto, devido à sua excessiva velocidade, não conseguiu evitar o embate, acionado em seguida o socorro médico, e sendo a vítima levada ao Hospital IJF-Centro, onde veio a óbito.”

Atendendo ao princípio da efetividade e com o fim de imprimir maior celeridade ao feito, sirvo-me do relatório constante na sentença às fls.112/115, passando a complementá-lo com as informações atinentes aos atos processuais praticados a partir de então, tudo sem prejuízo de análise criteriosa quanto à adequação do procedimento aos ditames legais prescritos no Estatuto Processual Penal pátrio.

Através da referida sentença, acolheu-se o pleito apresentado pelo Ministério Público na exordial, tendo sido julgado procedente a acusação, condenando-se a apelante na reprimenda acima descrita, decisão publicada em 03 de julho de 2009.

Inconformada, a Defesa interpôs recurso apelatório (fls.122/130), pugnando pela absolvição do acusado, sob a alegação de que a culpa teria sido exclusivamente da vítima, com base no laudo pericial acostado aos autos, e desconsiderando o depoimento de testemunha presencial, o qual alega ser contraditório.

Contrarrazões ofertadas pelo Parquet originário, pugnando pela improcedência do recurso(133/137).

Parecer da Procuradoria de Justiça, com manifestação pela procedência do recurso e consequente absolvição do recorrente(fls.144/148).

É o relatório.

Fortaleza, 24 de junho de 2013.

FRANCISCA ADELINEIDE VIANA

Relatora

VOTO

Presentes os requisitos de admissibilidade do recurso, conheço a presente apelação criminal.

Trata-se de recurso de apelação contra sentença proferida em desfavor de Francisco Antônio Martins de Paiva, pela qual restou condenado pela prática do crime tipificado no art. 302,”caput “, da Lei nº 9.503/97, ou seja, Código de Trânsito Brasileiro, ao cumprimento de pena de 02(dois) anos de detenção, sendo uma de prestação de serviços à comunidade e uma pena pecuniária, concernente ao pagamento mensal, durante dois anos, da quantia de R$200,00 ao DESAFIO JOVEM DO CEARÁ, e ainda, à suspensão do direito de conduzir veículo automotor, pelo mesmo lapso temporal da condenação,

Pugna a Defesa pela absolvição do apelante, sob a alegação de culpa exclusiva da vítima, pois o laudo teria, assim corroborado com a versão ofertada pelo recorrente o depoimento da única testemunha presencial deveria ser inidôneo a servir como prova, pois estaria eivado de contradições.

O recurso não merece amparo.

Inicialmente impende destacar o disposto no art. 28 do Código Brasileiro de Trânsito:

Art. 28. O condutor deverá, a todo momento, ter domínio de seu veículo, dirigindo-o com atenção e cuidados indispensáveis à segurança do trânsito.

Conforme leciona Damásio de Jesus, para identificação de fato típico culposo cometido no trânsito de veículos automotores, necessária a avaliação dos seguintes elementos:

1°) conduta humana voluntária de dirigir veículo automotor; 2°) Inobservância do cuidado objetivo necessário na conduta em que se

manifesta a imprudência, negligência ou imperícia 3°) previsibilidade objetiva (RT, 599;343 e 606:337); 4°) Ausência de previsão; 5°) resultado involuntário; 6°) nexo de causalidade (RT, 601:338); e 7°) tipicidade. (JESUS, Damásio Evangelista. CRIMES DE TRÂNSITO – Anotações à parte criminal do Código de Trânsito (Lei N. 9.503 de 23 de setembro de 1997) .2.ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p.78)

A materialidade e autoria restaram comprovadas através do laudo de exame cadavérico de fls.20 e da prova testemunhal.

No caso, o Magistrado, ao avaliar a prova existente nos autos, assim decidiu:

“Examinando as provas dormitantes nestes fólios, se detecta que o acusado foi culpado pelo sinistro, tendo em vista que o mesmo não atentou para as regras indispensáveis de cautela no trânsito, uma vez que colidiu com um ciclista que empurrava sua bicicleta, já finalizando a travessia, Ademais, conforme se vê às fls 31 e 32, o acidente ocorreu num dia claro, se chuva, com boa visibilidade e ainda não havia outro veículo trafegando apenas o carro do acusado e a bicicleta da vítima. Deixo de acompanhar o laudo pericial porque a testemunha Henrique Jorge, que presenciou o acidente, disse que o laudo não expressa a verdade do fato, porque a vítima não atravessou a avenida pedalando a bicicleta , ma sim empurrando a mesma, portanto, a manobra que lá esta, feita belo ciclista não aconteceu.

Houve por parte do acusado precipitação na condução do seu automóvel, pois todas as testemunhas ouvidas são unânimes em dizer que o veículo vinha em alta velocidade, entende0se portanto que o mesmo extrapolava o limite da via que é de 60km/h, onde se vislumbra uma figura do Código Civil, que é o ABUSO DE DIREITO, de vez que há determinação de velocidade para o local, pois a maior velocidade permitida é a acima referida. “

O laudo pericial acostado às fls. 28/35, é o principal argumento da Defesa a embasar a culpa exclusiva da vítima. A perícia, realizada às 08:40 da manhã da ocorrência, concluiu que a vítima fez uma travessia da via de forma intempestiva, sem as devidas precauções.

Acertada a decisão do Magistrado ao desconsiderar a conclusão do laudo pericial no julgamento, uma vez que existente prova contundente no sentido contrário, no caso depoimento de testemunha presencial.

Segundo dispõe o art. 182 do Estatuto Processual Penal: “O juiz não ficará adstrito ao laudo, podendo aceitá-lo ou rejeitá-lo, no todo ou em parte.”

Acerca da matéria, discorre Nucci:

” Vinculação do juiz ao laudo pericial: é natural que, pelo sistema do livre convencimento motivado ou da persuasão racional, adotado pelo Código , possa o magistrado decidir a matéria que lhe é apresentada de acordo com sua convicção, analisando e avaliando a prova sem qualquer freio ou método previamente imposto pela lei. Seu dever é fundamentar a decisão, dando-lhe, pois, respaldo constitucional. Por tal motivo, preceitua o art.182 que o juiz não está adstrito ao laudo ou apenas parte dele. O conjunto probatório é o guia do magistrado e não unicamente o exame pericial (NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 10ª. ed. São Paulo: RT, 2011, p. 419).

Ao assim proceder, o Magistrado seguiu o princípio do livre convencimento motivado do juiz expressamente destacado no art. 155 do Código de Processo Penal:

O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.

Colaciono a seguinte decisão acerca da matéria:

APELAÇÃO CRIMINAL ¿ ACIDENTE DE TRÂNSITO ¿ LESÕES CORPORAIS DE NATUREZA GRAVE (CP, ART. 129, § 2º, III, ART. 129, § 1º, I, AMBOS C/C ART. 70). PRELIMINARES ¿ CERCEAMENTO DE DEFESA ¿ INDEFERIMENTO DE DILIGÊNCIAS NA FASE DO ART. 499 DO CPP ¿? POSSIBILIDADE ¿? ATO DISCRICIONÁRIO DO JUIZ ¿? INÉPCIA DA DENÚNCIA ¿? INOCORRÊNCIA ¿? COERENTE DESCRIÇÃO DOS FATOS E INDICAÇÃO DA AUTORIA ¿? SATISFAÇÃO DOS REQUISITOS NECESSÁRIOS (CPP, ART. 41)¿? AVENTADA NULIDADE DA SENTENÇA POR INADEQUADA VALORAÇÃO DE PROVA ¿? INVIABILIDADE ¿? PRINCÍPIOS DA PERSUASÃO RACIONAL E DA LIVRE APRECIAÇÃO DE PROVAS (CPP, ART. 155)¿? ALEGADA CONTRARIEDADE AO LAUDO PERICIAL PRODUZIDO PELA DEFESA ¿? IRRELEVÂNCIA (CPP, ART. 182)¿? CONVENCIMENTO MOTIVADO ¿? INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZO ¿? PRELIMINARES AFASTADAS. I ¿? Não constitui cerceamento de defesa o indeferimento das diligências previstas no art. 499 do CPP, tendo em vista sua pertinência condicionar-se ao prévio juízo discricionário do magistrado, cuja providência precederá da necessidade ou conveniência relacionados aos fatos apurados na instrução criminal, além de não se olvidar que a figura do destinatário das provas recai exclusivamente sobre o magistrado, a teor do preconizado nos arts. 156, 182 e 184, todos do CPP. II ¿?

Apta a instaurar a ação penal é a denúncia na qual estão delineadas, ainda que sinteticamente, os fatos que supostamente constituem infração de norma incriminadora e a descrição das condutas do acusado, além dos elementos de convicção que a respaldam, de modo a satisfazer os requisitos do art. 41 do CPP. III ¿? Não há que se falar em nulidade pela ausência de enfrentamento da tese deduzida pela defesa na hipótese de o magistrado rejeitá-la fundamentadamente, ainda que de forma sucinta. Ademais, consoante o brocardo francês pas de nullité sans grief, somente será reconhecida a nulidade processual se dela resultar prejuízo a um dos litigantes (CPP, art. 563). Desse modo, não há nulidade processual por inadequada valoração do laudo pericial produzido pela defesa, porquanto existentes outros elementos suficientes para atestar a velocidade empregada na data dos fatos e, bem assim imprudência pelo acusado para a ocorrência dos fatos descritos na denúncia. Outrossim, não há olvidar-se que o magistrado formará seu entendimento por meio da livre apreciação das provas, sem que entre elas exista hierarquia ou de qualquer prévia valorização prévia, conforme o princípio da persuasão racional (CPP, art. 155) consagrado na própria lei adjetiva penal prevê, em seu art. 182, que

“o juiz não ficará adstrito ao laudo, podendo aceitá-lo ou rejeitálo, no todo ou em parte”. MÉRITO ¿? PREQUESTIONAMENTO ¿ AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DOS DISPOSITIVOS LEGAIS CORRESPONDENTES ¿ ATROPELAMENTO DE PEDESTRES ¿? INVASÃO DO ACOSTAMENTO PROVIDO DE CALÇADA ¿? MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS ¿? DEPOIMENTOS DAS VÍTIMAS, DOS POLICIAIS MILITARES E DAS TESTEMUNHAS PRESENCIAIS CONDIZENTES COM A REALIDADE DOS AUTOS ¿? ABSOLVIÇÃO INVIÁVEL ¿? ALEGADO CASO FORTUITO COMO MOTIVO DO ACIDENTE EM RAZÃO DAS MÁS CONDIÇÕES DO LOCAL ¿ ELEMENTOS QUE DEMONSTRAM A CONDUTA DO RÉU DECORRENTE DO EXCESSO DE VELOCIDADE ¿ INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA ¿ PLEITO DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA LESÃO CORPORAL CULPOSA ¿ IMPOSSIBILIDADE ¿ EXISTÊNCIA DE ELEMENTO CONCRETO (VELOCIDADE EXCESSIVA) QUE CONFIGURA O DOLO EVENTUAL ¿? RECURSO DESPROVIDO. I ¿? Uma vez não indicado no recurso quais os dispositivos de lei federal os quais entende a decisão objurgada ter negado vigência, a análise do pedido de prequestionamento resta prejudicada. II ¿ Não há que se falar em excludente por caso fortuito, uma vez demonstrada a conduta do acusado ao guiar seu automóvel em velocidade incompatível com o local dos fatos, o que ocasionou o sinistro e as lesões de natureza grave nas vítimas. III ¿ No dolo eventual, o agente prevê a possibilidade do resultado lesivo e assume o risco do dano que porventura venha a ocorrer, ao passo que na culpa consciente o agente assume o risco, porém acredita que o resultado não ocorrerá. In casu, há evidências acerca do dolo eventual que motivou o crime pelo qual o acusado fora condenado, pois há nos autos elementos de prova suficientes de que, no momento do acidente, ao conduzir o veículo em velocidade incompatível com as condições de tráfego local, houve assunção do risco de ocasionar um sinistro do qual pudesse advir lesões ou até morte daqueles que usufruem da via pública. Desse modo, em se mostrando suficientes os indícios de que as lesões graves foram provocadas por uma conduta dolosa, não há que se falar em desclassificação do crime de lesão corporal grave (CP, art. 129, § 1º, I e § 2º, III, ambos c/c art. 70), para lesão corporal culposa (Lei n. 9.503/97, art. 303). IV ¿? Ademais, uma vez que os elementos dos autos e circunstâncias indicam que o acusado transitava em velocidade acima do permitido no local, incumbe à defesa o ônus de provar o alegado (CPP, art. 156).(TJ-SC, Relator: Salete Silva Sommariva, Data de Julgamento: 14/04/2010, Segunda Câmara Criminal)

A decisão está bem amparada no depoimento de uma testemunha presencial, que, ao ser confrontada com o laudo ofertado, foi categórica em afirmar que tal documento não espelhou a verdade dos fatos quanto à dinâmica do acidente, senão vejamos:

Henrique Jorge do Nascimento Lima(fls.97/97v):

“Que confirma seu depoimento prestado na esfera policial; que afirma que o ciclista trafegava na contra-mão de direção, depois subiu o canteiro empurrando a bicicleta e depois quando foi atravessar a outra pista foi colhido; que o sentido em que aconteceu o acidente foi no sentido Barra-Mucuripe; que o ciclista foi colhido próximo ao canteiro central; que com o impacto a vítima não foi jogada, apenas subiu; que a vítima caiu no capô do carro, depois desceu para o lado do carro; que afirma que ouviu barulho de frenagem, mas não percebeu se restaram marcas de frenagem na pista; que ao acidente aconteceu perto das sete horas da manhã e o tráfego de veículos era pouco; (…) que não sabe dizer a velocidade do acusado; que o acidente aconteceu numa reta próximo a 10ª região militar; que o dia era claro e não havia chovido; que a vítima foi colhida empurrando a bicicleta; que apresentado o croqui ao depoente à fls.30, o mesmo não concorda com o que foi apresenta[sic], já que a vítima atravessou a pista empurrando a bicicleta do canteiro central para a calçada. (…) que prestou mais atenção à vítima; que a vítima foi jogada para cima e que acredita que a mesma tenha sido jogado do chão para cima em torno de uns dois metros de distância do carro; (..) que não existe barreira eletrônica próxima ao local do acidente; que no momento do acidente só viu o carro do acusado. Que nãoo viu nenhum carro estacionado; que a foto que consta à fl. 31 apresentado pela defesa, não viu esse Corsa branco que está na foto estacionado.

Na delegacia, a testemunha assim declarou(fl.14) :

“que no dia do fato estava a caminho de seu local de trabalho pela Av. leste-Oeste, quando escutou a freiada de um carro e nesse ínterim presenciou quando o veiculo que vinha em alta velocidade atropelar um ciclista que estava atravessando a citada avenida, onde a vítima foi jogada a altura de 2 metros, vindo a cair ao solo ainda com vida, onde o guiador do veiculo atropelador tentou socorrer as vítimas, mas não logrou êxito devido o pneu do carro ter rasgado, por ter ido ao encontro do canteiro.

Nesse passo, também declarou a testemunha Glicélio do Nascimento Marques fl.15:

Que no dia do fato encontrava se próximo ao local do fato, quando presenciou um veiculo em alta velocidade pela Av. Leste Oeste guiado por um homem e nesse ínterim um ciclista atravessando a citada avenida e o guiador e o veiculo atropelador ao chegar perto do ciclista tentou freiar [sic], mas não conseguiu pois pela velocidade não tinha como impedir o atropelamento, onde a vítima foi jogada z altura de três metros, vindo cair ao solo enquanto desgovernou e foi de encontro ao canteiro da avenida; ..

Muito embora Gilcélio não tenha sido ouvido na fase judicial, seu depoimento se encontra corroborado pelas declarações de Henrique Jorge, conforme já salientado.

A propósito a Defesa tenta desacreditar o depoimento de Henrique Jorge, argumentando que está repleto de contradições, quais sejam:

1)Quanto à existência de um carro estacionado no momento do acidente e existir um carro estacionado na foto da perícia – não se percebe qualquer contradição, uma vez que a pericia foi realizada após quase duas horas da ocorrência, e o cenário pode ter sido mudado;

2)Que a testemunha disse não haver barreira eletrônica no local apesar de por lá passar há quase três meses, enquanto que o ofício da AMC atesta a sua existência – a informação da AMC é imprecisa não especificando o local da barreira eletrônica, nem mesmo de que lado ela estaria postada, portanto, também improcede a alegação da defesa. Nesse passo, vale destacar que, conforme expediente mencionado, a barreira a qual o órgão municipal informou existir, sequer estava funcionando;

3)Que a testemunha em um momento disse que a vitima não foi jogada, mas subiu e em outro afirmou que tinha sido jogada para cima – tais afirmações não levam ao descrédito do depoimento sob análise, pois ao dizer que ao ofendido tinha sido jogado para cima acabou por confirmar que a vitima foi lançada para cima, sendo essa uma questão de mera interpretação, que não serve à macular o depoimento;

Como se vê, não há contradições, nem qualquer outro motivo que possa levar a duvidar da idoneidade do teor das declarações das testemunhas.

Por fim, o recorrente não logrou provar a sua tese. Pelo contrário restou provado que dirigia em um local aberto, em um dia claro e, por deixar de observar as cautelas necessárias à condução do veiculo, estando em alta velocidade, não pôde evitar o acidente que acabou por vitimar Francisco Josimar Ponte Vieira.

Insta destacar que nos crimes de trânsito somente se admite a exclusão da culpabilidade do agente acaso este consiga provar que a culpa foi exclusiva da vítima ou que não existe nexo causal entre sua conduta e o resultado. Porém, não é essa a situação configurada nos autos, conforme já debatido.

Por fim, vale dizer que ainda que restasse comprovada contribuição da vitima para o evento danoso, diferentemente do ilícito civil, não prevê o Direito Penal a exclusão do delito em face da compensação de culpa. O que existe é a culpa concorrente, que não enseja o afastamento da responsabilidade de qualquer das partes, que contribuíram para o evento danoso.

Destaco, por oportuno, trecho da obra do jurista Damásio de Jesus:

” É incabível em matéria penal [a compensação de culpas].

Suponha-se um acidente automobilístico em que, a par da culposa atitude do condutor, concorra a culpa da vítima. A culpa do ofendido não exclui a culpa do motorista: não se compensam. Só não responde o sujeito pelo resultado se a culpa é exclusiva da vítima. ” JESUS, Damásio Evangelista. CRIMES DE TRÂNSITO – Anotações à parte criminal do Código de Trânsito (Lei N. 9.503 de 23 de setembro de 1997).2.ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p.83).

Nesse sentido, o seguinte julgado:

TRÂNSITO. ARTIGO 302 DO CTB. CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA.

IMPOSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA NO DIREITO PENAL COMPENSAÇÃO DE CULPAS.

IMPRUDÊNCIA. Acusado que agiu de forma imprudente ao conduzir seu automóvel, sem atentar com a devida cautela ao ingressar na via.

Ainda que fosse possível reconhecer parcela de culpa da vítima no evento, esta não elide a responsabilidade criminal do acusado, a qual somente ocorre em caso de culpa exclusiva da vítima, pois inexistente compensação de culpas na esfera penal. Precedentes desta Corte e do e. STJ. DECRETO CONDENATÓRIO MANTIDO. APELO DESPROVIDO.(TJ-RS – ACR:

70048249817 RS , Relator: Nereu José Giacomolli, Data de Julgamento: 10/08/2012, Terceira Câmara Criminal, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 23/08/2012)

Assim, impossível a absolvição do recorrente.

Quanto à fixação da pena, embora não tenha sido objeto de recurso, mas considerando a devolução da matéria a esta Corte, insta efetuar modificação no que pertine ao período de suspensão da habilitação para dirigir veículo automotor ou direito de obtê-la.

O Magistrado sentenciante, ao fixar a pena restritiva, manteve o mesmo quantum fixado para a pena privativa de liberdade – dois anos – a qual restou desproporcional, uma vez que aquela foi fixada no mínimo legal.

Tal desproporcionalidade decorre do fato de que o art. 293 dessa Lei estabelece como patamar mínimo para a suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor o período de dois meses, podendo ser elevado até cinco anos.

Assim, a fixação em dois anos deixou de obedecer às disposições previstas nos arts. 59 e 68 do Código Penal, procedimento este equivocado e injustificado, inclusive desproporcional, como já dito, tendo-se por base a pena privativa de liberdade fixada no mínimo legal.

Nesse sentido, o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça:

(…). DELITOS DE TRÂNSITO. APLICAÇÃO DA PENA. SUSPENSÃO DA HABILITAÇÃO PARA CONDUZIR VEÍCULO. DESPROPORCIONALIDADE DO QUANTUM EM RELAÇÃO À PRIVATIVA DE LIBERDADE. OFENSA AO ART. 293 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. SANÇÃO REDIMENSIONADA. 1. A pena de suspensão ou de proibição de se obter habilitação ou permissão para dirigir veículo automotor, por se cuidar de sanção cumulativa, e não alternativa, deve guardar proporcionalidade com a detentiva aplicada, observados os limites fixados no art. 293 do Código de Trânsito Brasileiro. 2. Verificado que a reprimenda básica foi fixada no mínimo legalmente previsto, ante a inexistência de quaisquer circunstâncias judiciais desfavoráveis, de rigor a redução da pena de suspensão da habilitação para o mínimo legalmente previsto. 3. Ordem conhecida e concedida para reduzir o prazo da reprimenda de suspensão da habilitação para dirigir veículo automotor para 3 (três) meses e 3 (três) dias, mantidos, no mais, a sentença condenatória e o acórdão objurgado. (HC 140.750/RJ, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 07/10/2010, DJe 17/12/2010).

PENAL. RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO CULPOSO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE CONVERTIDA EM DUAS RESTRITIVAS DE DIREITOS. PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA. FIXAÇÃO DO QUANTUM.

DISPENSA ANÁLISE DO ART. 59 DO CP. PENA DE SUSPENSÃO OU PROIBIÇÃO DE SE OBTER A PERMISSÃO OU A HABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULO AUTOMOTOR.

PROPORCIONALIDADE NA SUA APLICAÇÃO. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.

1. A pena de multa e a prestação pecuniária são institutos que possuem naturezas jurídicas distintas. Nos termos do art. 43, I, do CP, a prestação pecuniária consiste no pagamento em dinheiro à vítima, a seus dependentes ou a entidade pública ou privada com destinação social, de importância fixada pelo juiz. A pena de multa, por sua vez, de acordo com o art. 49, caput, do CP, consiste no pagamento ao fundo penitenciário da quantia fixada na sentença e deve ser calculada pelo sistema de dias-multa.

2. A pena de suspensão ou proibição de se obter habilitação ou permissão para dirigir veículo automotor deve guardar proporção com a gravidade do fato típico, dentre os crimes de trânsito que prevêem essa penalidade, observadas as circunstâncias judiciais, atenuantes e agravantes, nos limites fixados no art. 293 do CTB, além de eventuais causas de diminuição ou aumento de pena.

3. Recurso conhecido e improvido. (STJ. REsp 1075211/SP, Rel.Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 16/06/2009,. DJe 02/08/2010)

Há também precedentes dessa Corte:

PENAL. APELAÇÃO. HOMICÍDIO CULPOSO. CRIME DE TRÂNSITO.ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. ALEGAÇÃO DE FATO ALHEIO À VONTADE DO AGENTE. NÃO COMPROVAÇÃO. CONDENAÇÃO MANTIDA. RETIFICAÇÃO DA CENSURA PENAL. EXCLUSÃO DA CAUSA DE AUMENTO DA PENA. SUSPENSÃO DA HABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULO AUTOMOTOR. REDUÇÃO. NECESSIDADE.

RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. SENTENÇA REFORMADA “EX OFFICIO”.

1. Comprovadas a materialidade e a autoria do crime de homicídio culposo, na condução imprudente de veículo automotor, deve ser mantida a condenação.

2. A alegação do apelante no sentido de que o fatídico acidente ocorreu por motivos alheios à sua vontade não prospera, visto não ter comprovado os fatos causadores, bem como restou configurada a falta de prudência do condutor do veículo que ao dirigir deveria fazê-lo com todos os cuidados necessários à segurança do trânsito. Tal alegação não merece acolhimento. Culpa do condutor na modalidade imprudência.

3. Exclusão de causa especial de aumento de pena que se faz necessária. Interpretação analógica de dispositivo penal em “malam partem”. Vedação no ordenamento jurídico brasileiro. Necessidade de minoração da reprimenda.

4. Na fixação da pena autônoma de suspensão da habilitação para dirigir veículo automotor, hão de ser seguidos os mesmos critérios utilizados quando da dosimetria da pena privativa de liberdade, mantendo com ela relação de simetria. Adequação que se faz necessária.

5. Recurso conhecido e parcialmente provido. (TJCE- APELAÇÃO CRIME N°602-78.2003.8.06.0119/1(60278200380601191). Relator: Desembargador Haroldo Correia de Oliveira Máximo. Órgão julgador: 2ª Câmara Criminal. Data de registro: 27/05/2011)

Dessa forma, impõe-se o redimensionamento da mencionada reprimenda para o mínimo legal, nos termos do Código de Trânsito Brasileiro, ou seja: 02 (dois) meses, nos termos do art. 293 do Código de Trânsito Brasileiro.

Ante o exposto, conheço do recurso, e em dissonância com o parecer da Excelentíssima Senhora Procuradora de Justiça, NEGO-LHE provimento, procedo, no entanto, o redimensionamento ex officio da pena restritiva de direito concernente à suspensão do direito de conduzir veículo automotor para dois meses.

É como voto.

Fortaleza, 24 de junho de 2013.

FRANCISCA ADELINEIDE VIANA

Relatora