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27 de junho de 2013

17 – Responsabilidade Objetiva no Atropelamento de Pessoa em Bicicleta

APELAÇÃO CÍVEL 314336/RJ 2002.51.10.002616-9

DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO ESPIRITO SANTO APELANTE: ALEA MARQUES TEIXEIRA ADVOGADO:EDSON PEREIRA DA SILVA APELADO: UNIÃO FEDERAL ORIGEM: PRIMEIRA VARA FEDERAL DE SÃO JOÃO DO MERITI (200251100026169)

 

R E L A T Ó R I O

Trata-se de apelação cível (fls. 169/174), interposta, tempestivamente (fls. 168 e 169), contra sentença (fls. 161/167), da lavra do MM. Juiz Federal, Dr. Luiz Norton Baptista de Mattos, que julgou improcedentes os pedidos formulados em face da União Federal, correspondentes à indenização por dano material, requerido em patamar de um salário mínimo (pensionamento), a ser pago a partir da data do óbito do companheiro da autora, até a morte desta, bem como compensação por dano moral, postulado no montante de 500 salários mínimos. Deixou de condenar a parte autora nas custas e em honorários de advogado em razão da assistência judiciária que lhe foi deferida.

Na apelação, ALEA MARQUES TEIXEIRA sustenta que a responsabilidade da recorrida é objetiva, conforme previsão constitucional (art. 37, § 6º); que, confrontados dos depoimentos das testemunhas arroladas e as ouvidas pelo MM. Juízo a quo, ao contrário do que foi concluído em primeiro grau, não restou comprovada a culpa exclusiva da vítima, pelo que requer a reforma da sentença, para que sejam julgados procedentes os pedidos contidos na inicial.

Devidamente contra-arrazoados (fls. 179/181), foram os presentes autos ao Parquet Federal que ofertou parecer (fls. 185/187) opinando pelo não provimento do recurso.

É o relatório.

Rio de Janeiro, 05 de novembro de 2003.

DESEMBARGADOR FEDERAL PAUL0O ESPIRITO SANTO

 

V O T O

O Desembargador Federal PAULO ESPIRITO SANTO:

A presente ação ordinária foi ajuizada por ALEA MARQUES TEIXEIRA, objetivando a indenização por danos materiais e morais, em face da União Federal.

O dano material, segundo a recorrente, corresponderia a uma pensão mensal de um salário mínimo e o dano moral traduziria o sofrimento amargado pela perda de seu companheiro.

Colhe-se dos autos que, no dia 28 de outubro de 2001, o companheiro da apelante (David da Silva Coutinho) estava trafegando em sua bicicleta, pela Av. Henrique Duque Estrada Meyer – logradouro localizado no Bairro da Posse, Município de Nova Iguaçu/RJ, quando foi atropelado por uma Kombi do Ministério da Aeronáutica, que era dirigida por Alexandre Coelho de Melo (agente do Poder Público). A vítima foi levada ao Hospital, vindo a falecer no dia 30 de outubro de 2001 (fl. 30).

Em razão do evento descrito, discute-se nestes autos se são devidos os danos materiais e morais por parte do Poder Público, com base na responsabilidade objetiva, ou, em se confirmando a culpa exclusiva da vítima, estaria excluída a responsabilidade da União Federal.

O primeiro pedido (danos materiais), correspondente a um salário mínimo a ser pago, mensalmente, pelo ente federativo, é devido em favor da recorrente, pois que, embora ela possa vir a receber da Previdência Social pensão por morte, o pensionamento mensal postulado nesta ação resulta do episódio que causou o óbito de seu companheiro, enquanto a aludida prestação previdenciária tem origem imediata nas contribuições vertidas pelo falecido segurado, ou seja, há independência dos fatos geradores que originam as obrigações autônomas entre si, equivalentes no dever de pagar pensões. Sendo, assim, merece prosperar o pedido relativo aos danos materiais, no valor de um salário mínimo, que são devidos, em caráter vitalício, desde o ajuizamento da ação.

No que tange aos danos morais, embora seja certo que as pessoas jurídicas de direito público respondem pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, independente do exame da existência do dolo ou da culpa, não é menos certo que a contribuição da vítima, para a ocorrência do dano, pode diminuir ou excluir a responsabilidade do Poder Público.

Diante da ausência de outros elementos de convicção sobre o direito debatido nestes autos, o deslinde da controvérsia teve por base, exclusivamente, o exame da prova testemunhal colacionada, que no meu entender não foi conclusiva no sentido da contribuição exclusiva da vítima para a ocorrência do evento, ante as contradições dos depoimentos coligidos.

Às fls. 65/66, 87/88, 92/93 e 157/160, Dauzy Schuab Moulins e Rodrigo da Silva Ferreira relatam que, no momento do acidente, um veículo da marca Fiat Pálio desviou do ciclista, em razão de uma manobra por este operada ao invadir a pista, sendo que a viatura da Aeronáutica, que seguia logo atrás do primeiro automóvel, não tendo a mesma possibilidade de evitar a colisão, atropelou a vítima, que invadiu a pista ao perder o equilíbrio na condução de sua bicicleta. Coincidem os depoentes, ainda, quando informam a velocidade de 40 a 50 Km/h com a qual trafegava o motorista da Aeronáutica.

Ás fls. 97/98, 99/100, 151/152 e 153/154, Josué Borges de Carvalho e Cristiano do Santos Devaldino Francisco relatam que não viram o veículo da marca Fiat Pálio que teria, supostamente, desviado da vítima; que a Kombi da Aeronáutica trafegava a, aproximadamente, 80 Km/h e que a vítima seguia pela via rente ao meio-fio; que a vítima não invadiu a pista à frente da viatura que teria causado o acidente.

Depreende-se, assim, que os depoimentos controvertidos não podem servir de lastro probatório à aferição do dolo ou culpa de qualquer das partes envolvidas no acidente.

Neste diapasão, a questão volta a ser resolvida com base na responsabilidade objetiva, já que a prova testemunhal é imprestável à solução da controvérsia.

Pronto o cenário, tem-se que o direito vindicado encontra amparo e matriz constitucional, in verbis:

Art. 37. (…)

§ 6º. As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurando o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”

Depreende-se do texto transcrito, que o direito pátrio adotou a teoria do risco administrativo, pelo que se exige, para efeito de indenização por responsabilidade civil do Estado, tão-só, a conduta do agente, o nexo de causalidade e o dano experimentado pela vítima.

O dano moral independe da prova de sua ocorrência, pois que tem origem na ocorrência do evento em si, sendo apurável com a constatação da perda de um ente querido, no caso dos autos, do companheiro da apelante, que com ela viveu por aproximadamente 40 (quarenta) anos, e teve três filhos, e, agora, vê-se abalada pela perda e pela solidão que a seguirá durante a vida.

O art. 5º da Constituição dispõe, expressamente, sobre a possibilidade de indenização por danos morais, nos seguintes termos:

Art. 5º – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos seguintes termos:

V- é assegurado o direito de resposta ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; (grifo nosso)

X- São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.” (grifei)

O dano moral ocorreu, é cristalino, mas ainda há outra árdua tarefa que ao juiz cabe solucionar: a quantificação da indenização devida ao ofendido.

De acordo com Caio Mário da Silva Pereira em seu livro “Responsabilidade”, Ed. Forense, 1989, pág. 67: “Hoje em dia, a boa doutrina inclina-se no sentido de conferir a indenização do dano moral caráter dúplice, tanto punitivo do agente, quanto compensatório, em relação à vítima. Assim, a vítima de lesão a direitos de natureza não patrimonial (CF, art. 5º, incisos V e X) deve receber uma soma que lhe compense a dor e a humilhação sofridas, e arbitrada segundo as circunstâncias. Não deve ser fonte de enriquecimento, nem ser inexpressiva“.

Quanto à finalidade da indenização pelo dano moral, devemos considerar que a mesma deverá ter caráter punitivo para que o causador do dano, pelo fato da condenação, se veja castigado pela ofensa praticada, bem como o caráter compensatório para a vítima que receberá uma soma em contrapartida ao mal sofrido.

A dificuldade de quantificar, materialmente, o dano moral em casos como o presente, certamente não pode servir de empecilho à condenação.

A reparação do dano moral, destarte, jamais deve ter por parâmetro uma eventual equivalência entre a lesão moral e a quantia em dinheiro, pois não se pode quantificar, materialmente, o espírito, nem a tristeza. Em razão disso a doutrina admite o caráter meramente compensatório dos danos morais.

Traçadas as diretrizes da demanda, tenho por razoável considerar, para a hipótese dos autos, que o de cujus era uma pessoa de idade avançada – 78 anos (fl. 30), que trafegava de bicicleta, no momento do acidente, por uma via desprovida de estrutura a recomendar o tráfego de bicicletas, tendo, assim, de certo modo contribuído para a ocorrência do evento.

Posta assim a questão e dadas as modestas condições materiais do de cujus, bem como levando-se em consideração as circunstâncias do fato que ensejou o dano, fixo a compensação pelos danos morais em R$ 30.000,00 (trinta mil reais), quantia adequada a compensar a recorrente pela dor da perda de seu companheiro.

Ante o exposto, dou provimento ao recurso, condenando a União Federal a pagar a ALEA MARQUES TEIXEIRA a importância de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), a título de danos morais, bem como para condenar o ente federativo a pensionar a apelante, pagando-lhe, vitaliciamente, um salário mínimo, a contar do ajuizamento da ação. A importância atribuída para os danos morais deverá ser corrigida monetariamente e acrescida de juros de mora de 0,5% ao mês, a partir da publicação do acórdão. Honorários advocatícios fixados em 5% do valor da condenação (parcela vencida).

É como voto.

Rio de Janeiro, 05 de novembro de 2003.

DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO ESPIRITO SANTO

 

E M E N T A

CONSTITUCIONAL – RESPONSABILIDADE OBJETIVA – EXTRACONTRATUAL – ACIDENTE DE TRÂNSITO – COLISÃO – VEÍCULO OFICIAL ATROPELA CICLISTA – VIA NÃO SINALIZADA – MORTE – APOSENTADORIA – CONVERSÃO – PENSÃO – DANOS MATERIAIS – EXISTÊNCIA.

-Ação ordinária ajuizada objetivando danos morais e materiais em virtude do atropelamento do companheiro da autora por viatura da Aeronáutica, com fundamento na responsabilidade objetiva (art. 37, § 6º da CF);

-O pedido de pensionamento mensal, no valor de um salário mínimo, visando cobrir os danos materiais, é devido, em caráter vitalício, desde o ajuizamento da ação, e não se confunde com a pensão por morte, tendo em vista originarem-se de fatos geradores diversos; o primeiro do falecimento decorrente de ato ilícito e o segundo das contribuições vertidas para o sistema previdenciário;

-A responsabilidade objetiva dispensa a parte de provar a culpa lato sensu, ante a adoção, pelo direito pátrio, da teoria do risco administrativo;

-Demonstrado o fato administrativo (conduta do agente), o nexo causal e o resultado danoso, é devida a reparação, pois que não restou configurada a excludente de responsabilidade (caso fortuito / força maior) ou a culpa exclusiva da vítima;

-A prova testemunhal colacionada é imprestável à solução da lide, tendo em vista que há orientação divergente e inconclusiva quanto à contribuição total ou parcial da vítima para a ocorrência do evento morte;

-Para a fixação da quantificação dos danos morais, deve-se levar em consideração os seguintes elementos objetivos: a idade avança do de cujus (78 anos), bem como o fato de ele trafegar em via desprovida de sinalização e estrutura a recomendar o tráfego de bicicletas;

-Danos morais fixados em R$ 30.000,00 (trinta mil reais).

 

A C Ó R D Ã O

Vistos, relatados e discutidos, acordam os Desembargadores Federais da 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por unanimidade, na forma do voto do Relator, dar provimento ao recurso.

Rio de Janeiro, 05 de novembro de 2003.

PAULO ESPIRITO SANTO

Desembargador Federal – Relator