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26 de junho de 2013

7 – Culpa do Condutor de Veículo que Não Observa Cautelas Necessárias Ao Abrir Porta do Mesmo e Do Ciclista Por Excesso de Velocidade

 

1 – Processo: Apelação Cível – TJMG

1.0396.05.021785-2/001
0217852-22.2005.8.13.0396 (1)
Relator(a): Des.(a) João Cancio
Data de Julgamento: 16/10/2012
Data da publicação da súmula: 19/10/2012
Ementa:
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. INDENIZAÇÃO. ACIDENTE DE TRÂNSITO. CULPA CONCORRENTE DA VÍTIMA. DANOS MATERIAIS. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO. DANOS ESTÉTICOS. INEXISTÊNCIA DE CONDENAÇÃO. FALTA DE INTERESSE RECURSAL. DANOS MORAIS. “QUANTUM”. MENSURAÇÃO. PROPORCIONALIDADE. GRATUIDADE DE JUSTIÇA.
I – Constatado que o acidente ocorreu em virtude de conduta negligente do réu, que deixou de observar as cautelas necessárias ao abrir a porta de seu veículo e provocou a queda do autor que trafegava em sua bicicleta, deve responder pelos prejuízos materiais e morais sofridos pela vítima em razão do acidente.
II – Declarada a culpa concorrente da vítima pelo infortúnio e não havendo recurso da parte autora, deve prevalecer tal conclusão, sob pena de se configurar “reformatio in pejus”.
III – A indenização pelos danos materiais deve corresponder ao valor comprovado das perdas de tal natureza experimentadas pelo ofendido; a reparação dos danos morais, por sua vez, deve se dar em valor suficiente e adequado para compensação dos prejuízos vivenciados, desestimulando-se, por outro lado, a prática reiterada da conduta lesiva pelo ofensor.
IV – Constatada a culpa concorrente pelos prejuízos experimentados pelo autor, deve o “quantum” reparatório ser proporcional à responsabilidade de cada uma das partes pela ocorrência do dano.
V – Nos termos do art.514, II, do CPC, ao apelante incumbe apresentar, em suas razões recursais, fundamentação consonante ao que restou decidido na sentença; não apresentados fundamentos para reforma quanto à condenação por danos materiais, não se conhece do pedido de reforma a respeito por irregularidade formal.
VI – Inexistindo condenação ao ressarcimento por danos estéticos, não há interesse recursal do réu sobre a matéria.
VII – O pagamento das custas recursais é ato incompatível com a alegação de insuficiência de recursos para o custeio das despesas processuais, devendo, portanto, ser indeferida a gratuidade dejustiça.
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EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. INDENIZAÇÃO. ACIDENTE DE TRÂNSITO. CULPA CONCORRENTE DA VÍTIMA. DANOS MATERIAIS. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO. DANOS ESTÉTICOS. INEXISTÊNCIA DE CONDENAÇÃO. FALTA DE INTERESSE RECURSAL. DANOS MORAIS. “QUANTUM”. MENSURAÇÃO. PROPORCIONALIDADE. GRATUIDADE DE JUSTIÇA.I – Constatado que o acidente ocorreu em virtude de conduta negligente do réu, que deixou de observar as cautelas necessárias ao abrir a porta de seu veículo e provocou a queda do autor que trafegava em sua bicicleta, deve responder pelos prejuízos materiais e morais sofridos pela vítima em razão do acidente.II – Declarada a culpa concorrente da vítima pelo infortúnio e não havendo recurso da parte autora, deve prevalecer tal conclusão, sob pena de se configurar “reformatio in pejus”.

III – A indenização pelos danos materiais deve corresponder ao valor comprovado das perdas de tal natureza experimentadas pelo ofendido; a reparação dos danos morais, por sua vez, deve se dar em valor suficiente e adequado para compensação dos prejuízos vivenciados, desestimulando-se, por outro lado, a prática reiterada da conduta lesiva pelo ofensor.

IV – Constatada a culpa concorrente pelos prejuízos experimentados pelo autor, deve o “quantum” reparatório ser proporcional à responsabilidade de cada uma das partes pela ocorrência do dano.

V – Nos termos do art.514, II, do CPC, ao apelante incumbe apresentar, em suas razões recursais, fundamentação consonante ao que restou decidido na sentença; não apresentados fundamentos para reforma quanto à condenação por danos materiais, não se conhece do pedido de reforma a respeito por irregularidade formal.

VI – Inexistindo condenação ao ressarcimento por danos estéticos, não há interesse recursal do réu sobre a matéria.

VII – O pagamento das custas recursais é ato incompatível com a alegação de insuficiência de recursos para o custeio das despesas processuais, devendo, portanto, ser indeferida a gratuidade de justiça.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0396.05.021785-2/001 – COMARCA DE MANTENA – APELANTE(S): MÁRCIO VAZ DE ANDRADE – APELADO(A)(S): DANIEL FERREIRA DE ALMEIDA – INTERESSADO: JORGE GONÇALVES LOURES

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 18ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, à unanimidade, em NEGAR PROVIMENTO.

DES. JOÃO CANCIO

RELATOR.

DES. JOÃO CANCIO (RELATOR)

V O T O

Cuidam os autos de recurso de apelação interposto por MÁRCIO VAZ DE ANDRADE em face da r. sentença proferida pelo MM. Juiz de Direito da2ª Vara Cível, Criminal e da Infância e Juventude da Comarca de Mantena, carreada às f. 192/199, que julgou parcialmente procedente os pedidos inaugurais da ação de indenização por danos materiais e morais movida por DANIEL FERREIRA DE ALMEIDA em face do ora apelante e de JORGE GONÇALVES LOURES, condenando o primeiro réu ao pagamento de indenização por danos materiais consistente no pagamento de metade das despesas comprovadas às f. 27/29, compensadas com o valor recebido a título de DPVAT; indenização por lucros cessantes de 1/4 do salário mínimo vigente à época do fato; e, por fim, reparação por danos morais no importe de R$11.000,00.

Em suas razões, às f. 203/216, o apelante conta que “… no dia 01/11/2004, (…) ao estacionar o seu veículo e abrir a porta para sair foi surpreendido e abalroado pelo Apelado, que vindo em sua direção chocou-se na porta de seu veículo, desequilibrando-se, vindo a cair, ocasião em que chocou-se na lateral do caminhão (V3), o qual passava no momento, causando lesões e escoriações motivadas pelo caminhão e não pela batida no veículo do Apelante, que já se encontrava estacionado” (f. 204).

Argumenta que o apelado não conduzia sua bicicleta com a devida atenção, agindo de forma negligente e imprudente, sem observância das regras de trânsito e causando o sinistro descrito na inicial, como demonstra o Boletim de Ocorrência lavrado à época dos fatos; dessa forma, não há falar-se em ato ilícito praticado pelo apelante, ou em culpa do mesmo, eis que o ora recorrente apenas estacionava seu veículo de acordo com as normas de trânsito, quando, ao abrir a porta, foi surpreendido brusca e abruptamente pelo apelado.

Aduz que a conduta do apelado, ao tentar atribuir-lhe a responsabilidade pelo ocorrido e buscando auferir lucro, deve responder por litigância de má-fé, pois “ele sim é quem deve indenizar o Apelante, pois foi o único responsável pela colisão ocorrida e pelos danos sofridos” (f. 205), afastando-se a responsabilidade do apelante por culpa exclusiva da vítima.

Discorreu sobre a reparação por danos morais e por danos estéticos, defendendo a inexistência de ambos, requerendo, ao final, o provimento do recurso, para improcedência dos pedidos inaugurais, e a concessão dos benefícios da gratuidade de justiça.

Preparo às f. 217.

Recebido o recurso em seus efeitos devolutivo e suspensivo às f. 218.

Contrarrazões às f. 219/225, pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

Passo a decidir.

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso.

Ausentes preliminares, passo, diretamente, à análise do mérito recursal.

Cuidam os autos de ação de indenização por danos materiais, morais e estéticos decorrentes de acidente de veículos, por meio da qual pretende o autor Daniel Ferreira de Almeida ver os requeridos Márcio Vaz de Andrade e Jorge Gonçalves Loures condenados a reparar-lhe prejuízos de ordem material (despesas com tratamento médico, fisioterapia e medicamentos, viagens entre Colatina/ES e Mantena/MG, e lucros cessantes, considerado o rendimento médio mensal de R$700,00, cujo valor total deveria ser apurado em liquidação), moral (não inferior a R$7.000,00) e estética.

De acordo com a narrativa inicial, o autor trafegava com sua bicicleta em 1º/12/2004 quando o primeiro réu, sem olhar para trás, abriu a porta de seu veículo e atingiu o autor, que se desequilibrou e veio a se chocar com o veículo do segundo réu, resultando diversas lesões.

Atendido no hospital em Mantena, foi transferido para a cidade de Colatina (ES), e lá permaneceu internado até 31/12/2004, retornando ao hospital em 06/01/2005 para realização de enxerto na perna, com alta médica em 14/01/2005, restando, no entanto, deformidade permanente grave no membro inferior.

O primeiro réu, além de contestar a ação (f. 36/50), apresentou reconvenção às f. 51/55, pretendendo, com a procedência, seja a culpa pelo acidente atribuída ao reconvindo/autor da ação. O segundo réu também apresentou contestação, às f. 74/79.

A sentença julgou extinta a reconvenção, sem resolução do mérito, nos termos do art. 267, VI, do CPC, e julgou parcialmente procedentes os pedidos inaugurais, condenando o primeiro réu a pagar ao autor indenização por danos materiais, morais e lucros cessantes, reconhecendo a culpa concorrente do autor e do primeiro réu pelo acidente.

Como cediço, são pilares do dever de indenizar a ocorrência dos requisitos exigidos à responsabilidade civil, nos termos em que estatuídos nos arts. 927, 186 e 187 do CC/02. A saber:

“Art. 927 – Aquele que, por ato ilícito (art.186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”

Da lege lata, extrai-se, portanto, que ao direito à reparação exige-se ocorrência de ato ilícito, nexo causal e dano.

Analisando o que consta dos autos, vê-se que é incontroversa a ocorrência do acidente que envolveu as partes, restando controvertidas a aferição de culpa e dos danos passíveis de indenização experimentados pelo autor.

1. Da aferição da culpa:

O apelante pretende ver afastada sua parcela de culpa pelo acidente, defendendo a responsabilidade exclusiva da vítima pelo ocorrido.

A respeito da culpa pelo acidente, vê-se que o autor a atribui ao requerido, alegando que trafegava em via pública com sua bicicleta quando foi atingido pela porta do carro do primeiro réu, que a abriu sem cercar-se das devidas cautelas, enquanto o 1º réu/apelante defende que o acidente ocorreu por culpa exclusiva do autor, que conduzia sua bicicleta de forma negligente e imprudente, sem observância das regras de trânsito.

Pelo teor das alegações das partes e das provas colacionadas aos autos, não há dúvida de que o autor trafegava pela rua quando foi atingido pela porta do veículo do ora apelante, ao ser aberta, e, após desequilibrar-se, veio a se chocar contra um caminhão que passava pelo local.

Confira-se trecho da narrativa do boletim de ocorrência,que traz a versão do próprio apelante:

“(…) Segundo a versão do proprietário do (V2) Gol ao estacionar o seu veículo e abrir a porta para sair, momento em que o condutor (VIT) da bicicleta trafegava no local, vindo em direção ao centro, chocou-se na porta de seu veículo, desiquilibrando-se (sic), e em seguida abalroou na lateral do caminhão (V3) e caindo em baixo das rodas traseiras; este trafegava a esta via indo em direção ao bairro Vila Nova. Em conseqüência do acidente o condutor (VIT) do (V-1) sofreu lesões diversas, fraturas e escoriações, sendo socorrido pelo proprietário do (V-2) Gol, e levado para o P.A. do Hospital São Vicente de Paula e atendida pelo Dr. Mário Sérgio que forneceu a declaração médica que segue em anexo…” (f. 24).

Bem assim, o depoimento da única testemunha ouvida que presenciou os fatos:

“… presenciou o acidente pois estava dentro da cabine do caminhão com o segundo réu, Jorge, sendo Jorge o motorista, em relação ao BO que já se encontra nos autos, não se lembra, porém, lido o BO pelo procurador do réu, confirma que o condutor da bicicleta bateu na porta do veículo Gol que se abria, desequilibrando-se e indo em direção embaixo da roda do caminhão que passava, a velocidade do caminhão era de 20KM, pois ali era subida e tinha quebra-mola, havia carros parados nos dois sentidos, o réu socorreu a vítima e a levou para o hospital, a vítima saiu com vida de lá, o fato ocorreu em trecho urbano e a rua não era muito larga, segundo o depoente, o causador foi o motorista do Gol, o segundo réu é pessoa séria e ficou impressionado com o que aconteceu. (depoimento da testemunha Liayr Barbosa da Silva, f. 171).

A respeito, colhe-se do Código de Trânsito Brasileiro (Lei nº 9.503/97) que aquele que pretende abrir a porta do veículo, seja condutor ou passageiro, deve cercar-se das cautelas necessárias:

Art. 49. O condutor e os passageiros não deverão abrir a porta do veículo, deixá-la aberta ou descer do veículo sem antes se certificarem de que isso não constitui perigo para eles e para outros usuários da via.

Parágrafo único. O embarque e o desembarque devem ocorrer sempre do lado da calçada, exceto para o condutor.

Dessa forma, não há como se afastar a culpa do 1º requerido pelo evento, já que o mesmo não empregou as cautelas necessárias quando pretendia descer do veículo, tendo sido negligente ao abrir a porta de seu veículo sem verificar se tal movimento exporia alguém que passava pelo local a perigo, o que veio a ocasionar o choque da bicicleta do autor com seu carro e, posteriormente, com o caminhão do segundo réu.  [grifos não são do original]

Por outro lado, merece destaque o reconhecimento, pelo Magistrado primevo, da culpa concorrente do autor, que, segundo afirmado na sentença “… desenvolvia velocidade desproporcional, pois se tratava de uma descida no sentido em que trafegava, conforme f. 171 e não conseguiu frear sua bicicleta, a qual provavelmente se situava no ‘ponto cego’ do veículo do 1º Réu, no momento em que este abriu a porta e provocou o choque” (f. 195), o que não é passível de revisão para que não haja “reformatio in pejus”. [grifos não são do original]

Deve, portanto, prevalecer o comando sentencial que reconheceu a culpa concorrente do autor e do primeiro réu, na proporção de 50% para cada parte.

2. Dos danos materiais:

Procedendo à leitura dos pedidos formulados ao final da peça recursal, nota-se que pretendido, com o provimento do recurso, a improcedência total dos pedidos inaugurais.

“DIANTE DO EXPOSTO, Requer seja dado provimento ao presente recurso de Apelação para o fim de ser julgado IMPROCEDENTE o pedido inicial, e, desta forma, CASSADA/REFORMADA a Douta Decisão ora atacada, condenando-se o Apelado nas verbas consectárias e outras cominações de estilo, porque assim Vossas Excelências estarão agindo humanamente justo socialmente acertado e juridicamente correto, evitando soluções amargas e a prática da injustiça, exacerbadas, indo além da realidade do feito.” (f. 215).

Todavia, conquanto haja condenação do recorrente, na sentença, ao ressarcimento dos danos materiais – neles englobados os danos emergentes e os lucros cessantes – nota-se que apelante não cuidou de manifestar em suas razões recursais a motivação para o pedido de reforma a respeito.

O art. 514 do CPC, em seu inciso II, exige como requisito essencial de regularidade formal da apelação, os fundamentos de fato e de direito para reforma da decisão, de modo que o apelante deve apresentar, em suas as razões recursais, fundamentação capaz de refutar o que restou decidido na sentença guerreada e coerente com o teor do decisum lançado.

Assim sendo, uma vez que, na espécie, o apelante não trouxe as razões para afastar a procedência do pedido de ressarcimento dos danos materiais, deixo de apreciar o pedido, com fulcro no art.514, II do CPC.

3. Dos danos estéticos:

Nas razões de recurso, insurge-se o apelante contra suposta condenação ao ressarcimento por danos estéticos, alegando sua inexistência.

No entanto, extrai-se da sentença que não houve a mencionada condenação.

Confira-se:

“O dano estético é aquele que abala a aparência da pessoa, o seu modo de se mostrar no seio social. O prejuízo estético apto a gerar a reparação pecuniária é aquele que deixa qualquer marca ou cicatriz capaz de causar um sentimento de repulsa àquele que a vê, afetando seriamente a autoestima de quem o sofreu. Portanto é um dano de viés social.

E, nesse diapasão, não foram produzidas provas no sentido acima.

Eventuais sequelas na perna do autor não devem ser consideradas como dano estético passível de reparação, até mesmo porque em razão de sua atual religião, sequer deixa à exposição as marcas do acidente, como colocado a f. 119/120, ocasião em que admitiu que ‘não tem vergonha da cicatriz porque ninguém a vê'” (f. 197).

Dessa forma, julgado improcedente o pedido de ressarcimento por dano estético, carece o recorrente de interesse recursal a respeito, razão pela qual deixo de conhecer do respectivo pedido de reforma.

4. Dos danos morais:

Na inicial da ação, pleiteia o autor ser ressarcido por danos morais que alega ter sofrido em decorrência do acidente, relatando que ficou impossibilitado de trabalhar e tal situação trouxe transtornos e constrangimentos a si e à sua família, pretendendo minimizar o sofrimento vivenciado através do recebimento da indenização pretendida.

De fato, os relatórios médicos que instruem os autos dão conta de que o autor sofreu “fratura parcial platô tibial ext. joelho dir” (f. 14) além de “lesões de partes moles do MID” (f. 15), que demandaram a realização de “enxerto livre de pele” (f. 16) e a internação hospitalar pelo período de 03/12/2004 a 31/12/2004 (f. 15), e, posteriormente, entre 06/01/2005 e 14/01/2005 (f. 16).

Na lição de YUSSEF SAID CAHALI1, o dano moral pode ser conceituado como “…a privação ou diminuição daqueles bens que têm um valor precípuo na vida do homem e que são a paz, a tranqüilidade de espírito, a liberdade individual, a integridade individual, a integridade física, a honra e os demais sagrados afetos, classificando-se desse modo, em dano que afeta a parte social do patrimônio moral (honra, reputação, etc.) e dano que molesta a parte afetiva do patrimônio moral (dor, tristeza, saudade, etc.), dano moral que provoca direta ou indiretamente dano patrimonial (cicatriz deformante, etc.) e dano moral puro (dor, tristeza, etc.)”

Especialmente quanto à reparação por danos morais, impõe-se cuidado na análise de sua configuração, pois meros aborrecimentos e insatisfações cotidianos, por se tratarem de fatos corriqueiros e atinentes à vida em sociedade, não se devem atribuir indenização.

Diz a doutrina:

“Para evitar excessos e abusos, recomenda Sérgio Cavalieri, com razão que só se deve reputar como dano moral ‘a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exarcerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia-a-dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo2” (g.n.)

No caso presente, os autos revelam que o acidente desencadeou ao autor conseqüências que vão além das situações cotidianas, gerando danos passíveis de reparação de ordem moral.

O desgaste, a angústia e a dor suportados pelo autor em função do acidente e durante o período de recuperação não se limitam a meros aborrecimentos, tratando-se de concretos danos morais que merecem ser indenizados satisfatoriamente.

Diante da inexistência de parâmetros estabelecidos por lei para a quantificação do dano moral, doutrina e jurisprudência vêm se manifestando no sentido de que a indenização deve ser fixada em valor suficiente a compensar o ofendido pelo prejuízo experimentado sem gerar enriquecimento indevido, desestimulando, por outro lado, a reiteração da conduta pelo ofensor, o que exige do magistrado a observância dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade.

A respeito, a lição de Sérgio Cavalieri Filho:

“Uma das objeções que se fazia à reparabilidade do dano moral era a dificuldade para se apurar o valor desse dano, ou seja, para quantificá-lo. (…) Cabe ao juiz, de acordo com o seu prudente arbítrio, atentando para a repercussão do dano e a possibilidade econômica do ofensor, estimar uma quantia a título de reparação pelo dano moral.

(…)

Creio, também, que este é outro ponto onde o princípio da lógica do razoável deve ser a bússula norteadora do julgador. Razoável é aquilo que é sensato, comedido, moderado; que guarda uma certa proporcionalidade. A razoabilidade é o critério que permite cotejar meios e fins, causas e conseqüências, de modo a aferir a lógica da decisão. Para que a decisão seja razoável é necessário que a conclusão nela estabelecida seja adequada aos motivos que a determinaram; que os meios escolhidos sejam compatíveis com os fins visados; que a sanção seja proporcional ao dano. Importa dizer que o juiz, ao valorar o dano moral, deve arbitrar uma quantia que, de acordo com o seu prudente arbítrio, seja compatível com a reprovabilidade da conduta ilícita, a intensidade e duração do sofrimento experimentado pela vítima, a capacidade econômica do causador do dano, as condições sociais do ofendido, e outras circunstâncias mais que se fizerem presentes” (‘Programa de Responsabilidade Civil’, Editora Atlas, 8ª edição, 2009, pág. 91/93).

Assim sendo, em atenção às especificidades do caso em comento, tenho que o valor de R$11.000,00 (onze mil reais) fixado na sentença, já considerando a culpa concorrente das partes pelo evento, mostra-se suficiente e adequado à efetiva reparação do ofendido pelos danos sofridos, levando-se em conta o padrão sócio-econômico das partes, devendo, portanto, ser mantido.

5. Da Gratuidade de Justiça:

Pretende o apelante a concessão dos benefícios da Gratuidade de Justiça, afirmando ser pobre e não possuir recursos suficientes para custeio do processo sem prejuízo do sustento próprio e de sua família.

Cediço que, nos termos da Lei de Assistência Judiciária Gratuita (Lei nº 1.060/50) basta que a parte simplesmente afirme que não possui condições econômicas de arcar com as custas do processo para que lhe seja concedido o benefício, não havendo exigência de comprovação nesse sentido.

Todavia, entendo que a norma do artigo 4º da referida lei, editada no ano de 1950, não foi recepcionada pela Constituição de 1988, que em seu art. 5º, LXXIV, determina:

“Art. 5º. LXXIV – o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos;”

Dessa feita, conclui-se que o dispositivo do artigo 4º da Lei 1.060/50 não foi recepcionado pela Constituição de 1988, ou que a Lei deve ser interpretada de acordo com o dispositivo constitucional. É evidente, portanto, que a concessão da justiça gratuita está condicionada à prova da hipossuficiência econômica pela parte interessada.

Nesse sentido tem entendido a jurisprudência do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – ASSISTÊNCIA GRATUITA JUDICIÁRIA – PESSOA FÍSICA – NECESSIDADE DA COMPROVAÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA A concessão do benefício á assistência judiciária deverá ser dada mediante comprovação de hipossuficiência de recursos nos autos. NEGAR PROVIMENTO (Agravo nº 1.0407.09.024193-3/002; Relator: Des.(a) WANDERLEY PAIVA; DJ 09/02/2011; TJMG)

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA – PESSOA FÍSICA – CAPACIDADE ECONÔMICA – Evidenciado nos autos elementos que denotam a capacidade econômica da parte, não há deferir-lhe o benefício da justiça gratuita.. (AGRAVO DE INSTRUMENTO CV Nº 1.0024.10.106012-7/001; Relator: Des.(a) SELMA MARQUES; DJ 26/01/2011; TJMG)

Assim também decidiu o C. STJ:

EMENTA: ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA – LEI 1.060 – OBRIGAÇÃO DO ESTADO. O ESTADO SÓ É OBRIGADO A PRESTAR ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA INTEGRAL E GRATUITA AOS QUE COMPROVAREM INSUFICIÊNCIA DE RECURSO. RECURSO PROVIDO. (Relator: Ministro GARCIA VIEIRA REsp 120574/RS DJ: 15/09/1997; STJ)

No caso dos autos, o 1º réu/apelante, conquanto tenha requerido a concessão da gratuidade de justiça no apelo, procedeu ao recolhimento das custas recursais (f. 217), ato incompatível com a alegação de insuficiência de recursos para custeio das despesas processuais.

Nestes termos, impõe-se o indeferimento do pedido de gratuidade de justiça.

6. Da litigância de má-fé:

Defende o apelante que o apelado agiu de má-fé ao atribuir-lhe a culpa pelo ocorrido, alterando a verdade dos fatos e usando do processo para conseguir objetivo ilegal, a impor condenação às penas por litigância de má-fé.

No entanto, não vislumbro conduta capciosa do apelado na formulação dos pedidos iniciais e ao longo do trâmite processual, a ensejar aplicação da sanção requerida no recurso, o que se reforça pelo reconhecimento da culpa concorrente das partes pelo acidente, que ora se mantém.

O c. Superior Tribunal de Justiça possui orientação no sentido de que “…a condenação por litigância de má-fé pressupõe a ocorrência de alguma das hipóteses previstas em lei (art. 17 do CPC) e configuradoras do dano processual. Não há de ser aplicada a multa processual se ausente a comprovação nos autos do inequívoco abuso e da conduta maliciosa da parte em prejuízo do normal trâmite do processo.” (Resp 731197/SP – Teori Albino Zavascki. Pub. 06.06.2005) (grifo nosso)

Considerando que a marcha processual teve seu tramite regular, e exercido amplamente o direito constitucional de ampla defesa pela parte ré, entendo que, in casu, o apelado não agiu com má-fé, dolo ou intenção prejudicar a parte contrária.

CONCLUSÃO

Pelo exposto, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO, mantendo inalterada a sentença de primeiro grau.

Custas recursais pelo apelante.

É como voto.

DES. CORRÊA CAMARGO (REVISOR) – De acordo com o(a) Relator(a).

DES. GUILHERME LUCIANO BAETA NUNES – De acordo com o(a) Relator(a).

SÚMULA: “NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.”

1 Dano Moral, Editora Revista dos Tribunais, 2ª edição, São Paulo, 1998.

2 Responsabilidade Civil, Carlos Roberto Gonçalves, Editora Saraiva, 8ª edição, São Paulo.