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29 de junho de 2013

31 – AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PASSAGEM DE TREM. LOCAL HABITADO. DANO AMBIENTAL. DANO MORA.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 2002.71.03.001365-4/RS
RELATOR
:
Juiz Federal JOÃO PEDRO GEBRAN NETO
REL. ACÓRDÃO
:
Des. Federal MARIA LÚCIA LUZ LEIRIA
APELANTE
:
ALL AMERICA LATINA LOGISTICA DO BRASIL S/A
ADVOGADO
:
Luiza Dias Cassales
:
Carlos Eduardo Bravo Cassales
:
Luiza Peniza Bravo Cassales
APELADO
:
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
APELADO
:
MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PROCURADOR
:
Claudio Ari Mello
INTERESSADO
:
UNIÃO FEDERAL
ADVOGADO
:
Procuradoria-Regional da União
EMENTA
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PASSAGEM DE TREM. LOCAL HABITADO. DANO AMBIENTAL. DANO MORA.
“Os encargos pela construção, manutenção e segurança são de responsabilidade de quem executou a via mais recente. A ré que se locupleta diretamente com os ganhos econômicos da atividade causadora do risco. Assim, é legítimo, juridicamente, exigir-se desta as providências necessárias à segurança do serviço prestado.É que cabe à prestadora do serviço zelar pela segurança deste a terceiros. Daí, a Administração Ferroviária deveria exigir que o Município cumprisse com o que a lei lhe impôs, e se não exigiu, então cabe a ela executar tais obras e instalar os equipamentos de segurança necessários para tornar segura a prestação do serviço público que executada, ainda que vá, depois, ressarcir-se do primeiro responsável.
O que não pode é a população ser submetida ao eterno aguardo da iniciativa voluntária do Município ou da Administração Ferroviária para a adoção de medidas de segurança, exposta aos riscos gerados pelo serviço que a ré presta, e com o qual tem lucro.
Ou seja, o fato de que a ré, ao explorar a linha férrea, cria, ou pelo menos perpetua, o risco e obtém lucro já é suficiente para que seja compelida a adotar medidas de segurança, ainda que vá, depois, ressarcir-se contra outrem, seja a União ou o Município.
O direito à segurança é direito fundamental tutelado pela Constituição Federal, ao que se soma a exigência infraconstitucional no sentido de que a prestação do serviço público concedido deve atender ao regulamento e às cláusulas contratuais estabelecidas, sendo que artigo 6º da Lei nº 8.987/95 reconhece como serviço adequado aquele que satisfaz, entre outras condições exigidas, a segurança, não havendo espaço para que a ré tente se eximir da obrigação de tornar a prestação do serviço de transporte ferroviário seguro.
Merecem provimento os pedidos constantes na petição inicial quanto à realização de obras e instalação de equipamentos de segurança. Bem assim a limitação de velocidade das composições ferroviárias aos 20 Km/h. Da mesma forma e pela mesma linha lógica, a manutenção do leito da linha ferroviária para garantir adequados níveis de segurança.
E não existe lei federal que, ao dispor sobre trânsito ou transporte, assegure aos transportadores ferroviários o direito de transitar em qualquer lugar e a qualquer hora insuscetíveis a qualquer limitação, donde a norma municipal não colide, sequer indiretamente, com qualquer norma federal.
E, reitero, não se pode olvidar que o trânsito de trens por dentro da cidade, em horário de repouso, gera poluição sonora prejudicial à população, resultando caracterizado o interesse local.
E, reitero também, aos Municípios, em competência comum com os demais entes federados, cumpre “proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas” (art. 23, VI, da CF). E a exigência de respeito a níveis máximos de ruídos é forma utilizada pela Administração para garantir condições adequadas ao sossego e por conseqüência à saúde pública no Município, ou seja, proteção dos seus munícipes diante de eventual risco de comprometimento do meio ambiente local.
Portanto, os trens da autora devem transitar dentro do horário permitido para os níveis de ruído que produzem.
Deste modo, concluo que a ação tem procedência no que respeita à obrigação de não fazer, uma vez que restou provada a ocorrência de poluição sonora em níveis superiores aos permitidos por lei, consoante o laudo técnico da Patrulha Ambiental, corroborado pelo depoimento das testemunhas inquiridas, caracterizando o evento danoso a ser coibido.
Assim impõe-se, neste passo, restringir o trânsito de composições ferroviárias aos horários compatíveis com a Lei Municipal 1970/88, no que diz com os níveis de ruído. E ao caso incidem as normas dos arts. 237 e 239, V, da referida lei, pelo que tenho que resta vedado o trânsito das composições ferroviárias fora do horário compreendido entre das 06h às 20h, independentemente do dia da semana.”
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, negar provimento ao recurso de apelação, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 20 de outubro de 2009.
Des. Federal MARIA LÚCIA LUZ LEIRIA
Relatora para o acórdão

 


Documento eletrônico assinado digitalmente por Des. Federal MARIA LÚCIA LUZ LEIRIA, Relatora para o acórdão, conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil, e a Resolução nº 61/2007, publicada no Diário Eletrônico da 4a Região nº 295 de 24/12/2007. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://www.trf4.gov.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 3117883v3 e, se solicitado, do código CRC 97F1B8E6.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): MARIA LUCIA LUZ LEIRIA:26
Nº de Série do Certificado: 4435E5DF
Data e Hora: 11/11/2009 18:10:51

APELAÇÃO CÍVEL Nº 2002.71.03.001365-4/RS
RELATOR
:
Juiz Federal JOÃO PEDRO GEBRAN NETO
APELANTE
:
ALL AMERICA LATINA LOGISTICA DO BRASIL S/A
ADVOGADO
:
Luiza Dias Cassales
:
Carlos Eduardo Bravo Cassales
:
Luiza Peniza Bravo Cassales
APELADO
:
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
APELADO
:
MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PROCURADOR
:
Claudio Ari Mello
INTERESSADO
:
UNIÃO FEDERAL
ADVOGADO
:
Procuradoria-Regional da União
RELATÓRIO
Trata-se de ação civil pública movida pelo Ministério Público Federal contra All América Latina Logística do Brasil S/A, com o objetivo de responsabilizá-la por dano ambiental e à segurança pública, em razão da exploração do serviço de transporte ferroviário de cargas na cidade de Uruguaiana/RS.
A sentença julgou parcialmente procedente a ação, nos termos do seguinte dispositivo:

 

“…
Ante o exposto, julgo parcialmente procedente o pedido para:

 

Condenar a ré em obrigação de fazer a proceder à reforma e manutenção do leito da via férrea, e executar obras de isolamento e sinalização da via férrea necessárias à segurança da população no perímetro urbano de Uruguaiana, no trecho da linha férrea entre a Ponte Internacional e o Porto Seco localizado junto à BR 290, na forma do item V, alíneas ‘a’ a ‘e’ do pedido, no prazo de dois anos a contar do trânsito em julgado, pena de multa de R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais). A especificação e adequação das obras serão determinadas e aferidas na execução da sentença.

 

Condenar a ré em obrigação de fazer a limitar a velocidade de tráfego de suas composições ferroviárias no perímetro urbano de Uruguaiana a 20km/h, no trecho da linha férrea entre a Ponte Internacional e o Porto Seco localizado junto à BR 290, pena de multa de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), a cada ocorrência, em caso de descumprimento, valor a ser corrigido monetariamente a contar desta data. Tal limitação perdurará enquanto for a via férrea mantida na situação de localização motivadora da presente demanda.

 

Condenar a ré em obrigação de fazer a restringir o horário de trânsito das composições ferroviárias pelo perímetro urbano de Uruguaiana, no trecho da linha férrea entre a Ponte Internacional e o Porto Seco localizado junto à BR 290, ao período compreendido das 06h (seis horas) às 20h (vinte horas) em qualquer dia da semana, vedando o referido trânsito fora destes horários, sob pena de multa no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais), a cada ocorrência, no caso de descumprimento, valor a ser atualizado monetariamente a contar desta data. Tal proibição perdurará enquanto for a via férrea mantida na situação de localização motivadora da presente demanda.

 

Condenar a ré ao pagamento de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) a título de indenização pelos danos ambientais causados, valor a ser revertido para utilização na forma do art. 13 da Lei 7.347/85 e Lei 9.008/95, que deverá ser atualizado monetariamente a contar desta data e acrescido de juros moratórios de 1% ao mês a contar do trânsito em julgado da sentença.

 

Condenar a ré a promover a publicação, em duas edições do jornal de maior circulação estadual e duas edições de jornal de circulação local, resumo da presente decisão, a ser formulado por este Juízo.

 

Condeno a ré ao pagamento das custas processuais. Sem condenação em honorários advocatícios, sendo autor o Ministério Público Federal.
…”
Do julgado apela All América Latina Logística do Brasil S/A, aduzindo, em síntese, que: a) há litisconsórcio necessário entre a União a Rede Ferroviária S/A e o Município de Uruguaiana, aquelas em razão do contrato de concessão e arrendamento, e este por ter permitido a urbanização das faixas de terra pertencentes a União, mediante a construção de ruas asfaltadas, iluminação e serviço de saneamento; b) a exploração do transporte de carga ferroviário na região de Uruguaiana passou a se desenvolver com a utilização dos leitos ferroviários construídos há mais de cinquenta anos, e que faziam parte do acervo da rede ferroviária S/A, sendo que nos termos do Edital de Licitação, e na data da assinatura do contrato do contrato de concessão (1997), os trechos estavam em pleno funcionamento; c) a condenação aplicada pela sentença é muito severa, pois implica o desembolso de cerca de R$ 3.500.000,00. d) a condenação em proceder a reforma e manutenção do leito da via férrea está desprovida de fundamentação, razão pela qual este item não pode ser mantido; e) a execução das obras de isolamento e sinalização da via férrea necessárias à segurança da população, sob pena de multa de R$ 2.000.000,00, não merece prosperar, pois a teor do disposto no Decreto nº 1.832/96 a responsabilidade pela execução de obras de sinalização é do próprio Município, que deveria ter ocupado o polo passivo da relação processual; f) não restou comprovado que seus trens trafegam em velocidade superior a 20 Km/hora, razão pela qual a limitação de velocidade operada na sentença, sob pena de multa de R$ 20.000,00, não merece amparo; g) a restrição do horário de trânsito no trecho da linha férrea entre a Ponte Internacional e o Porto Seco, no período compreendido entre as seis da manhã às oito da noite, em qualquer dia da semana, sob pena de multa de R$ 100.000,00 a cada ocorrência, vai de encontro ao crescimento da economia e ao progresso; h) a indenização de R$ 1.000.000,00 pelos danos ambientais a que fora condenada a reparar não pode prevalecer, pois as pessoas que reclamam do ruído da ferrovia estão residindo em terreno da União (faixa de domínio), e portanto devem providenciar suas mudanças para área privada, onde não ficarão tão expostas aos barulho excessivo. Além do que, a condenação vultuosa em dano ambiental demandaria uma perícia imparcial, que deveria ter sido feita antes da condenação, possibilitando amplo contraditório e defesa, com base na qual restaria estabelecido se o ruído ultrapassa os decibéis permitidos; i) a condenação à publicação do resumo da sentença em duas edições do jornal de maior circulação estadual e duas edições em jornal de circulação local não pode prevalecer por seu caráter antidemocrático, uma vez que obriga a empresa a denegrir sua própria imagem.

 

Com contrarrazões, vêm os autos a este Tribunal.

 

É o relatório. Peço dia.
VOTO
A lide posta nos autos relaciona-se às consequências advindas da exploração do serviço de transporte ferroviário de cargas na cidade de Uruguaiana/RS, pela empresa All América Latina Logística do Brasil S/A.

 

Os Ministérios Públicos Estadual e Federal, autores da presente ação civil pública, sustentaram, em síntese, que a comunidade de Uruguaiana/RS vem sendo onerada com a poluição sonora causada pelo tráfego excessivo de trens, além de estar exposta a inúmeros riscos por conta da má conservação da ferrovia.

 

A empresa ré, por sua vez, defende que o barulho contestado é inerente ao transporte ferroviário, e que a população mais diretamente afetada por ele ocupa indevidamente faixa de terra cujo domínio é da União. Sustenta que a sua condenação em proceder a reforma e manutenção do leito da via férrea estaria desprovida de fundamentação, e que a responsabilidade pela execução de obras de sinalização da via, necessárias à segurança da população no perímetro urbano, seria do Município.
1. Da preliminar de litisconsórcio passivo necessário.

 

Pede a apelante que seja reconhecida a existência de litisconsórcio passivo do Município de Uruguaiana, porque este seria o responsável pela execução de obras de instalação de alguns dos equipamentos de segurança.

 

A questão não é tão singela que possa ser analisada em apartado do mérito da lide, dada a complexidade da questão.

 

Entretanto, possível antecipar que não vislumbro a ocorrência de litisconsórcio necessário.

 

A discussão sobre a responsabilidade econômica pelo empreendimento de algumas das tarefas relativas aos cruzamento da ferrovia com estradas e ruas municipais não pode ser obstáculo à concretização obras de segurança indispensáveis à garantia de direitos difusos e coletivos.

 

Se, como alegado pela apelante, há dever da municipalidade em promover a sinalização dos cruzamentos, eis que a construção da ferrovia é precedente às vias públicas, deve ser considerado que também há deveres assumidos pela concessionária do serviço público no tocante aos serviços prestados, a manutenção das ferrovias e mesmo a garantia da segurança.

 

Assim, comprovando o alegado pela parte autora, possível que se exija do prestador do serviço público que adote todas as medidas necessárias ao bom desempenho do serviço, sem colocar em risco a saúde ou a vida dos demais indivíduos, sejam eles consumidores deste serviço ou não. Há portanto, responsabilidade jurídica da apelante.

 

De outra banda, embora a empresa apelante alegue que o Município de Uruguaiana seria o responsável pela consecução das obras de segurança para o transporte ferroviário na região, isto não exime a própria apelante da obrigação, nos termos da legislação de regência e do contrato de concessão (como adiante se verá).

 

Por isso, possível que se lhe exija a obrigação, sem que se discuta, nos limites desta lide, eventual direito regressivo contra a municipalidade.

 

O que não se pode permitir é que discussões estranhas aos interesses difusos e coletivos que estão em disputa venham a ser agregadas a este feito, de modo a impedir ou procrastinar, ainda mais, a solução de questões ligadas a direitos fundamentais dos indíviduos.
2.Passo ao exame do mérito.

 

Confrontam-se nestes autos os direitos privados da empresa ré, como o livre exercício de atividade econômica e vinculação aos termos do contrato de concessão, e os direitos coletivos e difusos vinculados à comunidade de Uruguaiana, tais como integridade física, social e ambiental.

 

Equalizar ambos os direitos, sem invalidar nenhum deles, é tarefa que foi atribuída ao julgador da presente lide, tomando-se por base a lei, o contrato e a ponderação de valores constitucionais que se encontram em colisão.

 

Na concretização deste mister, entendo que a sentença recorrida culminou por adotar algumas medidas pertinentes e eficazes, as quais podem eventualmente acarretar em custos imediatos para a empresa apelante, mas certamente evitará muitos outros prejuízos decorrentes de indenizações e reparações de danos, que a mesma certamente já suporta em face dos muitos acidentes já ocorridos na localidade (dever de indenizar previsto até mesmo em sede contratual consoante art. 9º, XIII – fl. 324).

 

E, diga-se, isto olhando-se exclusivamente sob a perspectiva dos interesses econômicos da apelante.

 

Maior razão terá a decisão atacada se analisada sob o prisma dos direitos individuais, difusos e coletivos que passam a ser assegurados por algumas medidas que se impôs à recorrente.

 

Mas, todavia, com este breve intróito não se está a dizer que a sentença merece ser integralmente mantida.
2.1 Do dever de reformar e proceder a manutenção do leito ferroviário.

 

De início, não há falar em nulidade da sentença neste tópico, por ausência de fundamentação como sustentou a empresa apelante, uma vez que além de se tratar de responsabilidade advinda do contrato de exploração do serviço (fl. 317 e seguintes – dentre eles inciso XXIII), o MM. Juízo a quo fundamentou amplamente a necessidade de serem efetivadas medidas de segurança, capazes de minorar os ônus que vem sofrendo a população pela passagem excessiva de trens no perímetro urbano, dentre os quais, a reforma e manutenção do leito ferroviário pela empresa exploradora do serviço, destacando o disposto no art. 12 do Decreto 1832/96.

 

Transcrevo pertinente trecho da sentença:

 

Dão conta, os autos, de que as composições de trens de propriedade da ALL atravessam a cidade de Uruguaiana várias vezes por dia, passando por áreas completamente povoadas, sem qualquer tipo de isolamento físico dos trilhos, sendo que pessoas caminham e crianças brincam sobre os trilhos (fls.129, 133 e 254/258, 948/949).

 

Também resta demonstrado que em alguns pontos da via férrea em questão, a distância entre esta e as casas ali existente é de poucos metros (fls. 130, 254/258), bem como de que os cruzamentos entre aquela e as vias urbanas não possui qualquer tipo de equipamento de segurança (cancelas, semáforos).

 

Demonstram, ainda, os autos, que por várias vezes nesta cidade de Uruguaiana ocorreram acidentes envolvendo trens da ALL, nos quais pessoas foram mutiladas ou perderam sua vida, dando conta de diversos casos fatais.

 

Encontram-se colacionadas nos autos várias notícias e reportagens demonstrando a ocorrência de acidentes com trens em Uruguaiana, algumas contendo fotos de pessoas que tiverem braços e pernas decepados (fls. 237/239, 242/243), em outras, o descarrilamento de um trem dentro do perímetro urbano, em bairro de alta densidade demográfica (fls. 344), havendo ainda o registro de inúmeros acidentes com veículos (fls. 277/280, 787 e 950/951).

 

E não se trata de um ou dois trens, mas de 06 (seis) trens por dia, sendo que um trem pode ser composto de 40, 50 ou até 100 vagões, sendo que cada vagão pode transportar até 57 toneladas, conforme consta em depoimentos de funcionário da empresa ré (fls. 1134).

 

Temos, então 2.000 toneladas, 2.000.000 Kg (dois milhões de kilogramas) transportados em uma composição trafegando por dentro de uma cidade com mais de 140.000 habitantes, sem qualquer estrutura de isolamento físico da via férrea.

 

Tal situação é de grande risco e não pode perdurar.

 

Assim resta suficientemente demonstrado o risco a que a população local encontra-se exposta no seu dia-a-dia, bem como que os meios de prevenção de acidentes, até então adotados, não têm sido eficazes, fazendo-se necessária a adoção de novas medidas de segurança.

 

A parte ré, visando se subtrair da responsabilidade pela adoção de medidas efetivas para garantir a segurança da população, alega que os encargos decorrentes das obras e equipamentos necessários para prevenção de acidentes devem ser suportados pelo Município de Uruguaiana, uma vez que as vias urbanas foram construídas posteriormente à via férrea, invocando para tanto o disposto no § 4º do art. 10 do Decreto nº 1.832, de 4 de março de 1996, que assim dispõe:

 

“Art. 10. A Administração Ferroviária não poderá impedir a travessia de suas linhas por outras vias, anterior ou posteriormente estabelecidas, devendo os pontos de cruzamento ser fixados pela Administração Ferroviária, tendo em vista a segurança do tráfego e observadas as normas e a legislação vigentes.
§ 1º omissis.
§ 2º omissis.
§ 3º omissis.
§ 4º O responsável pela execução da via mais recente assumirá todos os encargos decorrentes da construção e manutenção das obras e instalações necessárias ao cruzamento, bem como pela segurança da circulação no local”.

 

Assim, como a linha férrea que passa por dentro da cidade de Uruguaiana precede às vias públicas que a atravessam, o responsável por tais medidas de segurança seria o Município.

 

Não resta dúvida de que os encargos pela construção, manutenção e segurança são de responsabilidade de quem executou a via mais recente.

 

Mas, não menos certo é que é a ré que se locupleta diretamente com os ganhos econômicos da atividade causadora do risco. Assim, é legítimo, juridicamente, exigir-se desta as providências necessárias à segurança do serviço prestado.

 

É que cabe à prestadora do serviço zelar pela segurança deste a terceiros. Daí, a Administração Ferroviária deveria exigir que o Município cumprisse com o que a lei lhe impôs, e se não exigiu, então cabe a ela executar tais obras e instalar os equipamentos de segurança necessários para tornar segura a prestação do serviço público que executada, ainda que vá, depois, ressarcir-se do primeiro responsável.

 

Isto é, a responsabilidade por proporcionar garantia de segurança quando a ré desenvolve as atividades atinentes à prestação do serviço público é uma questão. A responsabilidade última pelo dispêndio com a obra é assunto outro, pois se trata de garantir a incolumidade pública, de maneira que aquelas questões devem ser tratadas em ação própria, quando então seria viável a discussão sobre qual via precede a outra e a quem incumbe pagar a obra.

 

O que não pode é a população ser submetida ao eterno aguardo da iniciativa voluntária do Município ou da Administração Ferroviária para a adoção de medidas de segurança, exposta aos riscos gerados pelo serviço que a ré presta, e com o qual tem lucro.

 

Ou seja, o fato de que a ré, ao explorar a linha férrea, cria, ou pelo menos perpetua, o risco e obtém lucro já é suficiente para que seja compelida a adotar medidas de segurança, ainda que vá, depois, ressarcir-se contra outrem, seja a União ou o Município.

 

O direito à segurança é direito fundamental tutelado pela Constituição Federal, ao que se soma a exigência infraconstitucional no sentido de que a prestação do serviço público concedido deve atender ao regulamento e às cláusulas contratuais estabelecidas, sendo que artigo 6º da Lei nº 8.987/95 reconhece como serviço adequado aquele que satisfaz, entre outras condições exigidas, a segurança, não havendo espaço para que a ré tente se eximir da obrigação de tornar a prestação do serviço de transporte ferroviário seguro.

 

E tal segurança diz não só com os usuários do serviço, mas se refere a toda coletividade que seja atingida de uma ou outra forma pela esfera de atuação do concessionário do serviço público.

 

Não bastasse a norma geral supra, também o art. 12 do Decreto nº 1.832, de 4 de março de 1996, contempla como sendo obrigação da ré a implantação de dispositivos de proteção e segurança ao longo de suas faixas de domínio.

 

Transcrevo o art. 12 do Decreto nº 1.832/96.

 

Art. 12. A Administração Ferroviária deverá implantar dispositivos de proteção e segurança ao longo de suas faixas de domínio.

 

E o Art. 1º, parágrafo único, alínea “b”, do mesmo Decreto dispõe que se entende por Administração Ferroviária a empresa privada, o órgão ou entidade pública competentes, que já exista ou venha a ser criado, para a construção, operação ou exploração comercial de ferrovias.

 

Daí, é exigível da ré a implantação dos dispositivos de segurança ao longo da via férrea, às suas expensas, pois mesmo que não seja a ré a única pessoa de quem se possa exigir tal obrigação, é certo que desta pode ser exigido, por força da lei, do decreto e do princípio básico da responsabilidade civil de que quem produz o risco deve promover as medidas necessárias à segurança.

 

E o art. 58, II, do Decreto 1.832/96, trata das penalidades que deverão constar no contrato de concessão para serem aplicadas pela infração ao regulamento em voga, inclusive pela violação de seu art. 12 supratranscrito.

 

Com efeito, o perigo que representa para a população local a passagem dos trens da ré por dentro da cidade está suficientemente demonstrado nos autos (fls. 237, 242/243, 277/281, 787/788, 950) dando conta de acidentes envolvendo trens da ré vitimando pessoas e arrastando veículos. Aliás, o risco que representam as composições ferroviárias é bem traduzido pela previsão trazida pelo regulamento dos transportes ferroviários ao tratar de questões atinentes à segurança, evidenciando a preocupação do legislador com a segurança no tocante a esta atividade.

 

Permitem também, os autos, que se constate a ausência de qualquer dispositivo de proteção e segurança ao longo da linha férrea que atravessa a cidade dividido-a em duas, pois não há qualquer tipo de isolamento por onde passam os trilhos, conforme dão conta fotografias acostadas às fls. 128/134 e 948/949, além dos depoimentos colhidos em juízo e em sede de inquérito civil público..

 

Para evidenciar a ausência de qualquer tipo de isolamento, veja-se uma criança de bicicleta próxima aos trilhos (fl. 129), bem como crianças brincando sobre os trilhos (fl. 133), sendo que tais fotografias mostram a proximidade das casas e dos trilhos (fls. 128/134 e 254/258).

 

Daí que, frente a tal situação, na qual as atividades desenvolvidas pela ré para prestação de serviço público concedido, pela qual obtém ganho, colocam em constante risco a segurança da população local, sem que nenhuma providência tenha sido adotada visando minimizar tais riscos, ainda que previstas em leis, e estando o direito à segurança garantido pela Constituição, merecem provimento os pedidos constantes na petição inicial quanto à realização de obras e instalação de equipamentos de segurança. Bem assim a limitação de velocidade das composições ferroviárias aos 20 Km/h.

 

Da mesma forma e pela mesma linha lógica, a manutenção do leito da linha ferroviária para garantir adequados níveis de segurança.”
(negretei).

 

Como bem relatado a empresa ALL em suas razões de apelação, quando assumiu a exploração do transporte de carga ferroviário na região de Uruguaiana em 1997, os leitos estavam em pleno funcionamento. Neste passo, é seu dever manter e conservar a ferrovia para que a exploração se dê de forma adequada e segura.

 

Neste sentido dispõe o Decreto nº 1.832/1996, que regulamenta os transportes ferroviários:

 

Art. 4º As Administrações Ferroviárias ficam sujeitas à supervisão e à fiscalização do Ministério dos Transportes, na forma deste Regulamento e da legislação vigente, e deverão:
I – cumprir e fazer cumprir, nos prazos determinados, as medidas de segurança e regularidade do tráfego que forem exigidas;

 

Art. 10 A Administração Ferroviária não poderá impedir a travessia de suas linhas por outras vias, anterior ou posteriormente estabelecidas, devendo os pontos de cruzamento ser fixados pela Administração Ferroviária, tendo em vista a segurança do tráfego e observadas as normas e a legislação vigentes.

 

§ 1º A travessia far-se-á preferencialmente em níveis diferentes, devendo as passagens de nível ser gradativamente eliminadas.

 

§ 2º Em casos excepcionais, será admitida a travessia no mesmo nível, mediante condições estabelecidas entre as partes.

 

§ 3º a Administração Ferroviária não poderá deixar isoladas, sem possibilidade de acesso, partes do terreno atravessado por suas linhas.

 

§ 4º O responsável pela execução da via mais recente assumirá todos os encargos decorrentes da construção e manutenção das obras e instalações necessárias ao cruzamento, bem como pela segurança da circulação local

 

Art. 12. A Administração Ferroviária deverá implantar dispositivos de proteção e segurança ao longo de suas faixas de domínio.

 

E o contrato de concessão firmado entre a empresa exploradora do serviço de transporte ferroviário e a União (fls. 317):

 

“5.2 – DA SEGURANÇA DO SERVIÇO

 

A CONCESISONÁRIA obedecerá às normas de segurança vigentes para a prestação do serviço objeto da CONCESSÃO e para a operação e a manutenção dos ativos a ela vinculados.

 

9.1 – DAS OBRIGAÇÕES DA CONCESSIONÁRIA:
(…)
V) Adotar medidas necessárias e ações adequadas para evitar ou corrigir danos ao meio ambiente causados pelo empreendimento, observada a legislação aplicável e as recomendações da CONCEDENTE específicas para o setor de transporte ferroviário;
(…)
XXIII – manter as condições de segurança operacional da ferrovia de acordo com as normas em vigor;”

 

Assim, correta a sentença no tocante a obrigação de realização de manutenção da ferrovia e a implementação equipamentos de segurança.

 

Aliás, deve ser destacado que o MM. Julgador atuou com ponderação e razoabilidade ao fixar prazo dilatado para implementação das medidas (dois anos), incidindo penalidade apenas a partir do vencimento deste prazo.

 

Diante destes elementos, não merece reforma a sentença quanto à condenação da empresa em promover a reforma e a manutenção do leito da via férrea, além da execução de obras de isolamento e sinalização do leito ferroviário, necessárias à segurança da população.
2.2 Da limitação da velocidade de tráfego das composições ferroviárias no perímetro urbano em 20km/h

 

Também neste tópico não merece reforma a sentença, uma vez que plenamente razoável a limitação de velocidade, medida que além de não implicar qualquer custo à empresa transportadora, contribui para a prevenção de acidentes na via urbana.

 

Aliás, como a própria apelante afirma que costuma trafegar nesta velocidade, de forma que a limitação estabelecida nesta via judicial apenas consolida prática que já vem sendo observada pela empresa.
2.3 Da limitação do horário de tráfego

 

A limitação do horário de tráfego, permitindo que o mesmo ocorra entre as 06h (seis horas) e 20h (vinte horas) também é razoável, uma vez que paralelamente ao progresso e a expansão da economia devem ser respeitados os direitos fundamentais dos cidadãos, dentre os quais o direito ao descanso e à qualidade de vida.

 

Se a ferrovia corta o perímetro urbano da cidade, duas alterativas mostram-se razoáveis para assegurar o equilíbrio entre o progresso e o direito ao descanso dos indíviduos: instalar novas linhas férreas que desviem a cidade; b) limitar o horário de tráfego, impossibilitando-o durante o período de descanso da maioria dos indíviduos.
A limitação promovida pela sentença apresenta-se, portanto, proporcional e razoável diante dos bens que se acham em conflito.
2.4 Da condenação em danos ambientais

 

Melhor sorte acolhe a empresa apelante quanto à sua condenação de indenizar danos ambientais, lastreada pelo MM. Juízo a quo na poluição sonora produzida pelo tráfego das composições ferroviárias.

 

Com efeito, não foi efetivada nestes autos perícia para aferir o grau de lesividade do barulho produzido pela passagem dos trens, além do que, é sabido que o desconforto maior desta atividade é suportado pelos cidadãos cujas residências estão alocadas mais próximas à ferrovia, muitas em situação de irregularidade, porquanto construídas em terreno de domínio da União.

 

Desta forma, entendo ser indevida a condenação por dano ambienal da empresa que licitamente explora o serviço de transporte ferroviário concedido pela União.

 

Como ressaltado pela Ilustre Desembargadora Sílvia Goraieb, ao lavrar o voto divergente no AI nº 2005.04.01.034851-5, interposto contra a liminar proferida nestes autos:

 

“…
A linha férrea da cidade de Uruguaiana/RS remonta ao século XVIII e tornou-se um dos principais corredores de exportação, com forte participação nos acréscimos econômicos estaduais e nacionais. Os contornos desta realidade fática, aliás, são traçados com absoluta propriedade nos memorais distribuídos pela agravante.
Já em 1873 o governo imperial autorizou a construção de estradas de ferro que interligassem as capitais das províncias às suas fronteiras. Passado o período inicial de consolidação da infra-estrutura, o ramal ferroviário começou a fomentar a economia, e mostrou tetos de desenvolvimento certamente diferenciados, se comparados àquelas localidades que não foram contempladas com o caminho dos trilhos.
Esta pequena introdução revela aspectos importantes, porque quando se ventila a possibilidade de se estabelecerem medidas restritivas à concessionária da ferrovia, está-se, na verdade, colocando obstáculos ao desenvolvimento da economia e da livre iniciativa.
Atenta-se, no caso, contra a própria estrada de ferro e sua natureza essencial. Não se pode desconsiderar que Uruguaiana ainda era uma vila quando começou a construção da estrada de ferro. Reconhecida pelo Lei Provincial n.º 58/1846, só veio a ser reconhecida como cidade pela Lei n.º 898, de 06/04/1874. A partir do momento em que a estrada de ferro chegou à cidade (1907), o desenvolvimento elevou seus níveis vertiginosamente, atingindo o estágio de 4º maior município do Rio Grande do Sul.
Importante anotar, que cidades outras de igual localização privilegiada não alcançaram o mesmo patamar de desenvolvimento, o que se pode atribuir, em grande percentual, à ausência elementos de incremento econômico, como a ferrovia, que deu suporte ao crescimento da região.
…”

 

Portanto, como bem resumido pela Ilustre Desembargadora, foram a própria ferrovia e os benefícios à economia local que dela advém, alguns dos responsáveis pelo crescimento da cidade de Uruguaiana, de forma que condenar a empresa exploradora do serviço concedido pela União ao pagamento de dano ambiental por consequência que é ínsita a própria atividade (barulho), não se mostra razoável ou mesmo justo.

 

A minorar os desconfortos sonoros advindos da passagem dos trens, mostra-se eficaz a imposição de limite de velocidade e de horário de tráfego, como já referido acima.
2.5 Da condenação em promover publicação da sentença em periódico estadual e local

 

Merece acolhida o apelo também quanto ao pedido de afastamento da condenação em promover a publicação de extrato da decisão em jornal de grande circulação local e estadual.

 

Como efeito, a par de interessar a toda a comunidade local, a pretensão deduzida nesta ação revelou-se parcialmente procedente, ressentindo-se de razoabilidade imputar exclusivamente à apelante a obrigação de, às suas expensas, promover a divulgação do julgado.
2.6 Do pedido do Município para integrar a lide como Assistente Simples

 

Na ação cautelar de nº 2009.04.00.025720-8, proposta originariamente nesta Corte contra a All América Latina Logística do Brasil S/A e a União, e também nestes autos da ação civil pública, o Município de Uruguaiana postula o seu ingresso na lide como Assistente Simples da parte autora.

 

Entendo que merece ser acolhido o pedido, porquanto o interesse da municipalidade está consubstanciado nos riscos sofridos pelos munícipes, que seguidamente têm sido vitimas dos acidentes ocorridos na via férrea, fatos notórios e devidamente comprovados nos autos.
3. Da antecipação de tutela

 

Na ação cautelar acima referida foi postulada a antecipação da tutela recursal pelo Município de Uruguaiana/RS, para que a empresa promova desde já a troca de todos os dormentes danificados, e instale cancelas eletrônicas em todos os cruzamentos da via férrea no perímetro urbano.

 

Entendo ser inviável o ajuizamento de medida cautelar para buscar a efeito equivalente à antecipação de tutela. Por este motivo indeferi liminarmente a medida cautelar proposta pelo Município de Uruguaiana e determinei o apensamento daqueles autos a este.

 

Recebo, agora, aquele pedido como se antecipação dos efeitos da tutela fosse. É que a pretensão da municipalidade, como antes referido, tem por escopo o início do cumprimento das medidas judiciais já determinadas na sentença.

 

E, neste particular, com a presente decisão, resta reforçado o dever da ré em dar implemento às obrigações a que foi condenada, de modo a garantir a segurança e saúde da população local.

 

Trata-se de dever inerente ao contrato de concessão entabulado com o Poder Público e a legislação de regência, além de ser medida urgente em face da precariedade das condições dos trilhos, conforme elementos probatórios juntados aos autos, bem como o transcurso de mais de sete anos desde a propositura da ação, o que está a agravar os riscos e danos sofridos pela população local.

 

A empresa, após a publicação deste julgamento, sob a fiscalização dos órgãos públicos responsáveis, no prazo máximo de 60 dias, deverá dar início à troca dos dormentes que estiverem em más condições, além da instalação de cancelas eletrônicas em todos os cruzamentos da via férrea no perímetro urbano.

 

O descumprimento implicará multa diária de R$ 10.000,00.

 

Assim, forte no disposto no art. 273, do Código de Processo Civil, deferido a antecipação dos efeitos da tutela, para fins de determinar à parte ré que de imediato início às obras e empreendimentos necessários para manutenção da ferrovia, bem como ao cumprimento da velocidade e horário de tráfego dos trens.

 

Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação da Empresa ALL, para o fim de afastar a sua condenação em danos ambientais e publicação da sentença em periódico, autorizar o ingresso do Município de Uruguaiana na lide, na condição de Assistente Simples da parte autora, e antecipar os efeitos da tutela, para fins de determinar à parte ré que de imediato início às obras e empreendimentos necessários para manutenção da ferrovia, bem como ao cumprimento da velocidade e horário de tráfego dos trens.
É o voto.
Juiz Federal JOÃO PEDRO GEBRAN NETO
Relator

 


Documento eletrônico assinado digitalmente por Juiz Federal JOÃO PEDRO GEBRAN NETO, Relator, conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil, e a Resolução nº 61/2007, publicada no Diário Eletrônico da 4a Região nº 295 de 24/12/2007. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://www.trf4.gov.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 3010326v12 e, se solicitado, do código CRC B9EE157C.
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Data e Hora: 16/09/2009 14:06:36

APELAÇÃO CÍVEL Nº 2002.71.03.001365-4/RS
RELATOR
:
Juiz Federal JOÃO PEDRO GEBRAN NETO
APELANTE
:
ALL AMERICA LATINA LOGISTICA DO BRASIL S/A
ADVOGADO
:
Luiza Dias Cassales
:
Carlos Eduardo Bravo Cassales
:
Luiza Peniza Bravo Cassales
APELADO
:
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
APELADO
:
MINISTERIO PUBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL
PROCURADOR
:
Claudio Ari Mello
INTERESSADO
:
UNIÃO FEDERAL
ADVOGADO
:
Procuradoria-Regional da União
VOTO-VISTA
Peço vênia para divergir do Eminente Relator.
Tenho que deve ser mantida a sentença recorrida, da qual transcrevo o trecho a seguir e cujos fundamentos adoto como razões de decidir:

 

“(…)
Ausentes preliminares, principio por apreciar as questões atinentes ao risco viário.
Dão conta, os autos, de que as composições de trens de propriedade da ALL atravessam a cidade de Uruguaiana várias vezes por dia, passando por áreas completamente povoadas, sem qualquer tipo de isolamento físico dos trilhos, sendo que pessoas caminham e crianças brincam sobre os trilhos (fls.129, 133 e 254/258, 948/949).
Também resta demonstrado que em alguns pontos da via férrea em questão, a distância entre esta e as casas ali existente é de poucos metros (fls. 130, 254/258), bem como de que os cruzamentos entre aquela e as vias urbanas não possui qualquer tipo de equipamento de segurança (cancelas, semáforos).
Demonstram, ainda, os autos, que por várias vezes nesta cidade de Uruguaiana ocorreram acidentes envolvendo trens da ALL, nos quais pessoas foram mutiladas ou perderam sua vida, dando conta de diversos casos fatais.
Encontram-se colacionadas nos autos várias notícias e reportagens demonstrando a ocorrência de acidentes com trens em Uruguaiana, algumas contendo fotos de pessoas que tiverem braços e pernas decepados (fls. 237/239, 242/243), em outras, o descarrilamento de um trem dentro do perímetro urbano, em bairro de alta densidade demográfica (fls. 344), havendo ainda o registro de inúmeros acidentes com veículos (fls. 277/280, 787 e 950/951).
E não se trata de um ou dois trens, mas de 06 (seis) trens por dia, sendo que um trem pode ser composto de 40, 50 ou até 100 vagões, sendo que cada vagão pode transportar até 57 toneladas, conforme consta em depoimentos de funcionário da empresa ré (fls. 1134).
Temos, então 2.000 toneladas, 2.000.000 Kg (dois milhões de kilogramas) transportados em uma composição trafegando por dentro de uma cidade com mais de 140.000 habitantes, sem qualquer estrutura de isolamento físico da via férrea.
Tal situação é de grande risco e não pode perdurar.
Assim resta suficientemente demonstrado o risco a que a população local encontra-se exposta no seu dia-a-dia, bem como que os meios de prevenção de acidentes, até então adotados, não têm sido eficazes, fazendo-se necessária a adoção de novas medidas de segurança.
A parte ré, visando se subtrair da responsabilidade pela adoção de medidas efetivas para garantir a segurança da população, alega que os encargos decorrentes das obras e equipamentos necessários para prevenção de acidentes devem ser suportados pelo Município de Uruguaiana, uma vez que as vias urbanas foram construídas posteriormente à via férrea, invocando para tanto o disposto no § 4º do art. 10 do Decreto nº 1.832, de 4 de março de 1996, que assim dispõe:
“Art. 10. A Administração Ferroviária não poderá impedir a travessia de suas linhas por outras vias, anterior ou posteriormente estabelecidas, devendo os pontos de cruzamento ser fixados pela Administração Ferroviária, tendo em vista a segurança do tráfego e observadas as normas e a legislação vigentes.
§ 1º omissis.
§ 2º omissis.
§ 3º omissis.
§ 4º O responsável pela execução da via mais recente assumirá todos os encargos decorrentes da construção e manutenção das obras e instalações necessárias ao cruzamento, bem como pela segurança da circulação no local”.
Assim, como a linha férrea que passa por dentro da cidade de Uruguaiana precede às vias públicas que a atravessam, o responsável por tais medidas de segurança seria o Município.
Não resta dúvida de que os encargos pela construção, manutenção e segurança são de responsabilidade de quem executou a via mais recente.
Mas, não menos certo é que é a ré que se locupleta diretamente com os ganhos econômicos da atividade causadora do risco. Assim, é legítimo, juridicamente, exigir-se desta as providências necessárias à segurança do serviço prestado.
É que cabe à prestadora do serviço zelar pela segurança deste a terceiros. Daí, a Administração Ferroviária deveria exigir que o Município cumprisse com o que a lei lhe impôs, e se não exigiu, então cabe a ela executar tais obras e instalar os equipamentos de segurança necessários para tornar segura a prestação do serviço público que executada, ainda que vá, depois, ressarcir-se do primeiro responsável.
Isto é, a responsabilidade por proporcionar garantia de segurança quando a ré desenvolve as atividades atinentes à prestação do serviço público é uma questão. A responsabilidade última pelo dispêndio com a obra é assunto outro, pois se trata de garantir a incolumidade pública, de maneira que aquelas questões devem ser tratadas em ação própria, quando então seria viável a discussão sobre qual via precede a outra e a quem incumbe pagar a obra.
O que não pode é a população ser submetida ao eterno aguardo da iniciativa voluntária do Município ou da Administração Ferroviária para a adoção de medidas de segurança, exposta aos riscos gerados pelo serviço que a ré presta, e com o qual tem lucro.
Ou seja, o fato de que a ré, ao explorar a linha férrea, cria, ou pelo menos perpetua, o risco e obtém lucro já é suficiente para que seja compelida a adotar medidas de segurança, ainda que vá, depois, ressarcir-se contra outrem, seja a União ou o Município.
O direito à segurança é direito fundamental tutelado pela Constituição Federal, ao que se soma a exigência infraconstitucional no sentido de que a prestação do serviço público concedido deve atender ao regulamento e às cláusulas contratuais estabelecidas, sendo que artigo 6º da Lei nº 8.987/95 reconhece como serviço adequado aquele que satisfaz, entre outras condições exigidas, a segurança, não havendo espaço para que a ré tente se eximir da obrigação de tornar a prestação do serviço de transporte ferroviário seguro.
E tal segurança diz não só com os usuários do serviço, mas se refere a toda coletividade que seja atingida de uma ou outra forma pela esfera de atuação do concessionário do serviço público.
Não bastasse a norma geral supra, também o art. 12 do Decreto nº 1.832, de 4 de março de 1996, contempla como sendo obrigação da ré a implantação de dispositivos de proteção e segurança ao longo de suas faixas de domínio.
Transcrevo o art. 12 do Decreto nº 1.832/96.
Art. 12. A Administração Ferroviária deverá implantar dispositivos de proteção e segurança ao longo de suas faixas de domínio.
E o Art. 1º, parágrafo único, alínea “b”, do mesmo Decreto dispõe que se entende por Administração Ferroviária a empresa privada, o órgão ou entidade pública competentes, que já exista ou venha a ser criado, para a construção, operação ou exploração comercial de ferrovias.
Daí, é exigível da ré a implantação dos dispositivos de segurança ao longo da via férrea, às suas expensas, pois mesmo que não seja a ré a única pessoa de quem se possa exigir tal obrigação, é certo que desta pode ser exigido, por força da lei, do decreto e do princípio básico da responsabilidade civil de que quem produz o risco deve promover as medidas necessárias à segurança.
E o art. 58, II, do Decreto 1.832/96, trata das penalidades que deverão constar no contrato de concessão para serem aplicadas pela infração ao regulamento em voga, inclusive pela violação de seu art. 12 supratranscrito.
Com efeito, o perigo que representa para a população local a passagem dos trens da ré por dentro da cidade está suficientemente demonstrado nos autos (fls. 237, 242/243, 277/281, 787/788, 950) dando conta de acidentes envolvendo trens da ré vitimando pessoas e arrastando veículos. Aliás, o risco que representam as composições ferroviárias é bem traduzido pela previsão trazida pelo regulamento dos transportes ferroviários ao tratar de questões atinentes à segurança, evidenciando a preocupação do legislador com a segurança no tocante a esta atividade.
Permitem também, os autos, que se constate a ausência de qualquer dispositivo de proteção e segurança ao longo da linha férrea que atravessa a cidade dividido-a em duas, pois não há qualquer tipo de isolamento por onde passam os trilhos, conforme dão conta fotografias acostadas às fls. 128/134 e 948/949, além dos depoimentos colhidos em juízo e em sede de inquérito civil público..
Para evidenciar a ausência de qualquer tipo de isolamento, veja-se uma criança de bicicleta próxima aos trilhos (fl. 129), bem como crianças brincando sobre os trilhos (fl. 133), sendo que tais fotografias mostram a proximidade das casas e dos trilhos (fls. 128/134 e 254/258).
Daí que, frente a tal situação, na qual as atividades desenvolvidas pela ré para prestação de serviço público concedido, pela qual obtém ganho, colocam em constante risco a segurança da população local, sem que nenhuma providência tenha sido adotada visando minimizar tais riscos, ainda que previstas em leis, e estando o direito à segurança garantido pela Constituição, merecem provimento os pedidos constantes na petição inicial quanto à realização de obras e instalação de equipamentos de segurança. Bem assim a limitação de velocidade das composições ferroviárias aos 20 Km/h.
Da mesma forma e pela mesma linha lógica, a manutenção do leito da linha ferroviária para garantir adequados níveis de segurança.
Consigno que seria bastante melhor que fossem definidas nos autos com precisão, e expressamente determinadas no dispositivo sentencial, quais as obras a serem realizadas. Entretanto, tal definição demandaria grande delonga processual e elevados custos com perícia sendo que não pode ser desconsiderado ser pública a existência de tratativas, junto à comunidade e local e administração competente, acerca da possibilidade de remoção da via férrea para fora do perímetro urbano. Assim, tenho que é adequado relegar para liquidação de sentença por artigos tal definição que, conforme se desenrolem os fatos, poderá restar prejudicada.
Passo a apreciar as questões atinentes ao dano ambiental.
Conforme já foi consignado na decisão que antecipou os efeitos da sentença, em levantamento para medição de ruído realizado pela PATRAM-BM, foi constatado que os trens da ré ao cruzarem por dentro da cidade de Uruguaiana produzem ruídos em níveis nocivos ao bem estar da população, pois muito acima daqueles estipulados como aceitáveis pela Resolução CONAMA nº 01/90, ao adotar como padrão a NBR 10.151 da ABNT, inclusive em total desrespeito a Lei Municipal nº 1.970/88, que também impõe limites à produção de ruídos.
Tais travessias, por vezes, ocorrem em horário noturno, inclusive pela madrugada e em sábados e domingos, ou seja, em horário de repouso, perturbando o sossego na área próxima dos trilhos até diversas quadras de distância.
Como apontado na decisão liminar, já pelas regras gerais de convivência seria possível dar suporte ao pleito da parte autora, pois é fato notório, percebido por qualquer indivíduo mediano desta comunidade, que o trânsito de trens por dentro da cidade, em horário de repouso noturno, é fator de perturbação ao bem estar da população.
E em aferição técnica, restou constatado que os ruídos provocados pela passagem dos trens da ré em áreas habitadas se mostraram superiores aos permitidos pela Lei Municipal nº 1.970/88, art. 234 e seguintes.
Ainda, o inquérito o civil público que resultou no ajuizamento da presente ação civil pública teve origem em pedido de providência por parte de uma associação local de proteção ao meio ambiente (fl. 37) e representação de moradores (fls. 39/42), demonstrando, mais uma vez, que os ruídos provocados pelos trens transitando por dentro da cidade em horário de repouso estão perturbando o sossego da população local.
A prova testemunhal colhida corrobora a demonstração de como a população é exposta à perturbação do seu sossego em decorrência do trânsito dos trens por dentro de perímetro urbano de Uruguaiana, conforme se vê dos trechos a seguir transcritos, de depoimentos acerca da passagem das composições ferroviárias pela cidade:
– Juraci Luques Jacques (fl. 557/558):
“(…) todas as noites que passa me acordo. Porque eu sou uma pessoa que 10 horas eu tenho que me recolher porque no outro dia tenho que levantar cedo, e toda vez que ele passa acorda não só eu como toda a minha família (…) ontem foi uma deles. Ele subia e depois desceu, foi fazer a coisa e tinha passado da esquina, ele voltou, quando pegou a pressão vinha passando um carro argentino ele freou. Foi um estouro muito grande, porque os vagões se batem um no outro. Foi ontem por volta de dez horas mais ou menos(…) “
Luiz Augusto Lima Fonseca (fls. 561/573):
“(…) e me incomodou muito especialmente, como lhe falei há pouco tempo atrás, porque eles passam, de madrugada, buzinam, acordam a gente. Houve uma época até, coincidentemente, que eu não dormia esperando o trem passar, para dormir depois de o trem passar. Então eu ficava trabalhando no micro até 2, 3 horas da manhã, depois que o trem passava eu ia dormir (…) eles deixam a máquina funcionando e aí é como o senhor ter uma lavadora dentro do quarto funcionando a noite inteira. Uma lavadora de roupas, por assim dizer. E é bem incômodo (…).”
Ademir Valdemar Beraldini (fls. 574/576):
“(…) Incomoda o descanso…Eu sou um homem que trabalho de doze a catorze horas por dia (…) Aí vêm os efeitos colaterais doutor, porque… veja bem, você ter a noite mal dormida, no dia seguinte o senhor não produz bem, não trabalha bem, o senhor tá indisposto, o senhor se aborrece porque, porque acontece isso e as pessoas não compreendem (…).”
A parte ré alega que procura evitar o trânsito de trens pela cidade na madrugada, somente ocorrendo tal hipótese de forma esporádica.
A testemunha João Batista Porcela Vieira, funcionário da ré, disse ter conhecimento de que as pessoas se queixavam do barulho ocasionado pelo ruído excessivo dos trens (fl. 734).
Não há dúvida de que o trânsito de trens da ALL causa poluição sonora e perturbação ao sossego da população local ao atravessar a cidade em horário de repouso noturno, aos sábados, domingos e feriados.
E a perspectiva futura é de agravamento do problema, haja vista que a tese defensiva é de que tais ônus à população são uma necessidade decorrente da demanda de trânsito de cargas, condição do progresso econômico, em nome do que deveria a população suportar a situação, tão-somente. E tal se torna mais grave quando se trás à baila o depoimento de Miguel Ângelo Evangelista Jorge, preposto da ré (fls. 501/573), dando conta de que a situação somente tende a piorar, em decorrência do aumento do volume de carga esperado com o incremento do Mercosul.
Nessa linha, evoca a ré, em sua defesa, as repercussões econômicas de eventual redução nos horários de trânsito das composições ferroviárias.
Ocorre que, não obstante a relevância prática dos interesses econômicos, o direito a um ambiente de vida ecologicamente equilibrado é reconhecido pela Constituição Federal de 1988 como direito fundamental da pessoa.
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Assim, é direito da população de Uruguaiana viver num ambiente sadio e equilibrado, sendo este o intuito da Lei Municipal nº 1.970/88 ao estabelecer os limites de emissão sonora em certos horários.
E mesmo que tal lei não existisse, qualquer situação que rompa os limites de manutenção de equilíbrio ambiental e prive o cidadão de uma sadia qualidade de vida é, por decorrência direta da Constituição Federal, ilícita e tem de ser coibida.
Assim é direito de todos a preservação de horários de repouso e de uma condição ambiental de vida urbana sem perturbações por excessos sonoros, de modo a preservar razoáveis condições de vida aos cidadãos, sendo que a travessia de trens de carga por dentro da cidade, em horário de repouso, rompe com este equilíbrio, degradando severamente a qualidade de vida.
E o fato de que tal prática se destine a dar agilidade ao transporte de cargas no âmbito do Mercosul, ainda que relevante, não se sobrepõe à prévia necessidade de preservação da qualidade de vida dos cidadãos, pois embora exista a necessidade de fomentar as atividades comerciais internacionais, tal progresso somente faz sentido se em conformidade com a lei e compatibilizado com a preservação das condições necessárias à saúde e bem estar das pessoas afetadas por tal trânsito.
Daí que se torna necessária a adequação dos horários de trânsito ferroviário à necessidade da preservação do horário de repouso das pessoas, e não o inverso como pretende a ré.
E se, por ventura, não puder a ré cumprir com as metas estabelecidas no contrato de concessão do serviço, caber-lhe-á buscar a revisão de tais metais, pois amparada em justo motivo, qual seja, uma decisão judicial limitando horários para a passagem de seus trens por dentro da cidade de Uruguaiana, caso não seja possível adequar o fluxo aos horários.
E cabe referir que todo este contexto, tanto no que diz com as questões de segurança viária quanto perturbação do sossego público, era de notório conhecimento, logo de conhecimento da ré ao concorrer e vencer o leilão para exploração das linhas ferroviárias.
Assim, não prospera a tese da América Latina Logística de se eximir de qualquer responsabilidade alegando que primeiro vieram os trilhos e depois a população. Não há dúvida disso; porém, após a população veio a América Latina Logística para Uruguaiana. Esta chegou por último, já sabendo de tais problemas. Mas com uma diferença, aufere lucro com sua atividade, a qual, além de pôr em constante risco a segurança da população local, causa transtorno em face da poluição sonora provocada pelo trânsito de seus trens por dentro da cidade em horário de repouso.
O fato de o transporte ferroviário possuir destacada importância para a economia local e regional, porém, não é suficiente para afastar o direito à preservação de horários de repouso e de uma sadia condição ambiental para o gozo da vida urbana.
Ao contrário, é caso de tornar compatível o exercício de ambos, não se sustentando a pretensão da ré, que pretende impere absoluta a necessidade de fomento comercial, em demonstrado prejuízo a uma equilibrada condição ambiental.
Nesse passo, a obediência à Lei Municipal nº 1970/88 se mostra adequada para a restauração deste equilíbrio.
Anoto que a alegação da ré de que a aplicação da lei em comento, implicando limitação ao trânsito local das composições ferroviárias que está inserido em contexto mais amplo, acaba por repercutir fora do município, extrapolando os limites do interesse local não obsta tal aplicação. É que, a manutenção de adequadas condições ambientais nesta cidade é, sem dúvida, interesse local.
E o interesse local diretamente tutelado pela norma da Lei Municipal 1970/88 é a preservação das condições de vida urbana, evitando-se o excesso de poluição sonora, pela limitação de ruídos a níveis toleráveis e compatíveis com os horários de repouso.
Da mesma forma, ainda que o objeto da norma evocada fosse a gestão do trânsito urbano numa cidade, tal seria sem dúvida, interesse local.
E, acima de tudo, no caso, trata-se de legislação para proteção ambiental, sendo que o direito ao ambiente equilibrado e saudável é assegurado constitucionalmente, donde mesmo que inexistisse a norma municipal, seria juridicamente exigível, impondo-se seja judicialmente tutelado.
Assim, mesmo considerando-se a competência privativa da União para legislar sobre diretrizes da política nacional de transportes e sobre trânsito e transporte, tal não arreda o poder-dever de o Município proteger o meio ambiente (art. 23, VI), em competência concorrente com os demais entes, bem como de zelar pela adequada qualidade de vida de sua população. E, repito, a Lei Municipal em questão não é evocada pela normatização do trânsito, mas sim pela limitação de ruídos.
E não existe lei federal que, ao dispor sobre trânsito ou transporte, assegure aos transportadores ferroviários o direito de transitar em qualquer lugar e a qualquer hora insuscetíveis a qualquer limitação, donde a norma municipal não colide, sequer indiretamente, com qualquer norma federal.
E, reitero, não se pode olvidar que o trânsito de trens por dentro da cidade, em horário de repouso, gera poluição sonora prejudicial à população, resultando caracterizado o interesse local.
E, reitero também, aos Municípios, em competência comum com os demais entes federados, cumpre “proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas” (art. 23, VI, da CF). E a exigência de respeito a níveis máximos de ruídos é forma utilizada pela Administração para garantir condições adequadas ao sossego e por conseqüência à saúde pública no Município, ou seja, proteção dos seus munícipes diante de eventual risco de comprometimento do meio ambiente local.
Portanto, os trens da autora devem transitar dentro do horário permitido para os níveis de ruído que produzem.
Deste modo, concluo que a ação tem procedência no que respeita à obrigação de não fazer, uma vez que restou provada a ocorrência de poluição sonora em níveis superiores aos permitidos por lei, consoante o laudo técnico da Patrulha Ambiental, corroborado pelo depoimento das testemunhas inquiridas, caracterizando o evento danoso a ser coibido.
E mais além do que apenas a existência de verificação técnica dos níveis de ruído produzidos, a indicar elevados níveis potencialmente nocivos, a prova dos autos, conforme depoimentos colhidos, demonstra que ocorre o efetivo e concreto comprometimento da qualidade de vida nesta localidade por decorrência do trânsito irrestrito das composições ferroviárias. E ainda que inexistisse a prova testemunhal, tal fato é notório, haja vista que é de mediana e evidente compreensão que a passagem de um trem próximo a uma residência produz ruído suficiente, seja por seu apito seja pelo estremecer do solo, seja pelo chacoalhar dos vagões, para interromper o sono de quem esteja em repouso noturno.
Assim impõe-se, neste passo, restringir o trânsito de composições ferroviárias aos horários compatíveis com a Lei Municipal 1970/88, no que diz com os níveis de ruído. E ao caso incidem as normas dos arts. 237 e 239, V, da referida lei, pelo que tenho que resta vedado o trânsito das composições ferroviárias fora do horário compreendido entre das 06h às 20h, independentemente do dia da semana.
É que, pela norma do art. 237, haveria vedação ao trânsito em maior faixa de horário, em feriados e em domingos. Mas a norma do art. 239, V, cria regime específico para apitos, buzinas e outros aparelhos de advertência de veículos em movimento. E embora os ruídos do trem não se restrinjam ao apito, é plausível inferir, da norma, que os ruídos decorrentes do trânsito dos veículos ficam excepcionados dos horários do art. 237, aplicando-se o art. 239.
Quanto ao pedido de redução do volume dos apitos, nesse passo, a redução destes implicaria elevação do risco de acidentes, pelo que tenho por desacolher tal postulação.
Da indenização pelo dano ambiental.
Conforme restou demonstrado pela prova carreada aos autos, os trens da ré, ao cruzarem por dentro da cidade de Uruguaiana, produzem, há alguns anos, ruídos em níveis nocivos ao bem estar da população, sendo que tais travessias, por vezes, ocorrem em horários noturnos, inclusive pela madrugada e em sábados e domingos, ou seja, em horário de repouso, perturbando o sossego na área próxima dos trilhos até algumas quadras.
Restou constatado que os ruídos provocados pela passagem dos trens da ré em áreas habitadas se mostraram superiores aos permitidos pela Lei Municipal nº 1.970/88, art. 234 e seguintes, bem como muito acima daqueles estipulados como aceitáveis pela Resolução CONAMA nº 01/90, ao adotar como padrão a NBR 10.151 da ABNT, conforme demonstra o laudo elaborado pela Patrulha Ambiental (fls. 78/82).
Ainda de observar que, o inquérito civil público que resultou no ajuizamento da presente ação civil pública teve origem em pedido de providência por parte de uma associação local de proteção ao meio ambiente (fl. 37) e representação de moradores de Uruguaiana (fls. 39/42), demonstrando que os ruídos provocados pelos trens transitando por dentro da cidade em horário de repouso é fator de perturbação do sossego da população local.
A prova testemunhal carreada aos autos também demonstra como a população é exposta à perturbação do seu sossego em decorrência do trânsito dos trens por dentro de perímetro urbano de Uruguaiana, conforme se vê dos trechos a seguir transcritos:
– Juraci Luques Jacques (fl. 557/558):
“(…) todas as noites que passa em me acordo. Porque eu sou uma pessoa que 10 horas eu tenho que me recolher porque no outro dia tenho que levantar cedo, e toda vez que ele passa acorda não só eu como toda a minha família (…) ontem foi uma deles. Ele subia e depois desceu, foi fazer a coisa e tinha passado da esquina, ele voltou, quando pegou a pressão vinha passando um carro argentino ele freou. Foi um estouro muito grande, porque os vagões se batem um no outro. Foi ontem por volta de dez horas mais ou menos(…) “
Luiz Augusto Lima Fonseca (fls. 561/573):
“(…) e me incomodou muito especialmente, como lhe falei há pouco tempo atrás, porque eles passam, de madrugada, buzinam, acordam a gente. Houve uma época até, coincidentemente, que eu não dormia esperando o trem passar, para dormir depois de o trem passar. Então eu ficava trabalhando no micro até 2, 3 horas da manhã, depois que o trem passava eu ia dormir (…) eles deixam a máquina funcionando e aí é como o senhor ter uma lavadora dentro do quarto funcionando a noite inteira. Uma lavadora de roupas, por assim dizer. E é bem incômodo (…).”
Ademir Valdemar Beraldini (fls. 574/576):
“(…) Incomoda o descanso…Eu sou um homem que trabalho de doze a catorze horas por dia (…) Aí vêm os efeitos colaterais doutor, porque… veja bem, você ter a noite mal dormida, no dia seguinte o senhor não produz bem, não trabalha bem, o senhor tá indisposto, o senhor se aborrece porque, porque acontece isso e as pessoas não compreendem (…).”
Assim, trata-se de evento danoso incontroverso, estando plenamente estabelecido o nexo de causalidade entre a ação do agente e a lesão ambiental produzida pelos trens da ré ao trafegarem por dentro do perímetro urbano de Uruguaiana em horário de repouso noturno, em total desrespeito às normas que estabelecem os limites de emissão de ruídos em tais horários.
A Constituição Federal adota um conceito abrangente de meio ambiente, ao reconhecer o direito a um ambiente de vida ecologicamente equilibrado como direito fundamental do homem (art. 225), inclusive prevendo as responsabilidades civil, penal e administrativa daquele que causar dano ao meio ambiente, conforme previsão da Lei 6.938, de 31-08-81, art. 14, §1º, recepcionada pelo §3º do art. 225 da Carta Política.
No caso, além de existir forte corrente de entendimento de que seja objetiva a responsabilidade civil pelo dano ambiental, pelo que esta depende apenas da caracterização do dano e do nexo causal, ou seja, não se aprecia subjetivamente a conduta do poluidor/degradador, mas, sim, a ocorrência de resultado prejudicial ao homem e ao seu ambiente, no caso dos autos mesmo a culpa subjetiva pode ser reconhecida, já que a ré deliberadamente transita com as composições ferroviárias em horários noturnos, com plena ciência do dano e não toma medidas para evitá-lo, negligenciando, assim, quanto a este. E nestes autos se encontra suficientemente provada a ocorrência de poluição sonora em níveis superiores aos permitidos por lei, consoante o laudo técnico da Patrulha Ambiental, corroborado pelo depoimento das testemunhas inquiridas, caracterizando o evento danoso que deve ser indenizado.
Presente, assim, o am debeatur.
No que diz com o quantum debeatur, os tribunais pátrios vêm entendendo que nos casos em que se mostra imensurável o bem jurídico atingido, como no caso dos autos, não se faz necessária a prova pericial.
“AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MULTA POR DESCUMPRIMENTO DE ORDEM JUDICIAL IMPOSTA DE OFÍCIO. MOTIVAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE DUPLA CONDENAÇÃO. INDENIZAÇÃO. CRITÉRIO.
1. A imposição de multa por descumprimento de ordem judicial
prescinde de pedido da parte autora, a teor do art. 11 da Lei nº
7.347/85.
2. Presente a motivação para sua quantificação.
3. A cominação de multas diversas para o caso de desobediência a
ordens diferentes não se constitui em dupla condenação.
4. A indenização pelos danos causados em função da ação degradadora dos co-réus dispensa prova pericial, por ser imensurável o bem jurídico atingido.
5. Apelo improvido”. : TRIBUNAL – QUARTA REGIÃO, AC 200204010304857 SC Órgão Julgador: T-3, dec.: 15/04/2003, DJU 07/05/2003, p.666, Relatora MARGA INGE BARTH TESSLER
E exigir que houvesse prova concreta do dano nos autos da ação civil pública, seria premiar o infrator que pratica o ato ilícito com a dificuldade na produção de uma prova do prejuízo concreto, já que não teria como alcançar todas as vezes que os trens da ré passaram por dentro do perímetro urbano de Uruguaiana, emitindo ruídos acima do permitido pela legislação, em horário de repouso. Como se vê, a empresa-ré infringiu a norma ao trafegar com seus trens emitindo ruídos acima do permitido, em horário de repouso e, conseqüentemente, causou danos ambientais que devem ser indenizados, respondendo pelos riscos e danos que assumiu produzir com a prática ilícita que deliberadamente e com finalidades comercial e lucrativa incorreu.
Assim, no tocante ao valor a ser indenizado, caberia avaliar os custos de recomposição da degradação ambiental havida. No caso vertente, resta inviável tal aferição. Daí, necessário é sopesar o alcance do dano, sendo que este atinge, no caso, milhares de munícipes e se prolongou por longo lapso temporal, sendo, assim, de grande extensão. Cabe, também, considerar os resultados econômicos gerados ao causador do dano com a atividade poluente, de modo a estabelecer um patamar para a indenização.
Nessa linha, verifico que, conforme informação trazida pelo Ministério Público Estadual na fl. 756, a ré obteve num único trimestre no ano de 2004, um lucro líquido de R$ 47.600.000,00, informação que, embora veiculada por notícia de jornal, não só não é impugnada como é confirmada pela ré em petição das fls. 761/763.
Também, verifico que a ré informa nos autos, fl. 815, que anualmente investe em média R$ 350.000,00 em obras para controle ambiental.
Assim, em face da extensão do dano e dos elementos econômicos acima colacionados, tenho por adequado arbitrar a indenização pelos danos ambientais causados pela poluição sonora provocada pelo trânsito dos trens da ré por dentro do perímetro urbano de Uruguaiana, em R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), valor que se mostra compatível com o elevado número de pessoas atingidas pelo dano e delonga deste no tempo, mais de dez anos, sem se mostrar excessivo frente a capacidade econômica da ré, tendo em conta os lucros anuais auferidos pela ré, conforme noticiados nos autos, valor a ser revertido para utilização na forma do art. 13 da Lei 7.347/85 e Lei 9.008/95.
Aponto que o valor da indenização, R$ 1.000.000,00, se considerados os dez anos de concessão do serviço, logo dez anos de poluição sob responsabilidade da ré, corresponde a uma indenização anual de R$ 100.000,00, o que não se afigura desproporcionalmente elevado.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, julgo parcialmente procedente o pedido para:
Condenar a ré em obrigação de fazer a proceder à reforma e manutenção do leito da via férrea, e executar obras de isolamento e sinalização da via férrea necessárias à segurança da população no perímetro urbano de Uruguaiana, no trecho da linha férrea entre a Ponte Internacional e o Porto Seco localizado junto à BR 290, na forma do item V, alíneas ‘a’ a ‘e’ do pedido, no prazo de dois anos a contar do trânsito em julgado, pena de multa de R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais). A especificação e adequação das obras serão determinadas e aferidas na execução da sentença.
Condenar a ré em obrigação de fazer a limitar a velocidade de tráfego de suas composições ferroviárias no perímetro urbano de Uruguaiana a 20km/h, no trecho da linha férrea entre a Ponte Internacional e o Porto Seco localizado junto à BR 290, pena de multa de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), a cada ocorrência, em caso de descumprimento, valor a ser corrigido monetariamente a contar desta data. Tal limitação perdurará enquanto for a via férrea mantida na situação de localização motivadora da presente demanda.
Condenar a ré em obrigação de fazer a restringir o horário de trânsito das composições ferroviárias pelo perímetro urbano de Uruguaiana, no trecho da linha férrea entre a Ponte Internacional e o Porto Seco localizado junto à BR 290, ao período compreendido das 06h (seis horas) às 20h (vinte horas) em qualquer dia da semana, vedando o referido trânsito fora destes horários, sob pena de multa no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais), a cada ocorrência, no caso de descumprimento, valor a ser atualizado monetariamente a contar desta data. Tal proibição perdurará enquanto for a via férrea mantida na situação de localização motivadora da presente demanda.
Condenar a ré ao pagamento de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) a título de indenização pelos danos ambientais causados, valor a ser revertido para utilização na forma do art. 13 da Lei 7.347/85 e Lei 9.008/95, que deverá ser atualizado monetariamente a contar desta data e acrescido de juros moratórios de 1% ao mês a contar do trânsito em julgado da sentença.
Condenar a ré a promover a publicação, em duas edições do jornal de maior circulação estadual e duas edições de jornal de circulação local, resumo da presente decisão, a ser formulado por este Juízo.
Condeno a ré ao pagamento das custas processuais. Sem condenação em honorários advocatícios, sendo autor o Ministério Público Federal.

 

No mesmo sentido manifestou-se o Eminente Procurador Regional da República, Dr. Domingos Sávio Dresch da Silveira, por meio do parecer de fls. 1367/1373, do qual transcrevo o trecho a seguir e cujos fundamentos adoto, também, como razões de decidir:

 

2. FUNDAMENTAÇÃO
Não merece provimento o recurso.
Trata-se de apelação da empresa ALL América Latina Logística S/A, em que pretender ver reformada a sentença que a condenou à execução de obras de segurança no perímetro urbano de Uruguaia na, bem como ao pagamento de indenização pelo dano ambiental causado pelos trens, em razão da poluição sonora, arbitrada em R$1.OOO.OOO,OO (um milhão de reais).
Alega a apelante que a responsabilidade por efetuar as obras de segurança é do Município de Uruguaiana. Ainda, afirma que os acidentes ocorrem por falta de instrução e educação das crianças por parte dos pais, não podendo ser responsabilizada por esses fatos.
Por fim, aduz que a indenização é indevida, uma vez que as pessoas que reclamam do ruído do trem residem em terreno de propriedade da União.
Tais alegações não merecem prosperar. Primeiro porque cabe à prestadora de serviços zelar pela segurança destes, evitando que cause danos a terceiros. Segundo, quando há falta de segurança, há um risco muito maior de acidentes, independentemente da educação que os pais dêem às crianças. Por fim, o dano ambiental pela poluição sonora atinge a toda a coletividade, não só àqueles que residem próximo aos trilhos de trem. Ademais, mesmo que as pessoas que reclamaram dos ruídos residam em terreno supostamente da União, ainda assim são pessoas humanas que merecem ter seu direito fundamental à saúde e à integridade física respeitado.
A título de complemento aos argumentos acima e aos expostos nas contra-razões, vale lembrar a posição dos Tribunais sobre a matéria:
Ementa: CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. ATROPELAMENTO EM VIA FÉRREA. MORTE DE PEDESTRE MENOR DE IDADE. DEFICIÊNCIA NO ISOLAMENTO E FISCALIZAÇÃO DA LINHA. RESPONSABILIDADE DA EMPRESA CONCESSIONÁRIA DO TRANSPORTE. DANOS MATERIAIS E MORAIS DEVIDOS. PENSÃO. JUROS MORATÓRIOS. SÚMULA N. 54-STJ. DISPENSA DA CONSTITUIÇÃO DE CAPITAL GARANTIDOR DA OBRIGAÇÃO. INCLUSÃO EM FOLHA DE PAGAMENTO DA FERROVIA.
Prevalece, no Superior Tribunal de Justiça, a orientação jurisprudencial no sentido de que é civilmente responsável a concessionária do transporte ferroviário pelo falecimento de pedestre vítima de atropelamento por trem em via férrea, porquanto incumbe à empresa que explora tal atividade cercar e fiscalizar, eficazmente, a linha, de modo a impedir a sua invasão por terceiros, notada mente em locais urbanos e populosos.
Devido o ressarcimento a título de danos morais, pela dor sofrida com a perda do ente querido por seus pais, bem assim a indenização por danos materiais, no pressuposto de que, em se tratando de família humilde, a filha extinta iria colaborar com a manutenção do lar onde residia com sua família. m. Pensão fixada em dois terços (2/3) do salário mínimo, reduzida a 1/3 (um terço) a partir da data em que a vítima atingiria 25 anos, quando, pela presunção, constituiria nova família, até a longevidade provável prevista em tabela expedida pela Previdência Social, se até lá vivo estiver o pai.
IV. “Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual” (Súmula nO 54-STJ).
V. Recurso conhecido em parte e parcialmente provido.
(STJ – SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, RECURSO ESPECIAL, 200000964310/SP, QUARTA TURMA, DJ DATA: 11/06/2001, PÁGINA:231, Relator(a) ALDIR PASSARINHO JUNIOR) (grifo nosso).
Ementa: EMBARGOS INFRINGENTES – AÇÃO ORDINÁRIA AJUIZADA PELA MÃE BUSCANDO INDENIZAÇÃO POR ATROPELAMENTO E MORTE DE FILHO MENOR, COLHIDO POR COMPOSIÇÃO PERTENCENTE A REDE FERROVIÁRIA FEDERAL S/A (RFFSA) SOBRE OS TRILHOS QUE CORTAVAM A ZONA URBANA DA CIDADE DE SÃO PAULO – SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA, AO ARGUMENTO DE FALTA DE PROVA DE “CULPA”, MANTIDA PELO VOTO DO RELATOR DA 5a TURMA DESTA CORTE REGIONAL – VOTAÇÃO MAJORITÁRIA DIVERGENTE, FAVORÁVEL À PRETENSÃO, RECONHECENDO A RESPONSABILIDADE CIVIL DA REDE FERROVIÁRIA FEDERAL S/A (RFFSA) E O DEVER DE INDENIZAR DANOS MATERIAIS E MORAIS – PRETENSÃO DA UNIÃO FEDERAL, SUCESSORA DA REDE FERROVIÁRIA FEDERAL S/A EM FACE DA EXTINÇÃO DA MESMA, EM VER PREVALECER O VOTO VENCIDO -REJEIÇÃO RESPONSABILIDADE DA EMPRESA FERROVIÁRIA NA CAUSALIDADE DO SINISTRO RECONHECIDA, TAMBÉM À LUZ DO DECRETO NO 2.681 DE 7/9/1912, MESMO QUE SOB A ÓTICA DE “CULPA CONCORRENTE”, JÁ QUE SE OMITIU NO DEVER NECESSÁRIO DE CERCAR E FISCALIZAR A LINHA FÉRREA DE MODO A IMPEDIR COM EFICÁCIA A CIRCULAÇÃO DE PEDESTRES POR ELAS, NOTADAMENTE QUANDO CRUZAM ÁREAS URBANAS POPULOSAS – AUSÊNCIA DE CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA, DE CASO FORTUITO OU FORÇA MAIOR – A DIVERGÊNCIA TOTAL ENTRE O VOTO VENCIDO QUE NADA CONCEDEU À APELANTE, E OS VOTOS MAJORITÁRIOS QUE CONCEDERAM O PEDIDO NA MAIOR PARTE, POSSIBILITA A APRECIAÇÃO DO DISSENSO DA EMBARGANTE NO QUE SE REFERE AOS CAPÍTULOSCOMPONENTES DA INDENIZAÇÃO INDENIZABILIDADE DO DANO MORAL – SUCUMBÊNCIA RECíPROCA NÃO RECONHECIDA – EMBARGOS INFRINGENTES 1M PROVIDOS.
1. A Rede Ferroviária Federal S/A (RFFSA) foi criada mediante autorização da Lei nO 3.115, de 16 de março de 1957, pela consolidação de 18 ferrovias regionais, com o objetivo principal de promover e gerir os interesses da União no setor de transportes ferroviários. Durante 40 anos prestou serviços de transporte ferroviário, atendendo diretamente a 19 unidades da Federação, em quatro das cinco grandes regiões do País, operando uma malha que, em 1996, compreendia cerca de 22 mil quilômetros de linha; incluída no Plano Nacional de Desestatização acabou sendo dissolvida, tudo de acordo com o estabelecido no Decreto nO 3.277, de 7 de dezembro de 1999, alterado pelo Decreto nO 4.109, de 30 de janeiro de 2002, pelo Decreto nO 4.839, de 12 de setembro de 2003, e pelo Decreto nO 5.103, de 11 de junho de 2004; sua liquidação foi iniciada em 17 de dezembro de 1999, por deliberação da Assembléia Geral dos Acionistas foi conduzida sob responsabilidade de uma Comissão de Liquidação, com o seu processo de liquidação supervisionado pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, através do Departamento de Extinção e Liquidação. Finalmente, através da Medida Provisória 353/2007, convertida na Lei nO 11.483/2007, a empresa foi declarada extinta e a União sucedeu-a nos direitos, obrigações e ações judiciais em que esta seja autora, ré, assistente, opoente ou terceira interessada (artigo 2°, I).
2. A questão do índice da responsabilidade, se objetiva ou subjetiva sob a ótica constitucional, na verdade nada interfere em favor da recorrente. Ninguém nega que a morte do menor ocorreu quando o mesmo foi atropelado por uma composição ferroviária; ou seja, o sinistro aconteceu sobre os trilhos de estrada de ferro mantida pela Rede Ferroviária Federal S/A.
3. Responsabilidade que se define também à luz do Decreto nO 2.681, de 7 de dezembro de 1912, artigo 17, onde se estabelece a culpa presumida das empresas ferroviárias não só pela perda ou dilapidação da carga transportada, mas também pelos sinistros em geral ocorridos nessa atividade. Nesse sentido já era a tradicional jurisprudência da Suprema Corte como se vê de RE nO 65.040/GB, j. 20/11/68, Relator Ministro Aliomar Baleeiro e RE nO 75.143/GB, j. j. 3/9/73, Relator Ministro Barros Monteiro. Destarte, a empresa ferroviária só se livraria do dever de indenizar comprovando culpa exclusiva da vítima ou ocorrência de caso fortuito ou força maior (artigo 17, ns. 1 e 2).
4. A propósito de atropelamento de pedestre por composição ferroviária, é antiga e pacífica a posição do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que na melhor das hipóteses há culpa concorrente da empresa ferroviária quando a pessoa é atropelada ao transpor os trilhos. Precedentes: REsp 437.195/SP, ReI. Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, QUARTA TURMA, julgado em 19.06.2007, DJ 06.08.2007 p. 493; EREsp 705.859/SP, ReI. Ministro CASTRO FILHO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 13.12.2006, DJ 08.03.2007 p. 158; Resp 40.189/RJ, ReI. MIN. COSTA LEITE, TERCEIRA TURMA, julgado em 08.03.1994, DJ 11.04.1994 p. 7643.
5. A própria embargante fez juntar aos autos fotocópia de rebatimento fotográfico do local aonde o atropelamento ocorreu e isso só evidenciou o descaso da empresa em evitar sinistros sobre os trilhos, pois se vê claramente que se trata de sítio urbano onde até mesmo veículos transitavam sobre os trilhos, a desmentir a afirmação feita pelo funcionário da ferrovia, prestada a fls. 159, quando disse que no local “só passam trens”. Na verdade o local não dispunha de qualquer obstáculo capaz de evitar o trânsito sobre os trilhos nem de veículos nem de pedestres, situação configuradora do descaso com que a RFFSA tratava a questão da “segurança” nas áreas Iindeiras dos trilhos. Impera o descaso das empresas ferroviárias remanescentes em criarem meios através dos quais os pedestres possam transpor os trilhos em suas atividades diárias sem se exporem a riscos.
6. A afirmação da embargante de que sequer há prova de que “o trem em questão” pertencia à RFFSA gera perplexidade pois foi a própria RFFSA quem, a partir de fls. 124, apresentou fotocópias de fotografias do local do atropelamento. Ainda, na primeira oportunidade que teve para impugnar a demanda, a contestação de fls. 14/28, a ré RFFSA não negou que a composição ferroviária que colheu o menor Amauri Pacheco da Silva lhe pertencia.
7. A matéria aventada no r. voto vencido e nos embargos infringentes não é suficiente para investir contra o julgamento majoritário, porque tanto se pode entender que a responsabilidade da empresa ferroviária é presumida e como tal é estendida, à luz do Decreto nO 2.681 de 7 de dezembro de 1912, a terceiros atingidos pela atividade desempenhada, como também se pode entender que se trata de culpa concorrente porque cabe à empresa que explora essa atividade cercar e fiscalizar a linha de trilhos de modo a impedir com eficácia sua invasão por terceiros, especialmente quando os trilhos correm por área urbana.
8. Grassando divergência total entre o voto vencido e a maioria, porque o primeiro nada concedeu à autora-apelante e os votos majoritários concederam o pedido em sua maior parte, há possibilidade de apreciar dissenso do embargante no tocante aos capítulos da condenação porque a menor proporção deferida ao pleito inicial inclui-se na completitude de nada ser concedido, porque há de se entender como sendo total a devolução permitida pelo voto minoritário.
9. A indenizabilidade do dano moral não necessitava achar-se no plano constitucional para ser cabível, e por isso antes da Constituição Federal de 1988 já havia vários julgados das Cortes Estaduais definindo a indenizabilidade de dano moral, já que a responsabilidade civil em geral era o tema do então artigo 159 do Código Civil. Para além disso, importa dizer que no longo percurso temporal deste processo a causa foi alcançada pela Constituição Federal de 1988 que expressamente dispôs pela indenizabilidade autônoma do dano moral e isso antes mesmo do sentenciamento do feito em 1a. instância.
10. Impõe-se verificar se o quantum estabelecido (cem mil reais) é exagerado como afirma a embargante. Se existe algo que realmente dói na alma é ver um filho morto; sobreviver aos filhos é contra a ordem natural das coisas; a descendência é o que de mais precioso alguém pode legar a este mundo. Difícil imaginar a dor de uma mãe diante do filho, adolescente, trucidado pelas rodas de uma locomotiva. É dor demais! Só mesmo a insensibilidade e o “princípio da máxima economia” que animam as pessoas jurídicas de direito público poderia justificar o intento de deixar a autora sem a reparação pelo sofrimento de baixar à sepultura o corpo desfigurado de um filho de 16 anos. Nada mais precisa ser dito a respeito. O valor de cem mil reais, a ser recebido através do odioso sistema do precatório, só Deus sabe quando, mas seguramente mais de trinta anos depois de ver o filho morto, não é excessivo.
11. A questão da pretendida sucumbência recíproca não comporta acolhimento. Não há vestígio de sucumbência recíproca em proporção tamanha que levasse ao cancelamento da verba honorária devida ao advogado da autora. A autora conseguiu a condenação da ré em danos materiais e morais e só o valor de um e outro foi marcado em extensão menor do que a pretendida na inicial. Realmente, a autora pediu danos materiais equivalentes a um salário mínimo e meio até que seu finado filho atingisse 72 anos, e danos morais de setecentos (700) salários mínimos. O voto majoritário optou por um salário mínimo até os 6S (sessenta e cinco) anos e danos morais de cem mil reais.
12. Embargos infringentes improvidos.
(TRIBUNAL – TERCEIRA REGIÃO, APELAÇÃO cíVEL, 19990399020S404/SP, PRIMEIRA SEÇÃO, DJU DATA: 08/04/2008, PÁGINA: 227, Relator(a) JUIZ JOHONSOM DI SALVO) (grifos nossos).
Dessa maneira, não merece prosperar o recurso de apelação.
3. CONCLUSÃO
Por essas razões, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL opina pelo desprovimento da apelação.

 

Acompanho o relator, entretanto, no tocante à autorização do ingresso do Município de Uruguaiana na lide, na condição de assistente simples da parte autora.
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.
Des. Federal MARIA LÚCIA LUZ LEIRIA