Nota Pública contrária ao Projeto de Lei 2180/2015
A UCB – União de Ciclistas do Brasil, após ampla discussão entre seus associados e associadas, vem manifestar sua discordância ao Projeto de Lei da Câmara dos Deputados nº 2180/2015, de autoria do Deputado Fábio Reis, na forma de Substitutivo aprovado por unanimidade na Comissão de Viação e Transportes, para alterar a Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997, que “Institui o Código de Trânsito Brasileiro – CTB”, com vistas a disciplinar o trânsito nas ciclovias e ciclofaixas.
A UCB e seus associados e associadas entendem que o PL 2180/2015, ao final, resultará num desincentivo ao uso da bicicleta em meio urbano e rural, pelas razões que seguem.
A UCB é favorável à ampliação da rede cicloviária de centros urbanos de forma estruturada e à correta utilização da mesma por parte dos ciclistas e outros atores/participantes de trânsito. Ciclovias e ciclofaixas são instrumentos poderosos no incentivo ao uso de bicicletas como meio de transporte, cujos benefícios ao meio ambiente, à saúde, ao trânsito e à mobilidade nas grandes cidades são mais do que comprovados. Portanto, é necessário potencializar o incentivo através da sua inclusão com segurança e conforto, diferentemente do que propõe este PL.
O PL, no seu Art. 1º, visa visa introduzir no artigo 182 do CTB um inciso VI, categorizando como infração leve parar veículos motorizados em ciclovias e ciclofaixas. Essa alteração parece favorável porque complementa as infrações de nelas circular e estacionar, fixadas no artigo 193 e no artigo 181, inciso VIII, respectivamente. Entretanto, se a sua implementação se der ao custo de apenar a circulação de bicicletas na faixa de rolamento quando existir faixa própria para ciclos na via, como previsto na modificação seguinte, não é compensador para os ciclistas.
Não obstante, na ausência de uma redação específica para “parar” em ciclovias e ciclofaixas, os municípios na prática têm adotado a regulamentação via placa de sinalização R6c (“PROIBIDO PARAR E ESTACIONAR”), em que a infração para “estacionar” é grave (5 pontos) e multa, de acordo com o art. 181, inciso XIX, do CTB; e para “parar” a infração é média (4 pontos) e multa, de acordo com art. 182, inciso X, também do CTB. A mudança prática proposta no PL 2180/15, portanto, culminaria no abrandamento de penalização para quem “parar” em ciclovias e ciclofaixas, o que entendemos se tratar de um grave retrocesso.
Já o Art. 2º do PL substitutivo altera a redação do Art. 255 do CTB (Art. 193 do CTB no PL original) criando penalidade de multa como infração média ao condutor de ciclos que transitar “fora das ciclovias e ciclofaixas, quando a via dispuser destas”. Esta penalização é contraditória com aquela prevista no artigo 1º do PL, que classifica como leve a penalidade. Isto porque no caso de um veículo estar parado sobre uma ciclovia ou ciclofaixa, o mesmo será sujeito a penalidade leve; já o ciclista, para continuar seu trajeto quando a via ciclística estiver obstruída por um carro parado, se obrigará a trafegar no leito da via, ficando sujeito a ser penalizado por uma infração média.
Mas, mais importante do que a classificação é a existência de tal infração, que, sem dúvidas levará a resultados nocivos à segurança no trânsito. Em primeiro lugar, o Projeto de Lei é inconsistente e apresenta grande potencial de arbitrariedade. O Art. 58 do CTB estabelece que “a circulação de bicicletas deverá ocorrer, quando não houver ciclovia, ciclofaixa, ou acostamento, ou quando não for possível a utilização destes, nos bordos da pista de rolamento, no mesmo sentido de circulação regulamentado para a via, com preferência sobre os veículos automotores”. Em diversas situações, a circulação nas ciclofaixas e ciclovias é impossibilitada – ou, no mínimo, dificultada – devido à presença de obstáculos como buracos, esgoto, postes, lixeiras, degraus ou mesmo em decorrência da falta de ligação ao final do trecho com o sentido correto de circulação na via.
Há ainda vias compartilhadas com pedestres, mas sem condições objetivas de se fazê-lo, no caso quando as calçadas são muito estreitas – o que torna seguro o ciclista seguir pela via de rolamento. O Art. 58 preocupa-se, então, com a integridade e segurança do ciclista, permitindo a circulação fora de ciclovias e ciclofaixas quando essas apresentarem perigo à circulação. Desse modo, o objetivo acertado dos legisladores foi garantir o direito de circulação por bicicleta e não de restringir os ciclistas a espaços específicos. E qual seria a proposta do PL 2180/2015? Punir o ciclista por optar por uma via mais segura à sua circulação!
Além disso, o projeto implica na proibição da circulação de grupos organizados de pedal (recreativo ou de treino esportivo), assim como de ciclistas que utilizam as vias para treino individual, caracterizadas como práticas de esportes/lazer. Nessas atividades, por contar com muitas pessoas ou porque se utiliza bicicletas de alta performance, não é possível o trânsito nas ciclovias e ciclofaixas e, portanto, é altamente recomendada a utilização de vias urbanas e estradas, independentemente da existência de uma estrutura cicloviária específica. Vale ressaltar que a utilização das ciclovias e ciclofaixas, nesses casos, poderia colocar em risco outros ciclistas, uma vez que os praticantes do ciclismo como esporte circulam em velocidade superior àqueles que utilizam a bicicleta como meio de transporte/lazer.
Uma legislação que vise à incentivar o uso de bicicletas no trânsito deve proporcionar aos ciclistas a segurança necessária e educá-los para a correta utilização das vias. Do mesmo modo, a estrutura cicloviária deve ser feita de forma adequada às demandas daqueles que optam por este meio de transporte. O uso de ciclovias e ciclofaixas não deve ser uma imposição, mas uma escolha certa e natural do ciclista, quando bem implantada, integrada às demais estruturas de trânsito. O norte para tal desenvolvimento deve ser a inclusão e o esforço do Estado para que o direito de circulação com segurança seja garantido, independente da escolha sobre qual via se deslocará o ciclista.
Em países como a Alemanha ou países escandinavos, a escolha da via cabe ao ciclista, quando as ciclovias/ciclofaixas não atendem aos critérios de trafegabilidade, de acordo com o relatório “Promotion of mobility and safety of vulnerable road users”1, parte do projeto PROMISING, do Institute for Road Safety Research, the Netherlands. Assim como em diversos países, o Brasil passa hoje por uma evolução no uso da bicicleta, que, além da mobilidade e do esporte, passa também pelo turismo.. Nesse contexto, o cicloturismo é uma modalidade que pode ser afetada negativamente por este projeto. O PL, do modo como é proposto, abre brechas a interpretações de quem aplica a lei e aos anseios das concessionárias rodoviárias que tentam proibir o uso das bicicletas nas rodovias por não fornecer o serviço adequado para que o ciclista possa trafegar na mesma com segurança, como prevê o artigo 24 do CTB.
Cicloturistas de todo o mundo tem vindo ao nosso país e descoberto suas belezas naturais. Atletas tambem têm utilizado rodovias para a prática do Randonneuring (também conhecido como AUDAX): desafios não-competitivos de ciclismo de longa distância. Assim como os ciclistas no ambiente urbano, os ciclistas nas estradas representam um importante fator para a economia de cidades/vilarejos, pois adquirem produtos e serviços locais (alimentação, hospedagem, artesanatos…).
Em resumo, tal projeto ameaça a cultura do respeito e do COMPARTILHAMENTO de vias, uma das mais eficientes formas de garantir a segurança de quem pedala. O projeto, ainda, pode induzir a um equivocado entendimento de que os ciclistas, ao trafegarem fora de ciclovias e ciclofaixas, estariam isentando os condutores de veículos motorizados de suas responsabilidades de zelar pelos mais frágeis no trânsito (Art. 29 § 2º, do Código de Trânsito Brasileiro). Os atropelamentos de ciclistas, que hoje podem ser considerados como crimes de trânsito, seriam justificados porque “o ciclista não estava no lugar correto“.
O Congresso Nacional está, mais uma vez, privilegiando os interesses dos veículos automotores, agindo na contramão da tendência mundial de inclusão da bicicleta no cenário da mobilidade urbana.
Tendo em vista o acima exposto, a UCB requer ao autor matéria que arquive o Projeto de Lei 2180/2015. Caso o autor não se sensibilize com as razões aqui apresentadas e continuar tramitando a matéria, a UCB requer aos relatores nas próximas Comissões do Congresso Nacional onde a mesma tramitar, que dêem parecer a favor do arquivamento. Por fim, a UCB requer a todos os parlamentares que analisarem a matéria no âmbito das suas comissões, que emitam voto contrário ao Projeto de Lei 2180/2015
A UCB aproveita o ensejo para solicitar aos parlamentares brasileiros a elaboração de projetos que envolvam a segurança de ciclistas sejam discutidos com a comunidade e sejam pautados pela inclusão da bicicleta nas políticas públicas de mobilidade.